O choque com a realidade e o futuro da indústria

  • BRANDS' ADVOCATUS
  • 15 Dezembro 2022

Embora nem todos os responsáveis tenham a coragem de enfrentar a realidade, nunca como agora se colocaram tantos desafios económicos e sociais às famílias e às empresas portuguesas.

O choque com a realidade é incontornável. As famílias e as empresas estão hoje a enfrentar uma situação silenciosa que é absolutamente assustadora e incontornavelmente dolorosa: a falta de liquidez, a inflação galopante, o aumento exponencial dos preços e das matérias-primas, incluindo de bens de primeira necessidade, a dificuldade no acesso ao financiamento, são alguns desses exemplos.

O País empobrece, as famílias veem o seu orçamento familiar minguar e não ser suficiente para as suas despesas básicas. A poupança cedeu o seu lugar à sobrevivência e o caminho das empresas não é mais suave. Dia após dia, mês após mês, ano após ano são obrigadas a reinventar-se.

É verdade que os últimos anos, concretamente a partir de 2019, não têm sido simpáticos para a economia global e particularmente para a nacional. Uma pandemia seguida de uma guerra são fatores bastantes para abalar qualquer economia e consequentemente as finanças das famílias e das empresas. Porém, não podem é servir de desculpa para falta de visão. Ou para aceitarmos falta de coragem confundindo-a com prudência e cautela. Não se procede a reformas estruturais e essenciais por força da ideia que o pior ainda está para vir. Até podia ser verdade, não tivesse este argumento mais de 2 décadas. E se não se fazem reformas estruturais com uma maioria absoluta então qual será o momento adequado para as fazer ?

Se o Governo não perceber isso com rapidez uma parte significativa da nossa indústria, especialmente a Norte, não aguentará o impacto destes efeitos devastadores na sua atividade. Arrisco-me mesmo a dizer que se nada for feito de estruturante e transversal, parte significativa da nossa indústria desaparecerá. Pelo menos, tal como a conhecemos hoje. Se é verdade que é difícil ter uma visão de longo prazo que permita recriar o hub industrial de bandeira portuguesa, é igualmente verdade que já nos seria suficiente, pelo menos por agora, se o Governo procurasse ajudar as empresas industriais existentes.

A situação é alarmante e não permite adiamentos.

Os mais recentes dados divulgados pelo Banco de Portugal registaram um abrandamento da atividade económica e do consumo privado em setembro. Recorde-se que estes indicadores estão em queda desde o verão. Por um lado, a subida sucessiva da inflação e das taxas de juro traduzem essa desaceleração e, por outro lado, verifica-se uma quebra generalizada da confiança, quer dos consumidores, quer do setor empresarial, com forte impacto na economia.

E se olharmos para as medidas implementadas para responder à crise económica provocada pela pandemia, então, a auditoria do Tribunal de Contas é esclarecedora quando assinala a insuficiência da execução financeira das medidas (84% do previsto), sendo que apenas sete apresentaram meta definida e só uma a atingiu. Em suma, as conclusões do Tribunal de Contas são preocupantes, sobretudo porque sinalizam a falta de transparência e ineficácia das medidas desenhadas pelo Governo. Significa isto que, uma vez mais, as medidas foram decididas em cima do joelho, sem qualquer rigor ou plano, e, como sempre, não chegaram a quem realmente sofreu os efeitos reais da crise, ou seja, as famílias e as empresas.

O cenário para 2023 não se afigura melhor. Há poucos dias o próprio Ministro das Finanças veio a público sinalizar o abrandamento da atividade económica. A proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2023 não entusiasma e mais não apresenta do que medidas pontuais, com efeito reduzido e sobretudo com pouco impacto na economia e no rendimento das famílias.

O Governo podia, e devia, ter ido mais longe. Podia, querendo, desde logo, promover uma alteração drástica no que respeita ao número de escalões existente em sede de IRS para que, de facto, trabalhar compense. Podia também aplicar a taxa zero sobre os bens alimentares essenciais para mitigar o efeito da inflação junto das famílias. Podia ter ido mais além na proposta de redução de IRC, procurando beneficiar, dessa forma, as empresas numa conjuntura particularmente aflitiva de aumento de custos, de matérias-primas, eletricidade, combustíveis, etc…. E podia também ter dado um sinal claro de aposta na tecnologia, assegurando que as empresas Portuguesas não ficam para trás no que respeita a competitividade, sobretudo internacional.

