Exclusivo Produtores agrícolas dispensam entidade reguladora para o setor alimentar

Confederações agrícolas duvidam da necessidade e eficácia de um regulador para o setor agroalimentar. Indústria também recusa “esse tipo de normalização” e prefere “diálogo aberto” com as retalhistas.

A criação de uma entidade reguladora para o setor alimentar está na agenda política há mais de uma década, tendo já sido discutida em campanhas eleitorais e em várias ocasiões no âmbito da Plataforma de Acompanhamento das Relações na Cadeia Alimentar (PARCA), criada em 2011, que ainda esta semana voltou a juntar-se, com os ministros da Economia e da Agricultura a assistirem, para “aprofundar o diálogo” entre os representantes dos setores da produção, transformação e distribuição de produtos agroalimentares.

Ao mesmo tempo que o Governo socialista apresenta um pacote de medidas para enfrentar o aumento de custo de vida, que inclui ajudas de 140 milhões de euros à produção para diminuir os custos e uma descida temporária do IVA num cabaz de produtos básicos, condicionada à “redução efetiva e estabilização dos preços”, um organismo regulador para este setor volta a ser uma hipótese em cima da mesa, a par da reativação de um observatório de preços.

No entanto, as principais confederações agrícolas, ouvidas pelo ECO, levantam dúvidas sobre a necessidade e a eficácia de uma entidade reguladora, como existe, por exemplo, no setor energético ou das telecomunicações. Crítico da “falência, irrelevância política, incompetência e desmembramento” da tutela de Maria do Céu Antunes, presidente da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) começa por questionar: “Se o Ministério da Agricultura não funciona, cria-se uma Entidade Reguladora? Se os organismos públicos atuais não funcionam, cria-se outro?”

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Eduardo Oliveira e Sousa, presidente da CAPHenrique Casinhas/ECO

“É uma fuga em frente. Primeiro um observatório de preços. Depois um selo de preço justo. Depois uma entidade reguladora. O que virá a seguir?”, refere Eduardo Oliveira e Sousa. Insistindo que a discussão em torno da criação de uma entidade reguladora do setor agroalimentar, além de exigir como “premissa” que as atuais instituições “não servem”, teria de garantir igualmente que “o seu funcionamento não [iria] contrariar o funcionamento do mercado”.

Se o Ministério da Agricultura não funciona, cria-se uma Entidade Reguladora? Se os organismos públicos atuais não funcionam, cria-se outro? (…) É uma fuga em frente.

Eduardo Oliveira e Sousa

Presidente da CAP

É que, se há problemas ao nível das margens de lucro praticadas pela grande distribuição – e o presidente da CAP reconhece que elas possam existir, pelo facto de “uma pequena quantidade de operadores dominar, em conjunto, à volta de 70% do mercado” –, nesse caso é “a Autoridade da Concorrência [que] pode e deve agir, no âmbito do mandato que lhe está cometido”.

“Consideramos que a criação de uma entidade reguladora, só por si, não terá um contributo relevante a dar, já que estas se limitam a emitir pareceres e recomendações que não têm qualquer consequência de fundo”, concorda a Confederação Nacional da Agricultura (CNA), colocando o “foco essencial” na responsabilidade do Governo e das instituições públicas em “tornar o mercado de bens alimentares mais justo para produtores e consumidores”.

A criação de uma entidade reguladora, só por si, não terá um contributo relevante a dar, já que estas se limitam a emitir pareceres e recomendações que não têm qualquer consequência de fundo.

Confederação Nacional da Agricultura (CNA)

Este organismo que assume a representação dos pequenos e médios produtores, com sede em Coimbra, refere que “as elevadas margens de comercialização praticadas pela grande distribuição, ao mesmo tempo que esmaga as margens nos preços pagos aos produtores” não são um problema novo; apenas se “agudizou” neste contexto de elevada inflação.

