Exclusivo Ex-presidente do Banif diz que carta de Costa prejudicou banco

Jorge Tomé questiona se a resolução do Banif, anunciada no dia 20 de dezembro de 2015, teve como contrapartida aprovação do plano de reestruturação do Novobanco, um dia depois. "Coincidência ou não?"

Jorge Tomé, gestor que liderava o Banif quando o banco foi resolvido em dezembro de 2015, afirmou ao ECO que a carta que o primeiro-ministro enviou ao Banco Central Europeu (BCE) e à Comissão Europeia “teve um efeito muito negativo e de desconfiança” junto das autoridades europeias em relação à instituição que acabaria por vendida ao Santander Totta dias depois.

“Não se encontra racional económico ou financeiro” para “a existência dessa carta, na data que foi enviada”, aponta o antigo gestor bancário, que questiona ainda se a resolução do Banif – anunciada a 20 de dezembro – teve como contrapartida a aprovação do plano de reestruturação do Novobanco no dia seguinte. “Coincidência ou é algo mais? (…) Algum racional deve ter havido, para além da luta político-partidária”.

“Respondendo à questão do impacto da carta de 14 de dezembro de 2015 do primeiro-ministro: é fácil concluir que uma carta com aquele teor teve junto do BCE e da DGComp [Autoridade da Concorrência europeia] um efeito muito negativo e de desconfiança”, considera o ex-CEO do Banif em declarações por escrito enviadas ao ECO.

Foi há mais de sete anos que banco fundado por Horácio Roque, que atravessava problemas e estava a executar um plano de reestruturação após as ajudas públicas recebidas em 2012, foi resolvido pelo Banco de Portugal, numa medida que incluiu a venda de grande parte da atividade do banco ao Santander Totta, por apenas 150 milhões de euros.

Jorge Tomé é ouvido perante II COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO À RECAPITALIZAÇÃO DA CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS E À GESTÃO DO BANCO - 07JUN19

Jorge Tomé diz que não consegue encontrar “qualquer racional económico e financeiro e mesmo razões no quadro do equilíbrio do sistema financeiro português para a existência dessa carta, na data em que foi enviada”. Aliás, é “a questão central” a que António Costa não deu resposta ao conjunto de questões do PSD sobre as interferências políticas na banca, prossegue o antigo líder do banco, agora a trabalhar na sociedade de assessoria financeira Optimal Investments.

“Infelizmente o primeiro-ministro não respondeu à questão central que é justificar por que é que escreveu aquela carta ao presidente da Comissão Europeia e ao presidente do BCE, com aquele teor, no dia 14 de dezembro de 2015, data da carta, quando decorria um processo de venda competitivo do Banif e em que as binding offers [ofertas vinculativas] seriam entregues pelos investidores que estavam no concurso de venda no dia 18 de dezembro”, conta.

A carta, dirigida a Jean-Claude Juncker e a Mario Draghi, foi conhecida na comissão parlamentar de inquérito ao Banif que teve lugar em 2016. Embora tenha a data de 14 de dezembro, a carta saiu do gabinete do primeiro-ministro a 15 rumo ao Ministério dos Negócios Estrangeiros para ser “expedida” por mala diplomática.

Na resposta que enviou esta semana ao conjunto de perguntas do PSD sobre alegadas interferências políticas no setor bancário, António Costa explicou que “a carta visava assegurar às instâncias europeias a determinação do Governo português em promover a estabilidade do sistema financeiro, lidando com todas as situações já referidas na Introdução e não persistindo em comportamentos de adiamento ou negação face à necessidade de ação, de que o Banif foi o mais lamentável exemplo”.

Nela, o primeiro-ministro expressa as suas “preocupações em relação ao sistema financeiro português”, referindo que o seu Governo, que havia tomado posse duas semanas antes, estava a enfrentar pressões em particular de duas instituições: o Novobanco e o Banif, “que são os terceiro e oitavo maiores bancos”. Em relação ao Banif, acrescenta que, “infelizmente”, uma vez que o banco entrou “num processo de pré-resolução, o Fundo de Resolução português poderá precisar de fundos adicionais que não possui”, segundo se lê na carta escrita em inglês.

