Mais de um milhão de pessoas em teletrabalho. Só 30% devido à Covid

Escassez de talento, aumento do preço dos combustíveis, passando pela descentralização são alguns dos fatores apontados pelos especialistas ouvidos pela Pessoas.

Mais de um milhão de portugueses, 20,6% da população empregada, trabalhou em casa durante o segundo trimestre de 2022. Entre os 1.009,3 profissionais que fizeram teletrabalho de início de abril a final de junho, a maioria (30%) fê-lo a 100%, seguindo-se os que o fizeram de forma regular, mediante modelos de trabalho híbrido. Entre os profissionais que, em algum momento, trabalharam a partir de casa nesse período, só 30% aponta a pandemia como motivo, revelam os mais recentes dados do Instituto Nacional de Estatística (INE). Escassez de talento, aumento do preço dos combustíveis, passando pela descentralização são alguns outros fatores apontados pelos especialistas ouvidos pela Pessoas.

“Podemos falar em três fatores conjugados: a exigência dos candidatos, que crescentemente pedem flexibilidade como benefício nos contratos de trabalho, com a possibilidade de exercerem a sua função em regime híbrido ou full remote; a escassez de talento, que impele as empresas a aceitarem as condições pedidas e, por último, a pandemia”, começa por explicar Márcia Leitão, area manager de Lisboa na Adecco Portugal, à Pessoas.

“Não há dúvida de que face à escassez de talento, e nas funções em que tal é possível, sobretudo nos candidatos mais jovens, a flexibilidade no trabalho é uma das condições pedidas, seja em modelo híbrido ou full remote. Estamos numa conjuntura de pleno emprego técnico e os empregadores procuram soluções adaptadas às necessidades produtivas. Se essa é uma condição crescentemente pedida por muitos profissionais, e nos casos em que é possível desenvolver funções à distância, as empresas tendem a ajustar as suas equipas e lideranças a esta forma de trabalhar sem comprometer os seus objetivos”, detalha.

Há, ainda, um fenómeno que a responsável destaca. Apesar de admitir que a consultora de RH não dispõe de números objetivos, Márcia Leitão adianta que tem “fortes indicadores” de que, motivados pela diferença de custos de vida, “há muitos jovens a sair das grandes cidades e a regressar junto das suas famílias, para zonas menos urbanas e menos dispendiosas, e que engrossam a fileira dos candidatos que pedem como benefício na contratação posições de trabalho à distância”. Um fenómeno “lateral de descentralização” que “poderá ser tendencialmente crescente”, considera.

Adriana Silva, senior account manager na Multipessoal, concorda com esta relação entre a quantidade significativa de pessoas que fizeram teletrabalho e o atual cenário de escassez de talento. “Com base na experiência da Multipessoal, posso dizer que muitos candidatos questionam, desde logo, sobre o regime de trabalho para a vaga a que concorrem, pois é um aspeto que, para muitos, se tornou prioritário. Atendendo à realidade atual do mercado, é imperativo que as empresas, dentro do que é viável para o seu negócio, se tornem mais flexíveis, no sentido de acomodar estas necessidades e preferências”, defende.

Para os setores e empresas em que a adoção formal destes modelos híbridos ou remotos não tenha impacto no negócio e na produtividade, a profissional acredita mesmo que “vamos assistir a uma transição crescente para estes regimes”.

O Millennium bcp e o Crédito Agrícola são exemplos de empresas que adotaram, durante o trimestre em análise, um regime de trabalho híbrido, que mistura o trabalho à distância e o presencial no escritório. O objetivo, dizem os bancos, é fomentar o bem-estar dos colaboradores.

Muitos candidatos questionam, desde logo, sobre o regime de trabalho para a vaga a que concorrem, pois é um aspeto que, para muitos, se tornou prioritário. Atendendo à realidade atual do mercado, é imperativo que as empresas, dentro do que é viável para o seu negócio, se tornem mais flexíveis, no sentido de acomodar estas necessidades e preferências.

