Banco de Portugal admite contágio da inflação a toda a economia
Uma análise dos economistas do banco central admite que a aceleração da taxa de inflação já não se restringe às componentes com preços mais voláteis, tendo já contagiado as componentes mais estáveis.
Há meses que a taxa de inflação está a acelerar em Portugal. Esta quinta-feira, numa análise mais fina aos dados da evolução dos preços na economia portuguesa, o Banco de Portugal admite que a forte subida dos preços já contagiou as componentes menos voláteis, como é o caso dos preços dos bens essenciais, em vez de se restringir apenas às componentes mais voláteis, como é o caso dos preços da energia que têm sido afetados pela invasão russa na Ucrânia.
“Uma análise complementar – que decompõe a inflação total observada nas variações de preços dos itens elementares classificados por grau de volatilidade histórica dos respetivos preços – aponta para que as pressões ascendentes estejam a transmitir-se aos preços das componentes tipicamente mais estáveis“, lê-se no boletim económico de maio divulgado esta quinta-feira. Este relatório faz uma revisão da evolução da economia em 2021, mas também tem informação sobre os desenvolvimentos mais recentes da taxa de inflação.
Entre as componentes mais estáveis cujo preço acelerou no início deste ano estão “alguns serviços de educação e saúde, as rendas e os restaurantes e cafés“, explicam os economistas do banco central.
O Banco de Portugal acrescenta que “uma comparação com a área do euro das medidas apresentadas aponta para uma tendência ascendente da inflação similar à observada em Portugal”, salientando a “importância de continuar a monitorizar estas medidas, a par de outros indicadores relevantes de pressões inflacionistas, com destaque para os salários e as expectativas de inflação“.
Os economistas do banco central dividem as componentes que contribuem para a taxa de inflação em quatro quartis, do 1 (menos volátil) para o 4 (mais volátil). No gráfico, é visível como inicialmente foi o quartil 4 a disparar, mas já vê nos últimos meses uma aceleração dos outros quartis menos voláteis.
“A variação homóloga dos preços no período 2016-2020 manteve-se próxima da média de 1,5% para o primeiro quartil de volatilidade e em 1,1% para o segundo quartil, mas aumentou para 2,9% e 5,2%, respetivamente, em março de 2022“, descreve o banco central.
Olhando para a inflação subjacente (core), a que exclui as componentes mais voláteis, “as medidas referidas – com uma evolução, mais alisada do que a do IHPC total – apontam para uma subida da tendência da inflação na segunda metade de 2021 e nos primeiros meses de 2022“, confirma o Banco de Portugal, notando que “em março de 2022, os indicadores apresentados situavam-se entre 3,0% e 4,3%, o que compara com valores entre -0,1% e 0,9% em dezembro de 2020”. “A média destes indicadores tem vindo a aumentar desde setembro de 2021, fixando-se em 3,6% em março”, conclui.
Centeno diz que inflação é “um fenómeno muito complexo e difícil de avaliar”
Na sua apresentação do boletim económico de maio, o governador do Banco de Portugal explicou que a evolução da taxa de inflação observada este ano já vem de 2021, argumentando que a “inflação é um fenómeno também pandémico”, tendo as suas “raízes nas características com que se recuperou da crise económica”. O também economista diz que a “rapidez da retoma cria tensões e pressões temporárias relacionadas”, sendo tal mais visível em certos setores.
A expectativa do banco central é que, após uma maior procura por bens duradouros face a serviços, haja um “ajuste” nos próximos tempos em que a procura “a procura vai deslocar-se novamente para os serviços”, fazendo do turismo “o motor da continuação da retoma económica”, do qual é exemplo Lisboa, notou Centeno.
A guerra na Europa veio colocar o pé no acelerador da inflação. “Tem efeitos acrescidos sobre os preços que na realidade se sobrepõem às dinâmicas que já referi”, explicou Centeno. E acrescentou um outro fator mais estrutural: a transição climática. Esta tem “impactos nas nossas vidas, mas é um objetivo a que todos devemos estar muito comprometidos”. “Também é transitória, mas mais longa”, disse, referindo que “temos de a refletir nas nossas decisões de consumo e produção se quisermos ser consequentes com os objetivos que traçamos”.
Perante esta análise, o governador do Banco de Portugal — que tem voto no conselho de governadores do Banco Central Europeu (BCE), o órgão que decide as medidas de política monetária — concluiu que a “inflação é um fenómeno muito complexo e difícil de avaliar” pelo que se tornou um “desafio para todos os bancos centrais”.
Falando sobre as subidas dos salários ou das margens de lucro das empresas, Centeno considera que “não se identifica nem em Portugal nem na Zona Euro essas raízes que geram fenómenos mais persistentes e permanente sobre a taxa de inflação“. “Mas na economia os preços são a variável mais importante porque são um sinal. Não são o problema, mas revelam o problema”, acrescentou.
Mais à frente, o governador do banco central disse que “qualquer tentativa de mudar os mecanismos de formação de preços pode ter impacto na forma como se desenrola posteriormente a evolução económica, o que pode ter efeitos mais perversos“. Porém, não concretizou a que tentativas se estava a referir, nomeadamente se era ao acordo ibérico para fixar um tecto no preço do gás de forma a limitar o contágio na formação do preço da eletricidade.
Resposta imediata à inflação deve ser dada pela política orçamental
Para Centeno a resposta aos momentos inflacionistas deve utilizar os “buffers” (folgas) financeiros criados anteriormente, como é o caso da poupança acumulada pelos cidadãos e empresas. Além disso, “as políticas públicas devem de forma temporária continuar a apoiar as famílias financeiramente mais frágeis de forma muito focada, tal como foi feito durante a crise pandémica”, recomendou.
Contudo, excluiu a hipótese de haver um regresso das moratórias: “Medidas como moratórias não estão em cima da mesa nem considero que sejam necessárias neste momento“, disse, argumentando que “não estamos perante problemas de liquidez que justifiquem esse tipo de medidas”. “Considero que existem mecanismos na política orçamental para que de forma temporária atuem quando e se for considerado necessário”, concluiu.
Centeno deseja boa sorte a Leão na candidatura ao MEE
Questionado sobre a candidatura do professor João Leão a diretor do Mecanismo Europeu de Estabilidade, Centeno desejou-lhe boa sorte: “Quero desejar a maior sorte ao professor João Leão na sua candidatura do Mecanismo Europeu de Estabilidade. Estou certo de que João Leão fará um excelente trabalho nessas funções”, disse o governador do banco central.
(Notícia atualizada às 12h59 com mais informação)
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