"Respondendo à questão do impacto da carta de 14 de dezembro de 2015 do primeiro-ministro: é fácil concluir que uma carta com aquele teor teve junto do BCE e da DGComp [Autoridade da Concorrência europeia] um efeito muito negativo e de desconfiança.”

Jorge Tomé

Ex-presidente do Banif

António Costa termina a missiva solicitando uma “reunião tão rápida quanto possível, para definir uma estratégia global de intervenção no sistema financeiro, os calendários de capitalização e os processos de venda do Novobanco e Banif e a situação financeira do Fundo de Resolução”.

O ex-CEO do Banif questiona o conceito de “pré-resolução” do primeiro-ministro: “Se quisermos ser pouco rigorosos nos conceitos, podemos dizer que qualquer banco que tenha ajuda financeira do Estado e que não tenha o plano de reestruturação aprovado, está sempre em pré-resolução. Assim sendo, o Banif estava em pré-resolução desde 2012, ano em que tinha, de facto, fortes desequilíbrios de capital, de exploração e de liquidez. Ou seja, o Banif não estaria em pré-resolução somente a partir novembro ou dezembro de 2015, para mais tinha implementado mais de 75% do plano de reestruturação/Commitment Catalogue fechado com a DG-Comp em julho de 2013″.

Novobanco e Banif: “Coincidência ou algo mais?”

Jorge Tomé lembra ainda as datas em que os processos em relação ao Banif e ao Novobanco tiveram lugar. Foi um dia a seguir ao outro. A medida de resolução do Banif e venda ao Santander Totta foram anunciadas pelo Banco de Portugal no dia 20. No dia seguinte, a Comissão Europeia aprovou o prolongamento das medidas de liquidez para o Novobanco para “facilitar o processo de venda”. “Será que a resolução do Banif, tal como aconteceu, teve contrapartidas, designadamente na aprovação do plano de reestruturação do Novobanco? Não sei, não consigo encontrar racional”, afirma, questionando de seguida: “É só uma coincidência [de datas] ou é algo mais?”.

“É verdade que agora estou no campo da mera especulação. Francamente não sei. Algum racional deve ter havido, para além da luta político-partidária”, rematou.

Já após a resolução e venda do Banif, o Banco de Portugal fez um esclarecimento a 12 de janeiro de 2016 onde expôs a cronologia dos acontecimentos ocorridos no mês anterior.

A 16 de dezembro, o supervisor – então liderado por Carlos Costa – recebeu uma comunicação do Ministério das Finanças a dar conta de que não havia alternativa que não passasse pela resolução do Banif, depois de não se ter conseguido apresentar um cenário de viabilidade de médio prazo para o banco que fosse aprovado pela Comissão Europeia. Três dias depois, a 19, o Ministério das Finanças informou o Banco de Portugal que não tinha sido possível concretizar a venda no âmbito do processo de alienação, pois todas as propostas implicavam um auxílio de Estado adicional. Nesse mesmo dia, o Banco de Portugal declarou então que o Banif se encontrava “em risco ou em situação de insolvência” e decidiu desencadear o processo de resolução urgente na modalidade de alienação parcial ou total da sua atividade.

"Será que a resolução do Banif, tal como aconteceu, teve contrapartidas, designadamente na aprovação do plano de reestruturação do Novobanco? Não sei, não consigo encontrar racional.”

Jorge Tomé

Ex-presidente do Banif

Apenas as propostas do Banco Popular Español e do Santander Totta cumpriam os requisitos acordados com a Comissão Europeia, segundo o Banco de Portugal. E “nas primeiras horas do dia 20 de dezembro” só o Santander Totta apresentou uma proposta vinculativa, tendo-se chegado a um acordo para concluir a medida de resolução com a alienação do Banif. Outra parte da atividade do Banif foi transferida para o veículo Oitante, do Fundo de Resolução.

A liquidação do Banif “mau” ainda está em curso. No início deste ano, a comissão liquidatária apresentou no tribunal a lista de credores reconhecidos: são 3.510 credores com reclamações de crédito de cerca de 950 milhões, incluindo o Fundo de Resolução, que tenta recuperar o empréstimo de 490 milhões que ajudou a suportar a resolução do Banif.

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