Doze questões a que a CEO da TAP tem de responder no Parlamento

Christine Ourimières-Widener será confrontada no Parlamento, pela primeira vez, com a indemnização de 500 mil euros paga a Alexandra Reis. Terá também de responder a outras polémicas.

A presidente executiva da TAP fala hoje pela primeira vez sobre a saída de Alexandra Reis da administração da companhia aérea, com uma indemnização de 500 mil euros. Christine Ourimières-Widener será ouvida pelos deputados da Comissão de Economia, Obras Públicas, Planeamento e Habitação, na sequência de um requerimento potestativo apresentado pelo Chega.

Além do caso que levou à saída do ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, a CEO da companhia aérea será confrontada com outras polémicas que têm marcado os últimos meses, como a compensação de 450 euros paga aos diretores que não tiveram direito a carro ou a instabilidade social na empresa. Os partidos também quiseram ouvir Alexandra Reis, mas a audição foi chumbada pelo PS.

1. Porque quis a CEO que Alexandra Reis saísse da administração executiva da TAP?

O Ministério das Infraestruturas resumiu o motivo da saída de Alexandra Reis da companhia aérea com a existência de “uma manifesta incompatibilização, irreconciliável, entre a CEO e a vogal do conselho de administração”. Por esclarecer ficaram as razões dessa incompatibilização. Segundo foi noticiado no final de dezembro pelo Jornal Económico, as principais discordâncias tiveram a ver com a mudança de sede e contratações. Na comissão, Christine Ourmières-Widener será chamada a esclarecer, de viva voz, os motivos que levaram ao afastamento de Alexandra Reis em fevereiro de 2022, cerca de oito meses depois de ser reconduzida na administração.

“O que levou à saída de Alexandra Reis? Foi incompetência, foi falta de confiança ao ponto de ser paga uma indemnização para sair”, questiona Carlos Guimarães Pinto, deputado da Iniciativa Liberal, antecipando ao ECO uma das questões que pretende colocar. “Para se incorrer num custo tão substancial tem de haver uma razão muito forte. Qual foi?”

“As senhoras incompatibilizam-se e os portugueses pagam meio milhão. Isto tem de ser muito bem explicado”, diz também Paulo Rios de Oliveira, do PSD, em declarações à rádio Observador sobre a audição.

2. Quem no Governo aprovou e foi informado sobre a indemnização de 500 mil euros?

No comunicado do ministério, em que anuncia a sua demissão, Pedro Nuno Santos afirma que só depois dos esclarecimentos solicitados na sequência da notícia do Correio da Manhã a dar conta da indemnização de 500 mil euros teve conhecimento da mesma. Nas Infraestruturas, só o secretário de Estado, Hugo Mendes, foi informado pela companhia aérea. E este, “dentro da respetiva delegação de competências, não viu incompatibilidades entre o mandato inicial dado ao conselho de administração da TAP e a solução encontrada”, afirmou.

A CEO da transportadora aérea será questionada se no Governo apenas Hugo Mendes foi informado pela administração da TAP sobre o processo de rescisão e o valor da indemnização.

3. Porque não foi informado o ministério das Finanças?

O ministro das Finanças garantiu no Parlamento, durante uma audição potestativa pedida pelo PSD, que só teve conhecimento da indemnização paga à sua ex-secretária de Estado do Tesouro pela manchete de 24 de dezembro do Correio da Manhã. João Leão e Miguel Cruz, respetivamente ministro das Finanças e secretário de Estado do Tesouro à altura da saída de Alexandra Reis, também negaram ter recebido qualquer informação.

Antes ainda de estar concluída a auditoria pedida à Inspeção-Geral de Finanças, Fernando Medina já veio dizer que “a informação ao Ministério das Finanças devia ter sido cumprida com as regras que existem”. Os deputados vão certamente questionar Christine Ourmières-Widener se a TAP informou ou não o ministério e, se não o fez, porque não o fez? Na sua audição, o ministro frisou a este respeito a responsabilidade do administrador financeiro, Gonçalo Pires, que foi nomeado pelas Finanças.

4. Porque mentiu a TAP no comunicado enviado ao mercado?

A TAP informou o mercado a 4 de fevereiro que Alexandra Reis, então administradora executiva, tinha apresentado a “renúncia ao cargo, decidindo encerrar este capítulo da sua vida profissional e abraçando agora novos desafios”. Depois de receber do Governo os esclarecimentos prestados pela TAP, a CMVM obrigou a companhia aérea a corrigir o comunicado para dizer que a saída “ocorreu na sequência de um processo negocial de iniciativa da TAP, no sentido de ser consensualizada por acordo a cessação de todos os vínculos contratuais existentes entre Alexandra Reis e a TAP”. A companhia aérea enfrenta agora consequências legais, nomeadamente a abertura de um processo de contraordenação pelo supervisor, de que pode resultar uma coima entre 25 mil e 5 milhões de euros.

