Ordens Profissionais. Estágios pagos e multidisciplinares fora dos pedidos de Marcelo ao Tribunal Constitucional

Marcelo enviou para o Constitucional para fiscalização preventiva o decreto que altera o regime das associações profissionais. Mas deixou de fora as sociedades multidisciplinares e os estágios pagos.

Marcelo Rebelo de Sousa não levou ao Tribunal Constitucional a questão das sociedades multidisciplinares e dos estágios pagos obrigatórios, constantes na Lei das Associações Públicas (LAP), no pedido de fiscalização preventiva.

Uma provável violação dos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da autorregulação e da democraticidade das associações profissionais – todos previstos na Constituição da República Portuguesa (CRP) – foram os argumentos dados por Marcelo Rebelo de Sousa para justificar o pedido de fiscalização, enviado a 1 de fevereiro relativamente às novas regras das Ordens Profissionais.

Esta terça-feira, Marcelo reúne-se com as Ordens Profissionais, precisamente com este tema na agenda.

O projeto de lei relativo às ordens profissionais altera questões como as condições de acesso a algumas profissões (advogado, contabilista ou médico), introduz estágios profissionais remunerados, cria uma entidade externa para fiscalizar os profissionais ou cria a possibilidade de existirem sociedades multidisciplinares. Que, na prática, significa que, por exemplo, advogados e outros profissionais, caso de consultoras, vão poder colaborar. Esta é uma prática que já se encontra regulada em vários países da Europa ocidental.

Segundo dados do Conselho Nacional das Ordens Profissionais (CNOP), existem atualmente em Portugal 20 ordens profissionais. Estas ordens regulam a atividade de mais de 430 mil profissionais. Este decreto foi aprovado em votação final global com votos favoráveis de PS, Iniciativa Liberal e PAN e votos contra de PSD, Chega e PCP e abstenções de BE e Livre.

Mas de fora desta apreciação constitucional ficaram as duas questões referidas, igualmente criticadas pelas Ordens Profissionais. “São duas questões que ainda necessitam de serem reguladas para cada uma das Ordens, o que implicará revisão dos respetivos estatutos. Na verdade, o decreto da AR que aprovou alterações à Lei das Associações Publicas Profissionais deixou ainda em aberto essas duas matérias, podendo ser adaptadas a cada uma das Ordens”, explica José Luís Moreira da Silva, advogado e sócio da SRS Legal.

No caso da aprovação das sociedades multidisciplinares, esta exige ainda que para cada Ordem profissional se legisle no sentido de fixar o âmbito das sociedades de profissionais que se podem juntar, podendo ser fixadas condições/limites para essa junção, tendo em conta as regras relativas à deontologia, conflitos de interesse e incompatibilidades, independência e imparcialidade. Apenas se aprovou a autorização da existência de sociedades multidisciplinares em geral, cabendo agora a sua concretização e a fixação dos seus limites, que podem variar para cada Ordem.

O mesmo se passa em relação aos estágios: foi apenas fixada a regra geral dos 12 meses e dos estágios remunerados. “Mas deixou-se a cada Ordem justificar exceções. Tem de se seguir um processo legislativo de revisão de cada um dos Estatutos das Ordens a prever em concreto o regime. Ou seja, falta ainda regulamentar os dois regimes para cada Ordem. O que significa que os dois assuntos estão longe de estar fechados”, explica o advogado.

