11 anos de investigação e quatro procuradores depois, a acusação de Sobrinho viu a luz do dia

Com os fundos desviados, Sobrinho conseguiu adquirir uma quinta no Douro avaliada em três milhões de euros, seis apartamentos no Estoril Sol e outros imóveis em Lisboa e Cascais.

17 de março de 2017. O dia em que o ex-administrador do BES Angola (BESA), Álvaro Sobrinho, foi interrogado pelo juiz Carlos Alexandre, depois de em 2015 já ter prestado breves esclarecimentos à Justiça portuguesa. Começou no DCIAP e daí seguiu para o Ticão, onde o esperava o juiz de instrução Carlos Alexandre, que o quis ouvir durante várias e e longas horas.

Mas o luso-angolano há muito que estava na mira da Justiça portuguesa. Na verdade, foi em 2011 que a investigação começou. O resultado está à vista: depois de Orlando Figueira, Paulo Gonçalves e José Ranito – procuradores do Ministério Público a quem o processo passou pelas mãos – foi à magistrada Rita Madeira que acabou por calhar a tarefa mais hercúlea de proferir o despacho de acusação do DCIAP e redigir e assinar o documento que acabou a ter mais de 800 páginas, com apensos de provas resultado das buscas intermináveis, num processo que acabou também a envolver Ricardo Salgado, Helder Bataglia, Amílcar Morais Pires e Rui Silva. Nasce assim mais um mega processo da Justiça portuguesa, intrinsecamente ligado aquele que já é o maior, o caso do Universo GES, com Salgado como figura central e que está atualmente na fase de instrução, a cargo de Ivo Rosa.

Álvaro Sobrinho acabou, então, acusado de 23 crimes — dos quais 13 de abuso de confiança agravada e cinco de branqueamento de capitais agravado a título individual —, por um alegado desvio de cerca de 370 milhões de euros, entre os anos 2007 e 2012. O luso angolano, recorde-se, ficou sujeito a uma caução de seis milhões de euros, que pagou, e sem passaporte – só podendo circular no espaço Schengen. Medidas impostas pelo juiz Carlos Alexandre.

“O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente. O arguido sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei criminal”, lê-se no despacho do DCIAP, a que o ECO teve acesso e que não podia ser mais claro. Porém, todo o documento acaba por ser uma viagem kafkiana de transferências e apropriação alegadamente ilegal de fundos de movimentos financeiros do BES e BES Angola.

Nesse dia de março de 2017, do interrogatório no DCIAP e no Ticão, Álvaro Sobrinho ficou desde logo ciente que o Ministério Público questionava a origem da sua fortuna pessoal, conseguida de 2007 a 2013, o período em que presidiu ao BESA.

Tais fundos – no total, terão sido quase 370 milhões de euros desviados – permitiram a Sobrinho adquirir um conjunto assinalável de imóveis em Portugal. Entre eles uma quinta no Douro e as marcas dos vinhos associados à mesma num total de 5,4 milhões, seis frações do condomínio de luxo Estoril Sol, que custaram cerca de 9,5 milhões de euros, e outros imóveis em Lisboa e Cascais. Mas a vida de luxo não ficava por aqui. O dinheiro era muito e serviu para alimentar gastos como a compra de relógios de marcas conceituadas, jóias e canetas de luxo. Em menos de um ano, gastou mais de dois milhões e meio de euros em modelos exclusivos de relógios.

“Além das quantias movimentadas indevidamente a débito das contas do BESA domiciliadas no BES, em Lisboa, para crédito de contas de estruturas societárias que funcionaram em seu benefício pessoal, também em diversas ocasiões Álvaro Sobrinho utilizou a liquidez disponibilizada naquelas duas contas bancárias para fazer face ao pagamento de despesas na aquisição de bens e no financiamento direto da atividade de outras sociedades por si detidas”, segundo a mesma acusação.

Mas quando é que a investigação começou?

Para explicar como tudo começou teremos de recuar mais de 20 anos. Em 2001, acredita o DCIAP, foram constituídas três sociedades-veículo, alegadamente de fachada para a compra dos imóveis de luxo do Sky Center, um projeto imobiliário do grupo Escom financiado pelo BESA, e que previa a construção em Luanda de quatro prédios para escritórios e habitação.