A realidade crua e nua diz-nos que a tempestade perfeita está aí à porta e que as dificuldades de sobrevivência de parte significativa da nossa indústria estão também aí.

As linhas de apoio Covid criadas no tempo da pandemia começam a ter os seus períodos de carência no fim, coincidindo no tempo com o aumento estapafúrdio dos custos de produção e de eletricidade. Em alguns casos são conhecidos aumentos dos custos de eletricidade para o dobro, para o triplo e até para o quádruplo.

As linhas de acesso a financiamentos continuam demasiado restritivas, quase de impossível cumprimento, e o acesso ao financiamento é cada vez mais limitado aos de sempre.

Para se perceber esse choque com a realidade bastaria visitar algumas dessas empresas industriais e que por estes meses se debatem entre sobreviver, mantendo postos de trabalhos, pagar faturas de eletricidade, aplicar lay-off’s temporários ou mesmo encerrar áreas de atividade.

Essa é a realidade que os nossos empresários estão a viver por estes dias. O impacto social e laboral do que aí vem é difícil de prever e se nada for feito com rapidez a situação será ainda mais delicada.

É por isso importante perceber que cada dia conta para a maioria das indústrias em Portugal, em especial aquelas que estão muito expostas a mercados externos e de produtos altamente penalizados com a atual conjuntura mundial, como sejam o têxtil, calçado e sector metalúrgico.

A realidade económica que os analistas e os governantes perspetivam para um futuro mais ou menos próximo, é já uma difícil e triste realidade para essas empresas portuguesas, que estão hoje mesmo confrontadas com uma redução e em alguns casos total diminuição da atividade por força de quebra abruta das encomendas de clientes externos.

Vive-se hoje um cenário de despedimentos diários (que em breve estarão refletidos nos números do desemprego), de encerramento de unidades industriais (que em breve se refletirão inevitavelmente no aumento dos processos de PERs e insolvências) e de desinvestimento total das empresas (que em breve terá um efeito dominó e devastador sobre toda a sociedade ao nível da atividade económica ).

É chegado o momento dos nossos governantes atuarem de forma disruptiva e contrária à que tem sido pratica corrente da governação dos últimos anos, que é tentar encontrar soluções tardias e muitas vezes desadequadas (como por exemplo colocar o ónus da decisão do apoio às empresas em dificuldades na banca tradicional, quando todos estão conscientes de que a banca tradicional é avessa ao risco e procura sempre a maximização dos seus lucros e não tem, por regra, uma preocupação social ou de apoio ao tecido empresarial per si) e sem um contexto bem delineado e focado numa estratégia global concertada.

Para isso terão hoje mesmo de implementar medidas de apoio às empresas economicamente viáveis, cuja decisão passe por organismos competentes mas independentes de centros de decisão antagónicos com o propósito de tais linhas, apoios estes que terão de chegar às empresas em tempo útil.

Este é o momento em que o tecido empresarial mais necessita de um apoio governamental, não só ao nível de instrumentos financeiros, mas também e fundamentalmente de enquadramento e desenvolvimento estratégico.

Bastaria que o nosso responsável governativo máximo pela Economia em vez de se entreter a ser enxovalhado por um grupo pseudo-ambiental ligado ao Bloco de Esquerda, se pusesse a caminho do Norte e organizasse umas visitas a algumas dessas empresas de Fafe, Guimarães, Barcelos, Braga, Felgueiras ou mesmo a zonas industriais como as da Maia, Santa Maria Feira e S. João da Madeira. E tantas outras.

Bastaria que saíssem do Terreiro do Paço e que se pusessem a caminho desse País que trabalha todos os dias para perceber as dificuldades reais e adotar as medidas e incentivos necessários à realidade.

 

Filipe Lobo d’Avila

Advogado

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