Greves já tiveram alguns resultados mas contestação social veio para ficar

Sindicatos sinalizam que há ainda setores sem resposta às reivindicações, pelo que a luta vai continuar. CCP salienta que alterações à lei laboral complicam e colocam limitações à contratação.

Professores, inspetores da PJ, trabalhadores da CP, funcionários judiciais e ainda trabalhadores da easyJet e até EDP. As greves multiplicam-se e parece não haver fim à vista. Ainda que a luta dos trabalhadores já tenha dado alguns resultados, com várias empresas a ceder e o Governo a avançar com um aumento extra da Função Pública, há setores que continuam na luta e a contestação social vai manter-se, como sinalizam a CGTP e a UGT ao ECO. Do lado dos patrões, João Vieira Lopes admite que o Acordo de Rendimentos não foi suficiente, mas reitera que as alterações à lei laboral “não facilitam a vida às empresas”.

Depois de meses intensos de manifestações e greves, os trabalhadores vão sair à rua no 1º de Maio para reivindicar melhores salários e mais direitos. A CGTP tem marcadas iniciativas um pouco por todo o país, sendo que, na capital, além da tradicional corrida (que já vai na 40.º edição), também está marcada uma manifestação do Martim Moniz até à Alameda.

“A imensa luta que tem vindo a ser desenvolvida pelos trabalhadores, com maior intensidade ao longo dos últimos meses, para exigir uma resposta a uma situação que não é inevitável,” vai assim ser trazida para as celebrações do dia dos Trabalhadores, destaca a secretária-geral da CGTP, ao ECO.

Precisamos que os aumentos sejam generalizados e isso obriga a que se aumente a luta para o Governo perceber que os trabalhadores não aceitam continuar a ser os que pagam as crises.

Isabel Camarinha

Secretária-geral da CGTP

Num cenário ainda de elevada inflação, verificou-se uma “grande mobilização para o 1º de Maio”, com mais de 30 iniciativas em todo o país, “onde os trabalhadores dos vários setores convergirão tanto com reivindicações mais concretas como com uma reivindicação mais geral que garanta o aumento dos salários, melhoria dos direitos, aumento das pensões”, salienta Isabel Camarinha.

Já a UGT vai “regressar a Belém”, como aponta Carlos Alves, secretário executivo da central sindical, ao ECO, que espera uma “boa adesão: os sindicatos estão mobilizados e é um regresso a casa onde a UGT já fez vários 1º de Maio”. Mas não vai ser só um dia de celebração, sendo que está marcada também “alguma luta de alguns sindicatos e alguns setores”, salienta.

Nos últimos tempos, o setor que tem estado mais em luta é a educação, nota, mas há também reivindicações na Justiça e também noutras áreas. Algumas das revindicações têm dados frutos, já que “tem havido greves, mas muitas vezes há acordos e negociação”, salienta.

De acordo com os dados mais recentes da DGERT, foi na Administração Pública que se entregaram mais avisos prévios de greve, correspondendo a 28% do total em fevereiro. Seguem-se as indústrias transformadoras e os transportes e armazenagem, sendo de destacar neste setor as greves da CP, que levaram à supressão de seis mil comboios num mês, segundo o Sindicato Nacional dos Maquinistas dos Caminhos de Ferro Portugueses.

Fonte: DGERT

O sindicalista também aponta que a “contestação social existe sempre, vai existir porventura cada vez mais em setores específicos mas também onde haja maior incapacidade e dificuldades negociais”, já que a situação não tem sido “igual em todos os setores do Governo nem do privado”. Carlos Alves admite também que neste contexto “de perda grande de rendimentos e de inflação, em que o rendimento disponível é mais comprimido, é natural que as pessoas estejam mais insatisfeitas”.

Assim, é previsível que a contestação social continue, nomeadamente “em alguns setores em que se sente que não há resolução a vista”. Ainda assim, deixa a ressalva de que para os “sindicatos da UGT não haverá luta pela luta, será sempre uma via para reabrir diálogo”.

