IP “não quer perder sequer um euro” de fundos europeus para obras na ferrovia
Projetos para obras ferroviárias que não forem lançados até ao final deste ano arriscam ficar sem financiamento europeu até 2030, avisa o vice-presidente da Infraestruturas de Portugal.
Portugal luta contra o tempo para não deixar escapar o comboio dos fundos europeus para que as obras nas linhas ferroviárias não fiquem por fazer. A Infraestruturas de Portugal (IP) tem até ao final de 2024 para acabar as obras já em curso no caminho-de-ferro e até ao final deste ano para lançar os projetos das empreitadas que serão feitas até ao final de 2030. Os trabalhos que não embarcarem neste comboio só voltarão a ter financiamento na próxima década.
“Uma das nossas grandes preocupações é que o país não perca um euro que seja de fundos comunitários. Asseguro-vos que isso está a ser tratado“, assumiu o vice-presidente da IP, Carlos Fernandes, em entrevista ao ECO e ao Público. As preocupações da IP estão centradas em dois programas de investimentos: o Ferrovia 2020, focado no transporte de mercadorias, e o Programa Nacional de Investimentos 2030 (PNI2030), com mais objetivos para os passageiros.
Uma das nossas grandes preocupações é que o país não perca um euro que seja de fundos comunitários. Asseguro-vos que isso está a ser tratado.
Com um orçamento de dois mil milhões de euros, o Ferrovia 2020 foi apresentado em fevereiro de 2016. Mas ao fim de sete anos ainda só tem concluídas 15% das obras. “O calendário inicial não foi demasiado otimista ou ambicioso. Foi um tiro ao lado. Nós não tínhamos a informação que deveríamos para produzir um calendário daqueles”, alega o administrador. Em fevereiro de 2016, Carlos Fernandes era adjunto do então ministro das Infraestruturas e do Planeamento, Pedro Marques.
O Ferrovia 2020 foi uma herança do Plano Estratégico dos Transportes e Infraestruturas 2015-2020 (PETI3+), apresentado em agosto de 2015 pelo Executivo então liderado por Pedro Passos Coelho, depois de dois anos de consulta pública. “O Orçamento do Estado [para 2016] sai relativamente atrasado e o novo Governo [já com António Costa] redenomina o PETI3+, na área ferroviária, como Ferrovia 2020, mantendo-se praticamente alterado — e outra coisa não poderia acontecer”, defende-se. De entre as 15 empreitadas programadas, apenas três tinham projetos elaborados: a eletrificação do Covilhã-Guarda (Beira Baixa), a eletrificação do Nine-Valença (Minho) e a reabilitação do troço Alfarelos-Pampilhosa (Norte).
O plano de investimentos era ajustado às capacidades financeiras do país. Nós tínhamos um plano que custava 2.000 milhões de euros e que tinha um conjunto de objetivos. Um plano diferente não custaria esse valor. Seria, com certeza, bastante mais. Se nós estivéssemos a falar em alterações de traçados que obrigassem a túneis e viadutos, tudo isso atiraria para valores completamente diferentes. Se reabríssemos tudo, as obras não seriam feitas neste quadro comunitário e íamos perder 1.000 milhões de fundos.
Obras como a eletrificação da Linha do Oeste entre Meleças e Caldas da Rainha e da Linha do Douro entre Caíde e Marco de Canaveses e daí até à Régua “nem sequer tinham concurso para contratação de projetos”. Segundo Carlos Fernandes, “no dia seguinte à apresentação daquele calendário, alguns dos projetos estavam quatro anos atrasados“. Para o gestor, “o grande objetivo do programa deveria ser a concretização das obras até ao final de 2023”, para não perder acesso a instrumentos como o Connecting Europe Facility (CEF).
O CEF acabou por ser prolongado até ao final de 2024, por conta dos efeitos da guerra na Ucrânia, que complicaram a compra de aço.
Mesmo assim, há várias obras que apenas vão ficar prontas em 2024 e outras que já serão executadas pelos fundos comunitários para 2027, como a eletrificação do troço Marco de Canaveses-Régua. Além dos atrasos, em muitos dos troços as obras apenas permitirão ganhos mínimos no tempo de viagem, obtidos pelo fim de passagens de nível e pela adoção de comboios elétricos, com maior aceleração.
