Juízes alertam para “riscos sérios” da inteligência artificial nos tribunais

  • Lusa
  • 17 Março 2023

Manuel Soares, presidente da ASJP, alertou que a inteligência artificial nos tribunais traz "riscos sérios de descaracterização e desumanização da justiça".

O presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP), Manuel Soares, alertou na quinta-feira que a inteligência artificial nos tribunais traz “riscos sérios de descaracterização e desumanização da justiça” e apontou problemas de hierarquia e delimitação de competências dentro dos tribunais.

No discurso de abertura do XII Congresso dos Juízes Portugueses, Manuel Soares referiu-se ao contexto de “rápida e profunda evolução” e aos “perigos enormes” que acrescentam dificuldades ao trabalho dos magistrados, que, sujeitos “à pressão dos números, da rapidez de resposta e da produtividade estatística”, têm o exercício do poder judicial “cada vez mais funcionalizado”.

“O afastamento físico do juiz no tribunal, permitido pelo acesso eletrónico ao processo e incentivado pelas vantagens da eficiência, se não for rapidamente contido em limites razoáveis, vai aniquilar a função simbólica clássica da justiça, desumanizar o processo de análise e decisão, aumentar a probabilidade do erro, prejudicar a partilha de informação, vital para uniformidade dos procedimentos e previsibilidade da jurisprudência, e deslaçar de vez as já frágeis relações interpessoais, que são essenciais para a formação e transmissão de valores, cultura e identidade“, defendeu.

Manuel Soares apontou que os atos processuais são cada vez mais “padronizados e automáticos”, descaracterizando o trabalho do juiz, adaptado “à formatação de uma aplicação informática concebida e gerida pelo governo” e feito fora dos tribunais, com recurso a videoconferência e trabalho remoto.

Elencou ainda problemas de hierarquia e de definição de fronteiras de competências nos tribunais: os conselhos superiores ganharam poderes e competências capazes de “conformar os métodos de trabalho dos juízes e, assim, capacidade de influenciar o seu resultado”, os administradores judiciais, “dependentes do Governo, têm poderes que em muitas situações interferem diretamente com o trabalho judicial”.

“Competências essas que exercem muitas vezes com insuficiente controlo, de presidentes que podem, mas não se querem impor e de juízes que querem, mas não se podem impor”, disse.

Há, também, problemas de liderança dentro do funcionamento do tribunal, disse Manuel Soares, referindo que “o juiz manda fazer uma coisa e o funcionário faz outra, porque a sua fonte de autoridade estabelece-se com quem exerce um poder hierárquico efetivo, capaz de condicionar a carreira, e não com quem tem apenas um poder de superior orientação, abstrato e inconsequente”.

Apareceram de rompante problemas novos. Na gestão dos processos, dos métodos e tempos de trabalho, das agendas e prioridades e da relação funcional com as unidades de apoio, deixou de ser claro onde acabam os poderes jurisdicionais do juiz e começam os poderes administrativos dos conselhos, dos presidentes dos tribunais e dos administradores judiciais”, sintetizou.

Manuel Soares mencionou ainda a justiça administrativa e os processos complexos de criminalidade económico-financeira como áreas de “grave ineficiência” que fragilizam a justiça e a tornam vulnerável a “tentações de estabelecimento de formas impróprias de controlo” da sua administração, e os casos de magistrados em investigação ou julgamento, que comprometem a confiança no setor.

O XII Congresso dos Juízes Portugueses decorre desde quinta-feira até sábado no Funchal, Madeira, subordinado ao tema “Democracia, Direitos, Desenvolvimento”, reunindo cerca de 600 magistrados que durante três dias vão debater direitos humanos e a ameaças ao Estado de Direito e uma agenda de reforma da Justiça.

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