Isabel Camarinha aponta também que “já se conseguiram resultados: há setores onde se negociaram contratos coletivos e empresa a empresa onde se estão a conseguir aumentos”, mas é preciso que “seja generalizado e isso obriga a que se aumente a luta, para o Governo perceber que os trabalhadores não aceitam continuar a serem os que pagam as crises”.

Do lado do patronato, o presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP) também admite que a contestação social deverá continuar e que “é provável que exista maior participação do que é habitual nestas comemorações do 1º de Maio”. Tal reflete também “preocupação das pessoas com os problemas de poder de compra devido à inflação, que apesar das medidas tomadas se mantém elevada”, aponta, ao ECO.

Acordo de rendimentos é insuficiente mas levou a aumentos maiores dos salários

É de recordar que o Governo assinou no ano passado um Acordo de Rendimentos com os patrões e a UGT, onde ficou definido o compromisso para um aumento médio dos salários de 5,1%. Este valor fica, no entanto, abaixo da inflação, que foi ainda mais alta do que o esperado, o que motivou até o Executivo a atualizar o aumento da Função Pública em 1%.

Contudo, o acordo não foi revisto, apesar dos sindicatos defenderem essa possibilidade. “Os pressupostos que levaram à assinatura deste acordo estão já um pouco ultrapassados”, salientou Mário Mourão, líder da UGT, no mês passado.

Ao ECO, Carlos Alves relembrou também que há uma “cláusula de salvaguarda inserida no acordo para mexer se necessário”. “Neste momento estamos a acompanhar, apesar tudo os salários estão a evoluir de forma positiva”, destaca. Apesar desta nota positiva, assegura que se for necessário vão acionar este mecanismo de revisão.

Já João Vieira Lopes aponta que “o Acordo de Rendimentos provocou, apesar de tudo, uma tendência para o aumento em termos médios dos salários acima do que tem sido habitual nos últimos anos”. Apesar desta subida, o presidente da CCP admite que, “provavelmente, não é suficiente porque o país está com um problema estrutural que os governos não estão a conseguir ultrapassar”. “Se prevemos crescimento médio de 1,9% por ano, significa que não vai haver uma grande capacidade de ultrapassar as limitações de rendimento das pessoas”, salienta.

Independentemente do Acordo de Rendimentos, que teve valências positivas, apesar de insuficientes, o Governo aprovou um conjunto de alterações à lei do trabalho que não vieram facilitar a vida às empresas.

João Vieira Lopes

Presidente da CCP

“Não se está a conseguir colocar o centro de gravidade numa maior valorização em termos do valor acrescentado nacional e da produtividade e isso é que permite maiores salários”, argumenta.

Além do acordo, que “teve valências positivas, apesar de insuficientes”, Vieira Lopes destaca que “o Governo aprovou um conjunto de alterações à lei do trabalho que não vieram facilitar a vida às empresas”. Estas medidas “complicam”, acusa, nomeadamente com “limitações à contratação e a temática do outsourcing“.

Apesar disso, o Governo tem escolhido destacar o “sucesso” do acordo de rendimentos, com Ana Mendes Godinho a avançar que os dados referentes às remunerações de janeiro e fevereiro, apontam para um aumento médio de 8% (dos salários). É de salientar, no entanto, que a subida do salário mínimo também poderá influenciar os números, já que passou de 705 em 2022 para 760 em 2023, uma subida de 7,8%.

E apesar da inflação estar a abrandar, mantém-se ainda a um nível elevado, ao fixar-se nos 7,4% em março e 5,7% em abril, segundo as estimativas provisórias. O ministro das Finanças admitiu também que a subida dos preços ia ser maior do que o esperado este ano, pelo que reviu a previsão de 4% para 5,1% em 2023, no Programa de Estabilidade apresentado este mês.

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

Greves já tiveram alguns resultados mas contestação social veio para ficar

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião