CEO da Galp sai de cena a meio da transição energética
Andy Brown, gestor britânico, não quis renovar o contrato que termina no final do ano. Momento de forte turbulência no setor e discordância com o Governo terão pesado na decisão.
O gestor de topo da indústria petrolífera escolhido para substituir Carlos Gomes da Silva como presidente executivo da Galp Energia vai sair ao fim de menos de dois anos. A petrolífera não apontou motivos, além do fim do mandato, mas ao que o ECO apurou a decisão de não continuar foi de Andy Brown, numa altura em que se avizinham tempos conturbados para a indústria, sob forte pressão da opinião pública e dos Governos devido aos lucros muito elevados.
A petrolífera divulgou esta manhã um comunicado a dar conta de que Andy Brown sairá da empresa a 31 de dezembro, data em que termina o seu mandato, sem adiantar qualquer justificação, seja de ordem pessoal ou outra. Na nota, publicada em inglês, a presidente do conselho de administração, Paula Amorim, deixa apenas os habituais agradecimentos ao trabalho desenvolvido pelo CEO.
Andy Brown assumiu oficialmente a liderança da Galp no início de fevereiro de 2021 com um contrato de dois anos, para coincidir com o fim do mandato, no final de 2022. O seu currículo no setor e as expectativas com que foi contratado – acelerar a transição energética da empresa – apontavam para um percurso mais longo à frente da petrolífera. Segundo fonte ligada à empresa, essa não foi, no entanto, a vontade do presidente executivo.
Na base da sua decisão terá pesado o momento de instabilidade porque passa a indústria, a atravessar uma crise energética ainda sem fim à vista. Os preços elevados do petróleo estão a proporcionar lucros recorde, mas o setor tem estado sob forte pressão das opiniões públicas e dos Governos, nomeadamente para a taxação dos lucros inesperados obtidos devido ao impacto da guerra na Ucrânia e ao corte no fornecimento de gás natural no preço dos bens energéticos.
Os ministros da Energia da União Europeia aprovaram, na última sexta-feira, a proposta para a aplicação da chamada windfall tax, que prevê, entre outras medidas, uma taxa de “solidariedade” de 33% sobre os lucros extraordinários das petrolíferas este ano. Uma decisão com a qual Andy Brown discorda, considerando que compromete o investimento no setor.
Há duas semanas, na CNN Portugal Summit, Andy Brown afirmou ser um mito que a empresa esteja a obter lucros extraordinários na refinação, defendendo que “criar um clima de investimento atrativo é a única forma de resolver a crise climática e energética, permitindo manter refinarias, como Sines, abertas, e convertê-las de forma a que produzam combustíveis sustentáveis”. O investimento nos próximos anos vai estar ainda condicionado pela subida das taxas de juro.
Divergências com o Governo
A empresa enfrenta também decisões regulatórias que a podem afetar negativamente. Na mesma conferência, o CEO da Galp criticou a opção do Governo de permitir a 1,3 milhões de clientes do gás natural regressarem temporariamente ao mercado regulado, defendendo uma compensação à petrolífera que o ministro do Ambiente rejeitou.
Andy Brown disse na CNN Portugal Summit que a medida representava “um retrocesso após anos a caminhar em direção à liberalização do mercado” e não era uma “medida eficiente para beneficiar quem precisa”. Alertou também para a incapacidade de as empresas do mercado regulado, que servem apenas 2% do consumo em Portugal, lidarem atempadamente com o enorme afluxo de novos clientes. Segundo os últimos dados conhecidos, divulgados na sexta-feira, contam-se 39.200 pedidos de adesão.
O gestor defendeu também que a Galp tem de ser compensada pelas perdas resultantes do fornecimento de gás natural ao mercado regulado a preços inferiores aos que pagará pela aquisição da matéria-prima no mercado internacional, onde as cotações estão muito elevadas. “Acreditamos que este movimento afeta os nossos direitos”, afirmou Andy Brown, acrescentando que estava em negociações com o Governo.
A resposta do ministro do Ambiente chegou dois dias depois. Duarte Cordeiro recusou na Assembleia da República o pagamento de qualquer compensação: “Na nossa análise, a Galp tem obrigação legal de fornecer tarifa regulada [de gás natural]. No nosso entender, há uma responsabilidade da Galp na tarifa regulada e terá de responsabilizar-se por isso. Se tiver alterações naquilo que são os seus contratos terá de o refletir”, acrescentou o governante.
Fora este desencontro, o principal episódio de tensão entre o Governo e a Galp tem pouco mais de um ano. Em setembro de 2021, o primeiro-ministro acusou a empresa de “insensibilidade” e “irresponsabilidade” na forma como a petrolífera geriu os despedimentos na refinaria de Matosinhos, que empregava 1600 trabalhadores e foi desativada. António Costa prometeu dar uma “lição exemplar” à empresa. Andy Brown afirmou em novembro que a Galp “aprendeu as lições da difícil decisão sobre Matosinhos“.
Não foi sempre assim. O Expresso noticiou no início de setembro que o secretário de Estado da Energia, João Galamba, e Andy Brown foram juntos à Nigéria para assegurar os contratos de fornecimento de gás natural liquefeito a Portugal.
Um “gestor de topo” na indústria
Foi em janeiro de 2021 que a Galp anunciou a saída de Carlos Gomes da Silva, ao fim de seis anos como CEO e com o mandato a meio. Na altura, foram noticiadas divergências com a chairwoman, Paula Amorim, que queria uma transição mais rápida do negócio para as renováveis. Ao contrário do que aconteceu agora, na altura foi logo indicado o nome do sucessor, Andy Brown, um “gestor de topo com mais de 35 anos de experiência no setor da energia, reconhecido pelo seu perfil de liderança dinâmico, foco na performance, segurança, bem-estar e desenvolvimento de pessoas”.
O currículo do primeiro presidente executivo estrangeiro da petrolífera tem peso. Entre 2012 e 2019, fez parte da comissão executiva da gigante Royal Dutch Shell, e chegou a ser apontado à liderança, mas acabaria por se reformar após 19 anos na empresa. Antes de entrar na Galp, a 5 de fevereiro de 2021, foi consultor de várias empresas, entre elas a McKinsey.
Andy Brown prometeu “clarificar a estratégia” e acelerar a transição energética, na primeira conferência de imprensa com analistas. Quatro meses depois de chegar à liderança, apresentou um novo plano estratégico até 2025, que já não irá implementar. A petrolífera apontava um investimento entre 800 e 1.000 milhões de euros nos cinco anos seguintes, cerca de metade em projetos relacionados com a transição energética, assumindo o compromisso de atingir a neutralidade carbónica da sua atividade até 2050.
Durante o último ano e oito meses, a Galp reforçou o investimento nas renováveis, nomeadamente em Espanha, e anunciou a entrada no Brasil. Assinou também com a sueca Northvolt uma joint venture para a instalação em Portugal da maior fábrica de conversão de lítio da Europa e tem um projeto para a produção de 200 MW de hidrogénio verde em Sines.
O gestor de 61 anos, que não chegou a aprender português, deverá deixar a empresa com os lucros mais elevados de sempre, beneficiando do forte aumento do preço do petróleo e das margens de refinação. A Galp fechou o primeiro semestre com um resultado líquido inédito de 420 milhões de euros e uma duplicação do EBITDA face ao mesmo período do ano anterior, para os 2.114 milhões de euros.
A petrolífera vai anunciar a próxima liderança executiva até ao final do ano. O processo de seleção será conduzido pelo conselho de administração, liderado pela representante do maior acionista da empresa, a Amorim Energia, com 33,34% do capital.
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