A bastonária da Ordem dos Advogados, Fernanda de Almeida Pinheiro, em comunicado do Conselho Geral defende que “nos termos da individualidade de cada Ordem, existem questões que se colocam de forma mais incisiva a umas que a outras, já que se prendem com a identidade do exercício da própria profissão, como é o caso da multidisciplinaridade e da incumbência da remuneração dos candidatos ao exercício da profissão, nos termos exatos que já tinham sido referidos no documento que foi entregue oportunamente pela CNOP ao Senhor Presidente da República, à Senhora Provedora de Justiça e aos Grupos Parlamentares da Assembleia da República, já que é algo que nos continua a causar muita preocupação”. O mesmo comunicado refere ainda que “a inconstitucionalidade do diploma, no nosso entendimento, é vasta, cabendo, por isso, à Ordem dos Advogados, nos termos das suas atribuições estatutárias, executar todas as diligências para que esta lei se coadune com os interesses dos cidadãos e cidadãs portugueses e para garantir que em momento algum possam existir ingerências nas Ordens Profissionais que, pese embora sejam públicas, devem manter-se totalmente independentes do poder politico, sob pena de se colocar em crise o próprio Estado de Direito democrático”.

O Chefe de Estado enviou o diploma cinco dias depois de o ter recebido do Parlamento. O prazo de pedido de fiscalização preventiva de uma lei é de oito dias corridos. Agora, o TC tem até 27 de fevereiro para se pronunciar sobre este pedido que tem de ser sempre feito antes mesmo de os diplomas serem publicados e entrarem em vigor.

“Apesar de se antever que as matérias das sociedades multidisciplinares e estágios pagos serão sancionadas, não podemos dizer que é um caminho sem retorno e que estes pontos irão mesmo para a frente”, explica Jane Kirkby, sócia da Antas da Cunha ECIJA, ao ECO/Advocatus. “Já que, por um lado: o TC, ao invés do que tem sido o seu comportamento, pode sempre apreciar outras normas do decreto para além das indicadas pelo Presidente da República; se o TC se pronunciar pela inconstitucionalidade, nessa sequência, o diploma vier a ser reformulado pela Assembleia da República, poderá o Presidente da República requerer novamente a apreciação preventiva da constitucionalidade de qualquer das suas normas, incluindo de normas que não estavam identificadas no primeiro requerimento”.

Mas a que pontos da nova lei, em concreto, é que Marcelo aponta as suas dúvidas?

  • Avaliação final do estágio profissional feita por um júri independente, de “reconhecido mérito”, com elementos externos à atividade profissional em causa;
  • Um órgão disciplinar com elementos externos à profissão em causa, que não sejam membros da associação pública profissional. Este foi um dos pontos mais criticados pelas Ordens profissionais;
  • A criação de um órgão de supervisão que exerce funções de controle dos profissionais da classe em questão;
  • O exercício de uma função na Ordem profissional em causa ser incompatível com o exercício de funções dirigentes em qualquer cargo da função pública;
  • A criação da figura do provedor em cada associação pública que seja externo à profissão em causa e que defenda os destinatários dos serviços da profissão em causa e que seria designado pelo bastonário, sob proposta do órgão de supervisão e que não poderá ser destituído a não ser por “faltas graves” no exercício da função.

E que argumentos constitucionais foram apontados por Marcelo?

Segundo o requerimento enviado ao TC, consultado pelo ECO, Marcelo Rebelo de Sousa relembra os juízes do Palácio Ratton que o regime constitucional definido para as associações públicas profissionais é “muito próprio”, sublinhando a existência do princípio da autorregulação das associações profissionais que devem reger-se por “princípios democráticos internos, dotados de órgãos próprios e eleitos pelos seus associados”.

Relembra ainda o artigo 267º da CRP que define que “as associações públicas só podem ser constituídas para satisfação de necessidades específicas e que não podem ser constituídas como sindicatos” e ainda o artigo 165º, 1, alínea s) — que não é de todo uma questão menor — e que estipula a reserva relativa que a Assembleia da República tem em matérias de associações públicas.

E invoca ainda o artigo 47º que estipula a liberdade de todos no acesso à profissão. Por isso, e mantendo a tónica sempre no princípio da autorregulação, a criação de um órgão de supervisão, de um provedor, de um órgão disciplinar e de um júri para avaliação no estágio, todos eles com entidades externas à profissão, “violam esse mesmo princípio”.

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