Portugal contra medidas que “perpetuam desequilíbrio” entre plataformas e ‘gig workers’ na UE
Governo português e sete outros países europeus assinaram carta a pedir regras mais apertadas para defender trabalhadores das "apps". Presidência checa do Conselho quer aligeirar proposta da Comissão.
Portugal é um dos oito países europeus que subscreveram uma carta a rejeitar a adoção de medidas que “apenas perpetuam o desequilíbrio existente” entre as plataformas eletrónicas e os gig workers, os trabalhadores deste tipo de aplicações. A missiva é um apelo à presidência checa do Conselho da União Europeia (UE), no âmbito da proposta de Bruxelas sobre a reclassificação do estatuto profissional destas pessoas, noticia o Politico Europe.
Em dezembro de 2021, a Comissão Europeia propôs cinco critérios para determinar se estes trabalhadores podem ser considerados funcionários da própria plataforma, beneficiando dos direitos previstos nesse tipo de vínculo laboral. Porém, segundo o jornal, a presidência checa do Conselho introduziu ajustes que tornam mais difícil para um gig worker conseguir tal reclassificação – por exemplo, ao invés de dois critérios, passaria a ter de preencher três.
Portugal também está envolvido nas discussões e defende que a diretiva deve ser mais apertada para o lado das plataformas, não menos. Em conjunto com representantes de sete outros governos europeus, a ministra do Trabalho, Ana Mendes Godinho, subscreve uma carta que defende que “uma presunção legal eficaz e forte, mas refutável, da relação de trabalho, refletindo o atual controlo e direção exercidos pelas plataformas digitais de trabalho, deve continuar a ser o foco da diretiva”.
“A presunção legal [de contrato de trabalho] deve ser acionada de acordo com regras claras e transparentes e mecanismos, que devem ser partilhadas por todos os Estados-membros sem criar potenciais diferenças entre países. Estabelecer restrições ou derrogações para esta presunção legal apenas vai perpetuar o desequilíbrio existente entre as plataformas e as pessoas que trabalham nelas atualmente, que levou à existência de milhares de falsos trabalhadores independentes na Europa e condições de trabalho precárias através do abuso de contratos atípicos”, lê-se na carta, dirigida a Marian Jurecka, ministro do Trabalho da República Checa.
“Adicionalmente, dificultar a presunção vai resultar em mais incerteza legal”, lê-se ainda no documento, que foi publicado na íntegra no Twitter pela representação permanente do Luxemburgo na União Europeia:
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Além de Portugal, a posição é assinada pelos ministros da tutela da Bélgica, Itália, Luxemburgo, Países Baixos, Eslovénia e Espanha. O ECO questionou o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social sobre a posição de Portugal e encontra-se a aguardar resposta.
A proposta da Comissão, que é conhecida por Platform Work Bill, contempla “um conjunto de medidas para melhorar as condições de trabalho nas plataformas digitais e apoiar o crescimento sustentável das plataformas digitais de trabalho na UE”. No entender de Bruxelas, “as novas regras garantirão que as pessoas que trabalham através de plataformas digitais de trabalho possam usufruir dos direitos laborais e dos benefícios sociais a que têm direito”.
A diretiva protege ainda os trabalhadores em situações de “gestão algorítmica” – isto é, quando o próprio sistema tem a capacidade para tomar decisões. Estabelece também novas exigências de reporte às empresas.
O novo regime deve abranger algumas empresas bem conhecidas dos portugueses. É o caso da Uber, cujos motoristas trabalham para outras empresas consideradas “parceiras”, ao invés de serem considerados trabalhadores da Uber. A lei pode ainda abarcar, por exemplo, algumas plataformas de entrega de refeições que recorram a estafetas externos à empresa, entre outras.
Trabalhador da app ou independente? Cinco regras
No caso da presunção de vínculo de trabalho, são cinco os critérios previstos na proposta da Comissão, que foi tornada pública na altura (ver página 35). Desta forma, se a proposta chegar ao terreno, um gig worker pode ser considerado trabalhador da própria plataforma sempre que preencha dois desses cinco critérios, nomeadamente quando a aplicação:
- determina tetos ao nível da remuneração;
- exige que o trabalhador respeite regras de aparência ou conduta em relação ao cliente do serviço:
- supervisiona o desempenho do trabalho ou verifica a qualidade dos resultados, incluindo por meios eletrónicos;
- restringe a liberdade de organização do trabalhador através de sanções, em particular a capacidade de escolher as horas de trabalho e períodos de descanso, de aceitar e recusar tarefas ou de recorrer a substitutos ou subcontratação;
- limita efetivamente a possibilidade de construir uma base de clientes ou de trabalhar para outras empresas.
Importa recordar que, no âmbito da discussão da Agenda do Trabalho Digno, o anterior Governo, suportado pelos partidos da esquerda, tencionava estabelecer indícios que permitissem o reconhecimento em tribunal de que os motoristas são trabalhadores dependentes das plataformas. Mas, depois das eleições, a proposta entregue na Assembleia da República já prevê que a presunção de contrato de trabalho pudesse ocorrer com “outra pessoa singular ou coletiva”, permitindo assim, por exemplo, que a presunção laboral aconteça entre o motorista da Uber e o “parceiro” intermediário. O Governo foi, então, acusado de dar um passo atrás na proteção dos direitos destes trabalhadores.
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