O dia “D” da Operação Lex chegou. Quem vai a julgamento?

O juiz Sénio Alves vai anunciar a decisão instrutória deste processo relativo a 86 crimes distribuídos pelos 17 arguidos, entre eles Luís Filipe Vieira e os ex-juízes Rui Rangel e Vaz das Neves.

Foi em setembro de 2020 que o despacho de acusação do processo Operação Lex conheceu a luz do dia. Mais de dois anos depois e após a abertura da instrução, o dia “D” chegou: quem vai a julgamento? O juiz conselheiro Sénio Alves, responsável pela fase de instrução, vai decidir se os arguidos vão a julgamento e, se sim, por quais crimes. A decisão será anunciada no Supremo Tribunal de Justiça (STJ) pelas 14h30.

Apesar de não ser o final do processo que se iniciou em 2018, é dado mais um passo neste caso que coloca no banco dos arguidos personalidades como juiz Rui Rangel, ex-presidente da Relação de Lisboa, Luís Filipe Vieira, ex-presidente do Benfica, e o juiz Luís Vaz das Neves, ex-presidente da Relação de Lisboa.

A instrução, que é uma fase processual facultativa, foi pedida por cinco dos 17 arguidos. A decisão tomada pelo juiz no final da fase processual da instrução revela se os arguidos vão a julgamento – com um despacho de pronúncia – ou não, com um despacho de não pronúncia.

Neste processo estão suspeitas de que três juízes desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa (TRL), Rui Rangel, Fátima Galante e Luís Vaz da Neves, utilizaram as funções para a obtenção de vantagens indevidas, para si ou para terceiros. Em causa estão os crimes de corrupção passiva e ativa para atao ilícito, recebimento indevido de vantagem, abuso de poder, usurpação de funções, falsificação de documento, fraude fiscal e branqueamento de capitais.

O “pontapé” de saída

O que desencadeou toda este processo da justiça portuguesa foi uma certidão extraída do caso Operação Rota do Atlântico, que envolveu José Veiga, ex-empresário de futebol e Luís Filipe Vieira, o ex-dirigente do Benfica, suspeito de crimes de corrupção no comércio internacional, branqueamento de capitais, fraude fiscal e tráfico de influências. Após suspeitas da prática de crimes, foi aberto um inquérito em setembro de 2016.

A investigação, liderada por Maria José Morgado, centrou-se na atividade desenvolvida por três juízes desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) que utilizaram tais funções para a obtenção de vantagens indevidas, para si ou para terceiros. Os três magistrados citados na acusação são Rui Rangel, Fátima Galante e Luís Vaz da Neves. Segundo a Procuradoria-Geral da República, as vantagens obtidas podem superar os 1,5 milhões de euros.

Rui Rangel, ex-presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, foi expulso da magistratura após estas suspeitas. Está acusado pelos crimes de corrupção passiva para ato ilícito (dois), recebimento indevido de vantagem, abuso de poder (quatro), falsificação de documento (seis), fraude fiscal (seis), usurpação de funções e branqueamento de capitais.

Rui RangelEPA/ANTONIO PEDRO SANTOS

Já a sua ex-mulher, Fátima Galante, foi aposentada compulsivamente em junho de 2020, como consequência direta da sanção disciplinar que lhe foi aplicada pelo plenário do Conselho Superior da Magistratura. Está acusada pelo crime de corrupção passiva para ato ilícito, abuso de poder, branqueamento de capitais e seis crimes de fraude fiscal.

Por sua vez, Luís Vaz das Neves, ex-presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, jubilou-se em 2016 e foi substituído na presidência do TRL por Orlando Nascimento, que também já abandonou o cargo. O Ministério Público acusa Vaz Neves de violar os seus deveres funcionais de isenção e imparcialidade com a ordenação da distribuição manual de processos, permitindo que Rangel obtivesse benefícios económicos ilegítimos. Em causa estão os crimes de corrupção passiva para ato ilícito e dois crimes de abuso de poder.