“O plano de investimentos era ajustado às capacidades financeiras do país. Nós tínhamos um plano que custava 2.000 milhões de euros e que tinha um conjunto de objetivos. Um plano diferente não custaria esse valor. Seria, com certeza, bastante mais. Se nós estivéssemos a falar em alterações de traçados que obrigassem a túneis e viadutos, tudo isso atiraria para valores completamente diferentes”, justifica Carlos Fernandes. “Se reabríssemos tudo, as obras não seriam feitas neste quadro comunitário e íamos perder 1.000 milhões de fundos”, acrescenta.
Meios no limite em todo o país
Atualmente há 1,3 mil milhões de euros em investimento a ser executado no Ferrovia 2020. “O mercado já não está a reagir a isto e já não há meios em Portugal”, lamenta Carlos Fernandes. “Já temos uma equipa da América do Sul para nos ajudar a fazer os 500 quilómetros de colocação de catenária”, exemplifica.
A renovação da Linha da Beira Alta está a revelar-se uma das obras mais complicadas para a IP. Considerada como um dos principais canais para as exportações e importações das mercadorias em Portugal, foi encerrada para obras de modernização a 19 de abril de 2022. Na altura, a IP estimou que o troço Pampilhosa-Guarda, com 160 quilómetros, iria reabrir em janeiro de 2023. Oito meses depois, a gestora das linhas de comboio comunicou aos operadores que a ligação só voltará a funcionar em 12 de novembro.
O vice-presidente da IP reforça o compromisso com a data, mas assume que houve mais problemas na transição para 2023. “Durante as chuvas de dezembro e de janeiro, tínhamos a via toda desmontada. A chuva que caiu rebentou com muito do trabalho que tinha sido feito. Atrasou-nos um bocadinho”, detalha. Segundo Carlos Fernandes, a renovação da Beira Alta “é uma obra de relojoaria”, o que implica “um rácio de trabalhadores por milhão de investimento muito superior ao de uma obra nova”.
A única linha totalmente nova no Ferrovia 2020 é o troço Évora-Elvas, de 90 quilómetros. Carlos Fernandes garante que a obra estará pronta até ao final do primeiro semestre de 2024, registando-se um atraso de três meses sobre o mais recente planeamento da IP – segundo a apresentação do Ferrovia 2020, os trabalhos estariam prontos no final de 2019. A culpa é da demora na entrega do último subtroço (Alandroal-Elvas), responsabilidade da empresa espanhola Sacyr.
Na Linha do Douro já está assinado – mas ainda não foi publicado em Diário da República – o despacho que autoriza o lançamento do concurso para elaborar o projeto de reabilitação do troço Pocinho-Barca d’Alva. A IP também está disponível para apoiar a candidatura desta linha como Património Mundial da Unesco.
Na eletrificação da Linha do Algarve, a IP aguarda uma autorização do Ministério das Finanças, que tutela a empresa com as Infraestruturas, para que seja construída uma subestação em Olhão. Será ainda introduzido um sistema de sinalização eletrónica para todo o troço, que deverá ficar pronto no início de 2024.
Projetos até final do ano… ou só em 2030
Enquanto a IP tenta concluir as obras do Ferrovia 2020, já estão em marcha alguns dos projetos para o PNI2030. Para tentar acelerar o comboio do investimento, a IP conta com os despachos de delegação de competências do Governo, que permitem o lançamento automático dos contratos.
O primeiro despacho permitiu avançar com 12 projetos, como o troço Porto-Soure na linha de alta velocidade; a quadruplicação dos troços Alverca-Castanheira do Ribatejo e Castanheira do Ribatejo-Azambuja (Linha do Norte); a quadruplicação do troço Contumul-Ermesinde (Linha do Minho); o acesso aos portos de Leixões e de Setúbal; a eletrificação do Casa Branca-Beja; a modernização de toda a Linha do Vouga; e a duplicação do troço Poceirão-Bombel.
O segundo despacho não foi totalmente executado por conta da dissolução do Parlamento e das eleições legislativas de 2022. “Ficámos a meio e ainda estamos a negociar esse processo”, admite Carlos Fernandes. O atraso afeta o lançamento dos projetos para ampliar a Gare do Oriente, a eletrificação do troço Régua-Pocinho (Linha do Douro), a modernização do Caldas da Rainha-Louriçal (Linha do Oeste), a ligação entre a Linha de Cascais e a Linha de Cintura e a aposta no troço Sines-Grândola.
Considerando que a IP conta sete anos entre a autorização para um concurso a elaborar e a conclusão das obras, “se lançarmos um projeto em 2023, com sete anos já não é fácil de os conseguir concretizar neste quadro comunitário”. Ou seja, ou há projetos rapidamente aprovados ou mais obras ferroviárias poderão ficar adiadas para depois de 2030.
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