Professores voltam a marcar falta ao Governo três anos depois

A educação tem marcado a agenda este ano, mas esta não é a primeira vez que o tema abala o Governo. Em 2019, Costa admitiu demitir-se caso a contagem integral dos professores fosse aprovada.

Este sábado, Lisboa assistiu a uma das maiores manifestações de professores de que há memória. A “marcha pela escola pública” reuniu dezenas de milhares de profissionais do setor (incluindo pessoal docente e não docente) entre as ruas da Praça do Marquês de Pombal até “desaguar” na Praça do Comércio.

No final do ano passado, Ministério da Educação e sindicatos deram início às negociações, tendo em vista a implementação de um novo modelo de colocação e contratação de professores. Contudo, a “onda de protestos” arrancou depois de, a meio do processo negocial, se ter gerado a dúvida se o novo modelo implicava deixar a contratação a cargo das autarquias.

Apesar de o ministro da Educação ter garantido no início do mês que “o Governo nunca propôs qualquer processo de municipalização do recrutamento de professores, rejeitando-o sempre”, os docentes deram início a uma série de greves que se vão prolongar até fevereiro. E se o mote inicial foi a municipalização do recrutamento dos professores, rapidamente se começaram a discutir outros temas “quentes” que estavam “adormecidos”, nomeadamente a valorização salarial e a contagem do tempo de serviço.

Para já, o Governo convocou uma nova ronda negocial para os próximos dias 18 e 20 de janeiro e admite vincular os professores até três contratos, como avançou a RTP. Serão ainda debatidos outros temas, como a abertura de lugares de quadros de escola (para fixar professores em escolas concretas) e uma proposta de reconfiguração dos quadros de zona pedagógica (para que as áreas de deslocação sejam reduzidas).

Mas esta não é a primeira vez que os protestos do setor da Educação abalam o Executivo de António Costa. Em 2019 – ano que marcou o fim da “geringonça” –, PSD, CDS-PP, Bloco de Esquerda e PCP aprovaram, a 2 de maio, na especialidade várias alterações ao decreto-lei do Governo, para a recuperação de todo o tempo de serviço dos professores que esteve congelado – os nove anos, quatro meses e dois dias que os sindicatos exigiam.

No entanto, isso não se traduzia numa progressão imediata, porque o calendário seria definido pelo Governo. Além disso, também ficou definido que um terço seria pago ainda em 2019 se houvesse verbas ou a partir de 1 de janeiro de 2020 com retroativos.

Esta “coligação negativa” caiu que nem uma bomba e na altura o Ministério das Finanças, liderado por Mário Centeno, alegava que contar o tempo de serviço congelado nas carreiras especiais custaria aos cofres do Estado 800 milhões de euros, anualmente, dos quais 635 milhões seriam apenas para responder às exigências dos professores. Isto porque o que ficaria decidido pelos professores teria de ser aplicado também às restantes carreiras especiais, onde se incluem magistrados e militares.

Por outro lado, a Unidade Técnica de Apoio Orçamental defendia que os custos baixavam para 567 milhões de euros, dado que uma parte do dinheiro seria devolvido ao Estado em contribuições para a Segurança Social e IRS a mais, decorrente do aumento dos salários. Recorde-se que em 2019, o Orçamento de Estado (OE) para a Educação era de 6.443,9 milhões de euros, segundo a nota explicativa que acompanhou a proposta do OE2023.

Face a esta aprovação, António Costa reuniu com o núcleo duro e com o Presidente da República e numa declaração ao país garantiu que se a proposta fosse aprovada em votação final global iria apresentar a demissão, justificando que os custos associados ao diploma eram incomportáveis e que nenhum partido tinha incluído esta proposta no seu programa eleitoral.

Perante esta ameaça, Bloco de Esquerda e PCP garantiram que não iriam mudar o sentido de voto. Mas a direita, que começou por aprovar uma posição conjunta com o BE e o PCP, recuou e passou a fazer depender a aprovação final do diploma de salvaguardas financeiras: respeito pelo Programa de Estabilidade e Crescimento, atenção à situação económica do país, controlo da dívida pública e sustentabilidade futura do sistema de educação.

O CDS-PP na altura liderado por Assunção Cristas tomou a dianteira na modelação da medida, que acabou por esvaziar a demissão de António Costa. Os centristas de manhã (a 5 de maio) anunciavam que queriam uma nova votação das salvaguardas financeiras, e sem essas mudariam o sentido de voto e chumbariam a proposta. E à noite Rui Rio seguiu o mote numa conferência sem direito a perguntas. António Costa já em campanha para as europeias desafiava a direita “a emendar o erro” cometido ao aprovar na Comissão da Educação a contagem integral do tempo de serviço dos professores.

Num verdadeiro jogo parlamentar, determinado pela ordem de votação das diferentes propostas, PSD e CDS foram forçados a mudar o sentido e juntar-se ao PS para chumbar a contagem integral do tempo de serviço dos professores, porque não conseguiram aprovar as cláusulas de salvaguarda que limitavam o impacto financeiro desta proposta. Perante este chumbo, os professores recuperaram dois anos, nove meses e 18 dias, tal como constava no decreto-lei do Governo e, uma semana depois da ameaça de demissão do primeiro-ministro, a crise política terminou.

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