No banco dos arguidos está também Luís Filipe Vieira, ex-presidente do Benfica, Fernando Pagamim Tavares, ex vice-presidente do Benfica, e Jorge Rodrigues Barroso, advogado e ex-assessor de Vieira. O ex-presidente do Benfica está a ser acusado pelo crime de recebimento indevido de vantagem, em coautoria com Fernando Pagamim Tavares e Jorge Rodrigues Barroso. Em causa está o facto de ter tentado obter informação privilegiada de um processo fiscal que envolvia a empresa do filho.

“Convidar pessoas para assistir a jogos no camarote presidencial nada tem a ver com vantagens”, sublinhou em novembro o advogado de Vieira, Raul Soares da Veiga.

Luís Filipe Vieira, ex-presidente do BenficaPAULO NOVAIS/LUSA

À lista de acusados soma-se ainda os nomes de José Veiga, ex-empresário de futebol e ex-dirigente do Benfica; Octávio Correia, funcionário judicial do TRL; José Santos Martins, advogado e alegado testa de ferro de Rangel, e o seu filho Bernardo Martins; Albertino Figueira, advogado; Rita Filipe e Bruna Garcia Amaral, ex-companheiras de Rangel; Oscar Juan Hernandez Lopez, advogado; Elsa Marília Correia, técnica de comércio; Ruy Carrera, cidadão espanhol que terá tentado livrar Rangel de várias multas de trânsito; e Nuno Ferreira, familiar de Rita Filipe.

Ao todo somam-se 86 crimes distribuídos pelos 17 arguidos do processo Operação Lex. Em causa estão 11 diferentes tipos de crimes, sendo o de fraude fiscal com maior incidência no processo (45).

Nos media, o processo ficou conhecido a 30 de janeiro de 2018, quando foram detidas cinco pessoas, cumpridos cinco mandados de busca em empresas, 26 mandados de busca em veículos, 18 buscas domiciliárias, três buscas em escritórios de advogados e uma busca no TRL. Posteriormente, foram realizadas mais quatro buscas. Entre as equipas de investigação envolvidas no caso estão a Unidade Nacional de Combate à Corrupção da Polícia Judiciária, a Autoridade Tributária e Aduaneira, direção de Finanças de Lisboa, Gabinete de Recuperação de Ativos, Gabinete de Administração de Bens. No decorrer do inquérito foram inquiridas 89 testemunhas.

A fase de instrução teve início no dia 20 de setembro e encerra esta sexta-feira, com a decisão tomada pelo juiz Sénio Alves. Os cinco arguidos que pediram a abertura da instrução foram Luís Filipe Vieira, Fernando Pagamim Tavares, Jorge Barroso, Otávio Correia e Elsa Correia.

A instrução deste caso foi atrasada por uma primeira decisão do STJ, de 12 julho de 2021, que determinou a separação da Operação Lex. Segundo essa decisão, Vaz das Neves devia ser julgado no STJ, pois continuava a ser juiz desembargador e apenas tinha sido suspenso, ao contrário do que aconteceu com Rangel e Fátima Galante. Já os restantes arguidos deviam ser julgados na primeira instância.

Mas, a 24 de fevereiro de 2022, a decisão mudou. O STJ, num acórdão assinado pelos juízes conselheiros Cid Geraldo e António Gama, deu razão aos recursos do MP e dos arguidos Octávio Correia e Elsa Correia no sentido de a instrução e o eventual julgamento decorrerem unicamente na instância superior, sem lugar a separação de processos.

Apesar de tudo, a decisão que será proferida esta sexta-feira por Sénio Alves, apesar de ser bastante aguardada, não tem contornos definitivos, uma vez que ainda falta uma outra fase processual, a de julgamento. De relembrar que o juiz não tem de seguir a acusação do Ministério Público, podendo da sua decisão surgir três desfechos:

  • Enviar o caso, na íntegra, para julgamento através de um despacho de pronúncia relativo as todas as acusações e todos os crimes;
  • Não pronunciar os arguidos por qualquer crime; ou
  • Enviar apenas uma parte da acusação para julgamento, deixando cair, por exemplo, os crimes de corrupção que são mais complexos no que toca à prova.

Quem pode recorrer?