Dez anos depois, em 2011, outras duas sociedades-veículo, a Vaningo e a Cross Fund são criadas, igualmente controladas pela Escom e financiadas pelo BESA. A acusação do DCIAP acredita que estas entidades fizeram parte da administração executiva do BESA, presidida entre 2001 a 2012 por Sobrinho, como os chamados “Clientes da Administração Identificados”. Uma posição que lhes deu acesso quase ilimitado a fundos, e sem controlo, perfazendo o tal valor de 370 mihões de euros.

Qual foi o modus operandi de Álvaro Sobrinho?

O próprio Álvaro Sobrinho ordenava as operações ao Departamento de Operações do BESA, sendo que as transferências era concretizadas a partir das contas que a filial angolana tinha no BES em Lisboa. Álvaro Sobrinho atuou, “ao longo dos exercícios de 2007, 2008, 2009, 2010, 2011 e 2012, determinando aos funcionários do Departamento de Operações do BESA, à operacionalização de transferências bancárias internacionais, através do débito das contas bancárias tituladas pelo BESA no BES, em Lisboa logrando, desse modo, movimentar os fundos disponíveis naquelas contas bancárias, como se seus fossem, apropriando-se desses mesmos fundos”. E este esquema, descrito pelo DCIAP, foi concretizado através de 21 sociedades offshore com sede em diferentes paraísos fiscais, como as Ilhas Virgens Britânicas, Panamá, Seychelles, entre outros, que tinham Sobrinho como beneficiário. A total ausência de controlo da gestão do BESA permitiu, segundo a acusação, “a utilização dos fundos ali disponibilizados pelo BES independentemente do destino dado aos mesmos”.

Salgado, Bataglia, Morais Pires entram na tese do DCIAP

Foi assim que, além de alegadamente ter-se apropriado de fundos do BESA, Álvaro Sobrinho também terá dado ordens de transferência para contas na Suíça abertas em nome de sociedades offshore controladas por Ricardo Salgado, Amílcar Morais Pires e Hélder Bataglia, banqueiros à data do BES e BESA.

Nesta acusação, o ex-líder do BES e o ex-administrador financeiro e Bataglia foram acusados de co-autoria por terem tido alegadamente conhecimento da gestão de Álvaro Sobrinho no BESA, com um desvio superior a quatro mil milhões de euros do BES em Angola. E que acabou a ser utilizado na compra de dívida das entidades não financeiras do GES – sobretudo a Espírito Santo Enterprise e a Rio Forte – que vieram a ser declaradas falidas em 2014.

DCIAP faz outra acusação na mesma semana

Paralelamente a esta acusação, o DCIAP, na mesma semana, divulga a acusação relativa ao processo de oferta pública de subscrição de ações do banco. “Os arguidos atuaram cientes de que, com o seu comportamento, atentaram contra os interesses patrimoniais dos subscritores das novas ações do banco”, sob o objetivo de “criar um cenário destacado da realidade”, segundo a procuradora Olga Barata, que conseguiu fazer uma acusação ainda maior que a de Rita Madeira, com mais de mil páginas e a que o ECO teve acesso.

“Bem sabiam os arguidos que o prospeto continha afirmações inverídicas, omitia informação essencial, e continha afirmações enganosas”, pode ler-se no documento assinado pela procuradora Olga Barata, sublinhando que “atuaram concertadamente, no logrado propósito de impedir que o mercado tivesse conhecimento dos factos de que cada qual tinha conhecimento”.

Este processo, que prosseguiu de forma autónoma no âmbito das investigações ao universo Espírito Santo, terminou com a acusação aos cinco arguidos (quatro administradores e uma colaboradora) dos crimes de manipulação de mercado e burla qualificada, em coautoria. Foi ainda deduzida aquisição contra o BES por um crime de burla qualificada.

O despacho aponta ainda a colocação de dívida das sociedades Rioforte e ES Irmãos por dinamização dos responsáveis do BES “com a ocultação da real situação patrimonial destas emitentes” e de uma forma que expunha o grupo “a contingências e riscos de perda patrimonial, decorrentes de danos reputacionais e de litigância”.

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