Portugal verá apenas parte dos ganhos do hidrogénio e lítio se não melhorar estratégia, alerta think tank

Existe uma cadeia de valor por explorar na produção de hidrogénio "verde" e lítio, algo que poderá impedir Portugal de aceder aos benefícios económicos a que tem direito, alerta o think tank E3G.

A produção de hidrogénio e a exploração de lítio em Portugal resultarão em ganhos económicos relevantes para o desenvolvimento do país. Mas, segundo um think tank europeu, esses benefícios podem nunca chegar a materializar-se, dado que o seu potencial não está a ser aproveitado ao máximo.

Esta é a principal conclusão do relatório elaborado pela E3G, um centro de estudos especializado em alterações climáticas, no qual alerta que “os potenciais ganhos económicos” para Portugal resultantes dos investimentos nestas novas tecnologias “verdes” e o seu contributo para a cadeia de valor europeia “não estão necessariamente assegurados” uma vez que não está a ser retirado o valor potencial destes recursos.

“A maioria dos projetos [de hidrogénio e lítio] visa exportar estes produtos de alta qualidade para as zonas mais ricas do continente ou utilizá-los em atividades de baixo valor acrescentado, como a mistura de hidrogénio “verde” com gás fóssil [injeção na rede]. Com esta abordagem, Portugal arrisca-se a perder a oportunidade de fazer parte do impulso global de investimento em tecnologias limpas”, lê-se no relatório divulgado esta sexta-feira.

Para os autores do estudo, Portugal tem o potencial de desempenhar um papel relevante na futura cadeia de valor de hidrogénio verde e de lítio na Europa, numa altura em que decorre o processo de neutralidade carbónica e transição energética.

No caso do hidrogénio “verde”, este combustível pode ser chave para desbloquear dois novos segmentos industriais a nível nacional, que são tomados como essenciais para o resto da Europa: a produção de aço “verde”, elemento essencial para o setor da mobilidade elétrica e a energia eólica offshore. E, paralelamente, a produção de eletrolisadores. “Tratam-se de duas cadeias de valor críticas no domínio das tecnologias limpas“, explica o relatório.

A própria Comissária Europeia da Energia, Kadri Simson, já tinha reconhecido esse potencial, numa entrevista ao jornal Público, onde urgiu que os empresários portugueses começassem não só a produzir hidrogénio verde para descarbonizar a economia, mas também a “produzir aço verde, porque há procura no mercado por estas opções limpas”. “Ao fazer isto, vão manter todos os benefícios aqui e vão criar empregos”, apontou a governante.

Porém, atualmente, não é esse o foco da estratégia de hidrogénio verde em Portugal, critica o think tank. Tal como dizia o primeiro-ministro António Costa, os investimentos neste combustível, acolhidos em território nacional, vão permitir que o país se torne num exportador de combustíveis renováveis para o resto da Europa.

"Temos aqui uma oportunidade de reduzir as importações, de substitui-las e, no futuro, a capacidade de exportar aquilo que nós próprios podemos produzir. Cada cinco por cento de hidrogénio que é injetado é menos cinco por cento de gás natural que importamos”

Primeiro-ministro, António Costa

Olhando para os investimentos anunciados em Sines — o MadoquaPower2X, o Neogreen Hydrogen, o Green H2 Atlantic, o Galp H2 Park, o Sines Green Hydrogen Valley Alliance –, o H2Enable36 em Estarreja e o Nazaré Green Hydrogen Valley, na Nazaré, entende-se que a atenção está voltada para a produção deste gás. Seja para exportação ou para injeção na rede, em simultâneo com o gás natural.

“Vemos um peso excessivo de investimentos a serem colocados em atividades de menor valor acrescentado”, apontou uma das autoras do relatório, Alexksandra Waliszewsk.

Já o lítio abriria caminho para acelerar a produção de baterias, e as respetivas componentes, para carros elétricos. Atualmente, existem quatro investimentos para a exploração deste mineral. O projeto de extração e exportação de lítio da Savannah, na mina do Barroso, o projeto da Lusocrecursos, em Montalegre, o investimento da Aurora Lithium, da Galp e da sueca Northvolt, que irá refinar e exportar 25 mil toneladas deste mineral, e o projeto da fábrica de baterias de até 45 gigawatts-hora (GWh) da China Aviation Lithium Battery Tecnology (CALB).

“Os projetos de mineração e refinação de lítio não trazem benefícios socioeconómicos para Portugal. Já a produção de baterias, poderia resultar num impacto no PIB 10 vezes superior“, estima Waliszewsk, adiantando que o investimento chinês da CALB resultará em ganhos de cerca de 2,6 mil milhões de euros para a economia portuguesa e dará origem a 2.500 empregos diretos. Comparando com a fábrica da Volkswagen Autoeuropa, o impacto de uma fábrica de baterias seria cerca de três vezes superior, estima o relatório.

“Vemos investimentos muito fragmentados, as várias fases da cadeia de valor não estão ligadas… Há um risco deste recurso vir a ser somente exportado”, acrescentou a autora, detalhando que a aposta na exportação de lítio extraído e refinado gerará quase oito vezes menos valor económico e uma fração da criação de emprego.

“Existem muitos aspetos que colocam Portugal como um país de grande potencial no desenvolvimento de novas tecnologias verdes, mas estão a ser alocados recursos atividades de baixo valor acrescentado o que impossibilita o país de usar isso para seu benefício. Pode-se perder esta oportunidade económica muito grande. Portugal tem vantagem competitiva mas não a está a a usar“, referiu um dos autores do estudo, Artur Patuleia, durante o briefing com os jornalistas.

Estratégias nacionais devem reconhecer cadeia de valor

O E3G identifica um conjunto de barreiras que impedem que a aposta na produção de hidrogénio “verde” e a exploração de lítio sejam mais rentáveis e benéficas para o desenvolvimento socioeconómico do país. Entre elas, aponta a falta de orientação estratégica da política industrial, a ausência de estruturas de governação direcionadas ao desenvolvimento destas cadeias de valor e a escassez de grupos industriais nacionais com escala para impulsionar a criação das mesmas.

Além disto, o think tank aponta que Portugal tem dificuldades em contribuir para o mercado de inovação e tirar partido dos fundos europeus ligados a este tipo de atividade. Por fim, não existem evidências claras de que as comunidades locais afetadas pela exploração do lítio estão a receber informação que lhes dê a clara noção dos benefícios socioeconómicos.

“Consideramos que a contestação que tem havido em torno da exploração das minas de lítio está ligada à falta de esclarecimentos quanto aos benefícios a nível local“, explicou a autora

De forma a tirar o maior partido do hidrogénio “verde” e do lítio, a E3G recomenda que, no próximo Plano Nacional de Energia e Clima (PNEC 2030), que está atualmente em revisão, o Governo desenhe uma estratégia onde conste uma maior valorização da cadeia de valor destes dois recursos.

Além disso, recomenda que sejam estabelecidas metas de incorporação no desenvolvimento de novas cadeias de valor de tecnologias limpas. “Por exemplo, o próximo leilão de energia eólica offshore poderá incluir requisitos de incorporação de aço verde”, sugerem no relatório.

Notícia atualizada dia 28 de maio de 2023, pelas 14h54, com a referência ao investimento da Lusorecursos, em Montalegre

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