5. Como foi definido o montante da indemnização?

Alexandra Reis começou por pedir uma indemnização de 1.479.250 euros para sair da TAP. A antiga administradora executiva acabou por chegar a acordo para receber 500 mil. Este bolo inclui 107,5 mil euros, que se referem a remunerações vencidas reclamadas, “correspondentes a férias não gozadas”. A maior fatia, 336 mil euros, refere-se a remunerações vincendas, “correspondentes a cerca de um ano de retribuição base, considerando a retribuição ilíquida sem reduções decorrentes dos acordos de emergência ou outras deduções”. Os deputados deverão questionar a CEO sobre como foi definido o valor atribuído e as várias parcelas que o compõem, bem como porque não foram aplicadas as regras do Estatuto do Gestor Público (EGP) relativas à cessação de funções.

A presidente da Comissão Executiva da TAP, Christine Ourmières-Widener. ANTÓNIO COTRIM/LUSAANTÓNIO COTRIM/LUSA

6. Foi pedida a devolução de parte da indemnização?

A saída de Alexandra Reis da TAP foi comunicada a 6 de fevereiro de 2022 e a 24 de junho foi nomeada pelo ministério das Infraestruturas para a presidência da NAV Portugal. O EGP estipula que caso o gestor aceite no período de 12 meses um cargo no âmbito do setor público administrativo ou empresarial, a indemnização é reduzida ao montante “da diferença entre o vencimento como gestor e o vencimento do lugar de origem à data da cessação de funções de gestor, ou o novo vencimento, devendo ser devolvida a parte da indemnização que eventualmente haja sido paga”.

O primeiro-ministro foi taxativo no Parlamento: “Não tenho dúvidas de que há pelo menos uma parte em que houve uma violação do estatuto do gestor público – que foi quando a senhora engenheira foi nomeada para a NAV [Navegação Aérea de Portugal] e não procedeu à reposição de parte da indemnização que tinha recebido, admitindo que a indemnização a recebeu legalmente”, disse António Costa. A CEO deverá ser questionada sobre se tinha alguma informação de que Alexandra Reis iria para a NAV e se já fez diligências para a devolução de parte da indemnização.

7. Porque contratou uma amiga para diretora?

Os últimos meses foram marcados por várias polémicas a envolver a administração da TAP. Uma delas foi a contratação de Isabel Nicolau, amiga pessoal de Christine Ourmières-Widener e companheira do personal trainer do marido, para diretora do departamento de Melhoria Contínua, Sustentabilidade e Real Estate. Segundo foi noticiado em outubro do ano passado, Isabel Nicolau foi contratada com um salário mensal de 15 mil euros. A TAP negou o envolvimento da CEO na escolha da amiga. Os deputados vão, ainda assim, questionar a presidente executiva sobre a contratação.

8. Porque é paga uma compensação de 450 euros aos diretores sem carro?

Uma das primeiras decisões da nova administração a suscitar polémica foi a intenção de renovar a frota de carros da administração e diretores com viaturas BMW. A notícia dessa intenção acabaria por levar à suspensão do plano, apesar da gestão garantir que seria uma solução mais barata. Já este mês, o Correio da Manhã noticiou que os diretores que não tiveram direito a carro recebem um plafond de 450 euros por mês para usar na Uber. É um dos vários exemplos de despesismo apontados por Filipe Melo, deputado do Chega, também em declarações à rádio Observador, que contrastam com o elevado número de despedimentos e o corte de salários dos trabalhadores.

O ECO questionou também o PS, o PCP e o Bloco de Esquerda sobre os temas que iriam abordar na audição, mas nenhum deles quis adiantar as questões que irá fazer.

9. O que está a administração a fazer para evitar novas greves? Já não vai mudar de sede?

Outro tema a que a CEO terá de responder é a contestação social de que a administração está a ser alvo. A gestão da companhia é acusada de não respeitar o Acordo Temporário de Emergência, assinado em 2021 com os vários sindicatos que representam os colaboradores da companhia. Além disso, avançou com a denúncia dos Acordos de Empresa, propondo novos com condições que estão muito distantes das pretensões dos trabalhadores. A tensão começou com os pilotos, passando depois para os tripulantes de cabine, que a 8 e 9 de dezembro foram para a greve, o que não acontecia há 8 anos. Entregaram, entretanto, um novo pré-aviso de sete dias para 25 a 31 de janeiro.

