BRANDS' ADVOCATUS Prisões: small is beautiful

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  • 5 Maio 2022

Tal como é mais fácil corrigir um mau aluno numa turma mais pequena, é mais fácil garantir a reintegração social de um preso num ambiente mais pequeno. A resposta são as small detention houses.

Em termos simplistas, pode dizer-se que existe consenso em torno da ideia de que um modelo assente num número de alunos mais reduzido por sala de aula torna o ensino mais fácil e favorece o sucesso académico. Estas conclusões são suportadas em diversos estudos e, além disso, bastante intuitivas: é difícil contestar que é mais fácil para um professor ensinar uma turma com menos alunos.

A questão não é pois a bondade da tese mas a sua exequibilidade, ou seja, o investimento necessário para a implementar, desde logo a necessidade de contratar mais professores e a readaptação de um parque escolar maioritariamente pensado para a expansão da escolaridade obrigatória e, por isso, para acomodar o máximo número de alunos possível.

O exemplo das salas de aula ilumina a discussão sobre o nosso sistema prisional, que tem dificuldade em instalar-se no debate público, à imagem do que sucede como os seus principais implicados, os presos, que a sociedade prefere afastados do dia-a-dia.

É evidente – antes de mais pela elevada taxa de reincidência criminal1 – que o modelo atual, assente em grandes infraestruturas físicas, recorrentemente sobrelotadas, não favorece a efetiva reintegração social de cidadãos presos, que a lei portuguesa consagrou como o objetivo primeiro do nosso sistema (artigo 2.º n.º 1 do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade). Será dos poucos casos em que a legislação está bastante à frente da realidade.

"O conceito de casas de detenção (small detention houses), com vários exemplos em diferentes países da Europa, aponta o caminho que deve seguir o sistema prisional português se quiser cumprir o mandato legal. ”

Gonçalo Noronha Andrade

membro da direção da RESHAPE e do Movimento Internacional RESCALED

A reintegração de um cidadão que cometeu crimes terá mais chances de sucesso se o período da privação de liberdade for passado num contexto mais parecido com o da vida em liberdade plena. Esta ideia, que manifesta o “principio da normalização”, é hoje central nas políticas públicas do sistema prisional na Noruega, que é uma referência mundial.

O princípio de que a vida na prisão deve aproximar-se dos aspetos positivos da vida numa comunidade pressupõe que o tempo de privação de liberdade seja passado num ambiente semelhante ao de uma comunidade. E numa comunidade normal, as pessoas vivem em casas. O conceito de casas de detenção (small detention houses), com vários exemplos em diferentes países da Europa, aponta o caminho que deve seguir o sistema prisional português se quiser cumprir o mandato legal. Tal como é mais fácil corrigir um mau aluno numa turma mais pequena, é mais fácil garantir a reintegração social de um preso num ambiente mais pequeno.

Casa de Transição de Mechelen, na BélgicaDirk Vertommen

A reforma do sistema prisional também enfrenta o problema do investimento necessário. Desde logo, a necessidade de abandonar o modelo atual de prisão, obsoleto por comprovadamente incapaz de replicar a vida no exterior para a qual se quer treinar os seus utilizadores temporários. Além disso, para estar à altura da lei é preciso apostar nos agentes críticos para essa transformação: assistentes sociais, psicólogos, formadores, famílias e empregadores.

Porém, o motor principal da transformação é a consciência social coletiva de que a forma como tratamos os nossos presos não é digna, não é eficaz e, como a maioria das pessoas é capaz de intuir, não tem lógica: os meios utilizados não permitem atingir o fim proposto.

No próximo dia 11 de maio, a Gulbenkian recebe a 4ª edição do Prison Insights, um evento coorganizado pelo Instituto Miguel Galvão Teles e pela RESHAPE. O programa deste ano, e os oradores convidados, propõem uma reflexão sobre o conceito de casas de detenção com testemunhos práticos sobre esta realidade e os seus resultados. No dia seguinte, a RESCALED, que lidera o movimento internacional focado neste modelo de detenção, reúne a sua assembleia geral anual também em Lisboa. Lisboa será, por isso, nesses dias, o epicentro deste debate.

A infraestrutura legal portuguesa já está bastante equipada para acolher esta evolução. O Prison Insights 22’ pretende contribuir para a infraestrutura social, pois depende de todos.

Texto por Gonçalo Noronha Andrade, advogado, membro da direção da RESHAPE e do Movimento Internacional RESCALED

1Embora Portugal não publique estudos de reincidência regularmente, é aceite pelos agentes do sistema que a taxa andará acima dos 50%.

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