Rutura “intencional” no Nord Stream pode levar “até meses” a reparar

Docentes ouvidos pelo ECO/Capital Verde estimam que reparações às ruturas no Nord Stream 1 e 2 possam levar meses, obrigando à UE a recuar nas metas ambientais perante a chegada do inverno.

O apuramento das causas e os respetivos trabalhos de reparação nas quatro ruturas do Nord Stream 1 e 2 poderão demorar “várias semanas, ou até mesmo meses”, estimam os professores ouvidos pelo ECO/Capital Verde, numa altura em que o bloco europeu está há um mês sem receber gás da Rússia. Isto vai obrigar a União Europeia não só a reforçar a procura por diferentes fontes de energia, quer seja pela “importação cada vez mais volumosa de gás natural liquefeito de outros fornecedores”, como a Argélia, ou pelo regresso a outros combustíveis fósseis, como o carvão, mas também a “sacrificar” os objetivos ambientais, assinalam.

A possibilidade de a Rússia desligar a “torneira” do gás à Europa, já tinha sido assumida pelos 27 Estados-membros desde o início do verão, altura em que Moscovo reduzia sucessivamente os níveis de fluxos enviados através do Nord Stream 1 obrigado ao bloco europeu a definir estratégias para o inverno. E, se no início de setembro, a estatal russa Gazprom suspendera indefinidamente o envio de gás à União Europeia, alegando falta de condições técnicas nas turbinas do gasoduto, agora as quatro ruturas registadas na semana passada no Nord Stream 1 e 2 obrigam a que a interrupção seja mais prolongada. E, se os trabalhos de reparação não começarem em breve, as duas infraestruturas poderão ficar inutilizáveis para sempre.

É possível fazer reparações nestes gasodutos mas isso vai requerer tempo. Serão necessárias investigações para avaliar os danos causados e só depois poderão ser projetados os trabalhos de recuperação, que serão mais ou menos demorados em função dos estragos verificados”, refere Rui Baptista, professor do Departamento de Geologia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL) ao ECO/Capital Verde.

O governo da Dinamarca já tinha alertado que as inspeções às quatro ruturas poderiam levar entre até três semanas, isto devido à composição da infraestrutura — cada tubo de aço terá uma parede de cimento de cerca de 4 centímetros, sendo, por sua vez, revestido com outros 6 a 11 centímetros de betão protegidos com aço — mas também devido à profundidade de cerca de 100 metros no Mar Báltico onde as condutas se encontram e ainda pela quantidade de gás que escapou das ruturas, apesar dos dois gasodutos estarem inoperacionais.

“No Nord Stream 1 é normal que haja fugas de gás. Ao contrário da eletricidade, nas infraestruturas de gás consegue-se armazenar [este combustível] nas condutas. É como com a água, pode estar cortada na saída mas os tubos estão cheios à mesma”, explica Carlos Santos Silva, acrescentando que no caso do Nord Stream 2, que nunca chegou a ser utilizado, poderão estar a ocorrer fugas por eventuais testes que tinham sido colocados em curso.

A estes obstáculos acrescem outros dois: os níveis de corrosão que surgirão do contacto entre o aço e a água salgada, que poderão danificar de forma irreversível as duas interconexões, e ainda a “vontade [política], de todas as partes, em fazer essa reparação”, diz Rui Baptista. “E parece que pelo menos alguns não querem que tal aconteça”.

Até ao momento, ainda não foi possível apurar o que poderá ter resultado nas explosões que levaram às quatro ruturas, mas os dois docentes subscrevem as teses defendidas pelas autoridades europeias e internacionais, que falam numa sabotagem, possivelmente, da autoria de um agente estatal. “Este tipo de condutas marítimas são feitas de cimento e têm uma espessura significativa, com uma profundidade relativamente elevada. Se tivesse sido uma [rutura], até poderíamos pensar num evento catastrófico, ou inesperado, mas quatro ruturas, num espaço de tempo curto, em duas infraestruturas separadas, sugere que pode ter havido uma ação intencional”, argumenta o professor do IST.

A Alemanha, Polónia e Dinamarca acreditam que existem suspeitas de que ruturas tenham sido intencionalmente provocadas depois de um relatório preliminar de uma autoridade de segurança alemã ter indicado que as causas apontavam para uma ação violenta e não um simples problema técnico.

A Rússia garantiu colaborar com as autoridades internacionais para o apuramento dos factos, tendo convocado, na semana passada, uma reunião entre os membros do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas para discutir os danos causados. De lá, saíram apenas acusações entre Washington e Moscovo pela tentativa de sabotar os gasodutos construídos pela Rússia, enquanto os governos da Suécia e Dinamarca divulgaram relatórios que provam que as fugas tinham sido provocadas por fortes explosões submarinas.

Até que seja apurada a verdade, a União Europeia está perante uma nova pressão para enfrentar os meses que se avizinham, ainda que já tenha em curso uma estratégia que visa mitigar os impactos mais danosos: “Vai ser mesmo necessário reforçar medidas de poupança energética”, afirma o professor da FCUL. “Se o inverno for rigoroso em termos de temperatura os povos da Europa vão sofrer de uma forma ou de outra, porque à escassez de combustível junta-se o agravamento de custos que obviamente serão mais sentidos por quem tem menos recursos financeiros disponíveis — isto é, os pobres da Europa”, remata.

Ambiente também sofre

“Existe aqui uma grande pressão sobre a Europa, com o regresso ao carvão na Alemanha e o nuclear em França. Enquanto não houver alternativas, vamos recuar um bocado nos objetivos de redução das emissões de gases poluentes”, explica ao ECO/Capital Verde o professor Carlos Santos Silva, do departamento de Engenharia Mecânica do Instituto Superior Técnico (IST). “Vamos sacrificar o pilar ambiental em detrimento do pilar social e económico. Não é concebível no século XXI que as pessoas passem frio ou que as indústrias fiquem paradas. Há que fazer escolhas”, diz.

Em julho, a Agência Internacional de Energia (AIE) já tinha alertado que, face ao agravamento da guerra da Ucrânia e da crise energética, antecipava uma subida significativa no consumo de carvão na União Europeia. Nos primeiros seis meses do ano, a subida foi de 10%, “impulsionada pela procura de carvão do setor elétrico, que estimamos tenha aumentado 16%”. No segundo semestre, a AIE estima que a tendência se mantenha “devido à necessidade de economizar gás para o inverno perante a incerteza sobre os fluxos russos”.

Mas a Alemanha não é a única a recuar no carvão. De acordo com a AIE, França, Países Baixos, Espanha, Itália, Grécia, Chéquia, Hungria e Áustria estão a prolongar a vida útil das centrais a carvão com encerramento previsto, a reabrir centrais encerradas ou a aumentar os limites do horário de funcionamento das centrais a carvão para reduzir consumo de gás. De momento, as reservas europeias de gás já ultrapassaram os 80%, mas face aos receios de um inverno severo as poupanças podem não ser suficientes. Em Berlim, o presidente da entidade reguladora de energia do país, Klaus Mueller já admitiu que mesmo com as reservas de gás a atingirem os 95% (objetivo do Governo de Olaf Sholtz), isso só cobriria cerca de dois meses e meio de procura para aquecimento, indústria e energia se a Rússia cortar completamente os fornecimentos.

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