Adriana Silva

Senior account manager na Multipessoal

Embora, segundo o INE, a pandemia esteja na origem de apenas 30% das pessoas que trabalharam a partir de casa de abril a junho, os especialistas mencionam-na como um fator conjuntural. “Houve um aumento de infeções por Covid-19 e as empresas foram obrigadas a reajustar as posições dos seus colaboradores”, recorda Márcia Leitão, da Adecco Portugal.

Aumentos do preço dos combustíveis na origem do teletrabalho

Existe ainda outro fator que pode estar a impulsionar a quantidade de profissionais portugueses que trabalham a partir de casa. “Um dos fatores conjunturais que explica isto é o aumento do preço dos combustíveis”, atira Susana Peralta. “Existe uma poupança em deslocações [com o teletrabalho], mas, ao contrário da pandemia, que sabemos que representa 30% de quem trabalha em casa, neste caso, não sabemos quantos”, acrescenta a investigadora e docente na Nova SBE.

Nos Estados Unidos da América a subida global dos preços dos combustíveis, aliada a uma crescente apreensão por parte dos trabalhadores em regressar ao trabalho presencial, já levou mesmo algumas empresas a adotarem medidas especiais para reter.

Entre as medidas avançadas está, precisamente, a manutenção do trabalho remoto. Mas também há quem tenha optado por oferecer subsídios de combustível, como forma de incentivar as idas ao escritório. Os empregadores defendem agora que apoiar as deslocações para o trabalho dos seus funcionários é essencial, visto que os trabalhadores se mostram preocupados com o aumento dos preços dos combustíveis, e com o eventual retorno ao trabalho presencial, adianta o The Wall Street Journal.

Diferentes formas de teletrabalho

Mais de um milhão de portugueses, entre os 4.901,8 empregados, trabalharam a partir de casa no segundo trimestre de 2022. Mas os modelos variam, assumindo diversas especificidades. De acordo com os dados do INE, entre os profissionais que fizeram teletrabalho de abril a junho, a maioria (cerca 333 mil profissionais, o equivalente a 33%) fê-lo a 100%, seguindo-se os que o fizeram de forma regular, mediante modelos de trabalho híbrido (cerca 278 mil pessoas, o equivalente a 27,6%).

Entre estes últimos, que trabalharam mediante modelos híbridos, maioria dos profissionais (62,1%) fazem-no nos seguintes moldes: “alguns dias por semana, todas as semanas”. Os modelos que implicam trabalhar a partir de casa todos os dias da semana, em semanas rotativas, e os que estabelecem o teletrabalho alguns dias por semana, em semanas rotativas, não têm tanta expressão, com 6,2% e 5,7%, respetivamente.

Houve ainda quem tivesse trabalhado a partir de casa fora do horário de trabalho (25,2%) e quem o tenha feito apenas pontualmente (13,7%).

Já no que diz respeito à média de horas semanais trabalhadas, o INE dá conta de uma média de 36 horas trabalhadas a partir de casa e uma média de quatro dias.

A economista Susana Peralta analisa este aparento regresso do teletrabalho, depois dos confinamentos impostos pela pandemia. Situação que levou a que no segundo trimestre de 2020, no primeiro confinamento, 22,6% da população empregada tivesse trabalhado, sempre ou quase sempre, em casa — em 90,8% dos casos devido à Covid– e, no primeiro trimestre de 2021, com o segundo regresso a casa, abrangido 20,7% dos trabalhadores.

Podemos apenas comentar a prevalência aparentemente elevada de pessoas que trabalham em casa pelo menos parte do tempo. Não podemos comparar isto com números durante a pandemia devido à quebra de série”, começa por realçar a economista.

Mas, ressalva, os números parecem indiciar que mais pessoas poderão estar a trabalhar à distância. E explica porquê.

Como o número médio de dias de trabalho a partir de casa é de quatro, para quem faz teletrabalho, podemos afirmar que muitas pessoas trabalham a maior parte do tempo em casa, o que diminui a probabilidade da prevalência elevada — semelhante a pico da pandemia — agora observada se dever a haver muitas pessoas que trabalham apenas umas horas por semana em casa, que são apanhadas neste inquérito e não eram nas edições anteriores”, detalha.

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