No lote de medidas de intervenção no mercado, defendidas pela CNA na reunião desta semana da PARCA, estão a aprovação de uma lei que proíba as vendas com prejuízos ao longo de toda a cadeia produtor-consumidor, a dinamização dos mercados locais, a adoção de uma “estratégia audaz de compras públicas que valorize a produção local e sustentável” e, finalmente, que sejam do conhecimento público as margens e preços praticados ao longo de toda a cadeia relativa aos bens alimentares.

Cooperativas falam em “condições mínimas de concorrência”

Com a inflação a abrandar para 8,2% em fevereiro, mas os preços dos produtos alimentares não transformados a aumentarem pelo terceiro mês consecutivo, fixando-se em 20%, o primeiro-ministro, António Costa, alertou na semana passada, no final da cimeira ibérica, em Lanzarote, que “se em relação aos outros setores tivesse havido a possibilidade de termos um quadro regulatório tão forte como o da energia, seguramente a inflação hoje estaria mais controlada do que aquilo que está”.

Como recorda Pedro Pimentel, diretor-geral da Centromarca, num artigo de opinião recente, a criação de uma entidade reguladora para o setor agroalimentar fazia até parte do programa eleitoral do PSD para as últimas legislativas, disputadas em janeiro de 2022. Nesse documento, o maior partido da oposição, então liderado por Rui Rio, escreveu que essa seria uma forma de “assegurar o respeito por práticas comerciais corretas e um melhor equilíbrio na cadeia de valor, entre a produção e a grande distribuição”.

Pimentel sublinha, porém, que uma entidade desse género não deveria estar só focada no agroalimentar, mas abranger todo o universo dos chamados produtos de grande consumo (FMCG na sigla inglesa), que avalia em 16 mil milhões de euros anuais, e onde se incluem os setores das bebidas, higiene do lar e higiene pessoal. “Um erro cometido vulgarmente passa por julgar que os problemas que existem no setor alimentar são específicos e que diferem e são mais graves do que os que afetam os restantes setores daquele universo, o que, claramente, não é verdade”, completa.

Somos contra os preços fixados por via política, por não ajudar nem a eficiência do mercado do retalho, nem o bom relacionamento da produção com os compradores da distribuição. Porém, é necessária uma regulamentação sobre margens de valor acrescentado, tratamento equitativo dos agentes económicos e práticas comerciais.

Idalino Leão

Presidente da Confagri

Idalino Leão, presidente da Confagri (cooperativas agrícolas), prefere não fechar a porta à ideia, frisando que a necessidade de uma entidade reguladora advém da “inexistência de condições mínimas de concorrência em determinados setores”. Diz-se “contra os preços fixados por via política, por não ajudar nem a eficiência do mercado do retalho, nem o bom relacionamento da produção com os compradores da distribuição”, mas defende mais regulamentação sobre margens de valor acrescentado, tratamento equitativo dos agentes económicos e práticas comerciais”.

Questionado sobre as principais atribuições que poderia ter, responde que, “além da responsabilidade de proceder à elaboração dessa regulamentação, teria poderes de supervisão, sancionatório e de arbitragem”. “Na verdade, não basta ter um código de boas práticas. É preciso ir mais longe e, sobretudo, assegurar que existe uma entidade cuja razão de ser é a garantia de um equilíbrio de base no funcionamento deste mercado”, contextualiza Idalino Leão.

Contactado pelo ECO, o Ministério da Economia respondeu, através de fonte oficial, que não iria “fazer nenhum comentário nesta altura”. Do lado da indústria, Amândio Santos, presidente da PortugalFoods, para quem “neste momento é impossível parar a escalada dos preços alimentares”, sublinha que “não [lhe] parece que o setor procure esse tipo de normalização”, privilegiando antes “um diálogo muito aberto” com as cadeias retalhistas.

Amândio Santos, presidente da PortugalFoods

A Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED), para quem os donos dos supermercados e hipermercados remeteram uma posição, não se mostrou disponível para comentar esta matéria negocial.

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