Um dos cenários em “cima da mesa” depois do anúncio da decisão instrutória é o de recurso, que pode ser apresentado pelo Ministério Público ou pelos assistentes, se estiverem sido constituídos. Se o juiz de instrução decidir arquivar o processo, ou seja a não pronúncia do arguido, é suscetível de recurso. Mas, caso decida pronunciar o arguido e levá-lo a julgamento, não é suscetível de recurso.

“A decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público […] é irrecorrível, mesmo na parte em que apreciar nulidades e outras questões prévias ou incidentais, e determina a remessa imediata dos autos ao tribunal competente para o julgamento”, lê-se no art. 310.º do Código de Processo Penal. Em suma, se não concordarem com a decisão do juiz de instrução, o Ministério Público e os assistentes, se constituídos, podem apresentar recurso.

Ainda assim, há exceções. Por exemplo, se o juiz pronunciar um arguido mas por factos não constantes na acusação do MP, este pode recorrer da decisão.

Caso o MP decida recorrer, o TRL vai decidir avaliar o recurso sobre a decisão instrutória apresentado. Uma vez que na apreciação do recurso não é obrigatória a produção de prova, é expectável que esta fase seja mais curta e dure entre um a dois anos.

Veja a lista completa dos crimes dos arguidos

  • Rui Rangel – antigo juiz desembargador e ex-presidente do Tribunal da Relação de Lisboa
    Acusado de 11 crimes:

Corrupção passiva para ato ilícito (2)
Abuso de poder (4)
Recebimento indevido de vantagem (1)
Usurpação de funções (1)
Falsificação de documento (6)
Fraude fiscal (6)
Branqueamento de capitais (1)

  • Luís Filipe Vieira – ex-presidente do Benfica
    Acusado de um crime:

Recebimento indevido de vantagem (1), em coautoria com Fernando Pagamim Tavares e Jorge Rodrigues Barroso

  • Fátima Galante – antiga juíza desembargadora
    Acusada de nove crimes:

Corrupção passiva para ato ilícito (1)
Abuso de poder (1)
Branqueamento de capitais (1)
Fraude fiscal (6)

  • Luís Vaz Neves – ex-presidente do Tribunal da Relação de Lisboa
    Acusado de 14 crimes:

Corrupção passiva para ato ilícito (1)
Abuso de poder (2)

  • Fernando Paganim Tavares – Vice-presidente do Benfica
    Acusado de um crime:

Recebimento indevido de vantagem

  • Jorge Rodrigues Barroso – Advogado e ex-assessor de Luís Filipe Vieira
    Acusado de um crime:

Recebimento indevido de vantagem

  • José Veiga – ex-empresário de futebol e ex-dirigente do Benfica
    Acusado de um crime:

Corrupção ativa

  • Ruy Carrera – Cidadão espanhol
    Acusada de um crime:

Corrupção ativa

  • Octávio Correia – Funcionário judicial do Tribunal da Relação de Lisboa
    Acusado de 3 crimes:

Corrupção passiva (1)
Abuso de poder (1)
Fraude fiscal (1)

  • José Santos Martins – Advogado e alegado testa de ferro de Rangel
    Acusado de 14 crimes:

Corrupção (2)
Branqueamento de capitais (1)
Fraude fiscal (6)
Abuso de poder (1)
Falsificação de documentos (4)

  • Bernardo Martins – Filho de José Bernardo Martins
    Acusado de 7 crimes:

Branqueamento de capitais (1)
Fraude fiscal (6)

  • Rita Filipe – Ex-companheira de Rui Rangel
    Acusado de 6 crimes:

Fraude fiscal (6)

  • Bruna Garcia Amaral – Ex-namorada de Rui Rangel
    Acusado de 1 crime:

Abuso de poder (1)

  • Nuno Ferreira – Familiar de Rita Filipe
    Acusada de 2 crimes:

Fraude fiscal (2)

  • Albertino Figueira – Advogado
    Acusado de 6 crimes:

Fraude fiscal (6)

  • Elsa Marília Correia – Técnica de comércio
    Acusada de 1 crime:

Fraude fiscal (6)

  • Oscar Juan Hernandez Lopez – Advogado
    Acusado de 3 crimes:

Falsificação de documento (3)

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