A administração já aceitou reduzir os cortes salariais de 25% para 20% e subir para 1.520 euros o salário isento de cortes, conforme noticiou o ECO. Numa mensagem enviada ontem aos trabalhadores, a presidente da TAP diz que “está a trabalhar em soluções que permitam recompensar os trabalhadores”. A gestão terá também entretanto desistido de mudar a sede da companhia para o Parque das Nações, algo que era muito contestado pelos trabalhadores. Resta saber se será suficiente para trazer a paz social à empresa que na sexta-feira foi palco de um protesto silencioso para exigir a demissão da administração.

10. Considera que tem condições para se manter em funções?

André Ventura, líder do Chega, já defendeu no Parlamento a demissão da administração da TAP, mas o Governo tem segurado a equipa liderada por Christine Ourmière-Widener. “A grande prioridade que temos é que seja mantida a estabilidade necessária para que seja alienada a participação do Estado na empresa”, disse o primeiro-ministro na semana passada no Parlamento. Ainda assim, face aos vários casos e à contestação dos trabalhadores, é muito provável que os deputados questionem a CEO sobre se tem condições para continuar.

À rádio Observador, Paulo Rios de Oliveira foi também muito crítico. “A administração da TAP tem revelado uma enorme falta de bom senso e, junto com essa falta de bom senso, um conjunto de atitudes que lhe retira autoridade moral para impor cortes aos que comanda”, afirmou Paulo Rios de Oliveira, do PSD, à rádio Observador. “Quando vemos que a maioria dos pequenos e grandes escândalos da TAP se passa ao nível da administração com que autoridade, com que capacidade, com que vontade as pessoas vão seguir uma liderança?”, acrescentou.

O presidente do conselho de administração também é visado. “Não aceitamos que o representante do Estado na TAP, o Doutor Manuel Beja, passado um ano de escândalos não tenha vindo uma única vez a público dar uma satisfação. Só podemos concluir que é conivente com a gestão que está ali a ser feita. Com que objetivo é o que vamos apurar”, disse Filipe Melo.

Na missiva enviada ontem aos trabalhadores, a presidente da TAP não dá sinais de querer sair, bem pelo contrário.Há um plano a cumprir, uma missão a concretizar, mais resultados positivos a construir, há trabalho a ser feito todos os dias e estamos certos de que há uma firme ambição de corrigir e melhorar constantemente e de fazer o tanto que ainda faz falta para termos uma TAP mais sustentável e lucrativa”, escreve a CEO.

11. O que leva a que os resultados da TAP estejam muito acima do previsto no plano de reestruturação?

A melhoria das contas é o melhor argumento de Christine Ourmière-Widener. Na mensagem referida acima, salienta que “a TAP teve no ano passado uma das maiores receitas da sua história, depois de, no terceiro trimestre do ano, já ter registado o seu melhor resultado trimestral de sempre”. A companhia terminou os primeiros nove meses de 2022 com um prejuízo de 91 milhões, mas conseguiu um lucro de 111 milhões entre julho e setembro. As receitas somaram 2,44 mil milhões até setembro. A transportadora pode mesmo fechar o exercício com lucros, o que não acontece desde 2017.

Ainda assim, Paulo Rios de Oliveira desvaloriza: “Consigo operar milagres numa empresa se despedir dois mil funcionários e cortar os salários violentamente. Isso é feito com um corte de custos brutal. É muito circunstancial. Oxalá fosse estrutural, mas não é. Não merece especial apreço”.

12. Em que ponto está a privatização da companhia aérea?

O processo de reprivatização está a avançar, depois de no final de 2021 o Estado ter passado a controlar 100% do capital. O primeiro-ministro afirmou a semana passada, no Parlamento, que foi já contratada pela TAP uma consultora (a norte-americana Evercore) para ouvir potenciais interessados, admitindo vender a totalidade da participação do Estado. Os deputados deverão aproveitar a presença da CEO para a questionar sobre a oportunidade da operação, sabendo-se que os partidos mais à esquerda e o Chega estão contra uma venda.

Depois da “prova” desta quarta-feira, a CEO da TAP deverá voltar em breve ao Parlamento. O PS já anunciou que vai viabilizar a comissão parlamentar de inquérito proposta pelo Bloco de Esquerda.

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