Governo soube de fundos Airbus em 2016 mas não viu problemas
Pedro Marques garantiu na comissão parlamentar de inquérito à TAP que não recebeu do ex-presidente da Parpública qualquer indicação sobre a existências dos fundos Airbus.
Pedro Marques afirmou esta quarta-feira na comissão parlamentar de inquérito (CPI) à TAP que na informação passada pela Parpública não constava “nada que indicasse ilegalidade” na privatização, nomeadamente sobre a utilização por David Neeleman de fundos da Airbus para capitalizar a companhia aérea. Mesmo depois das primeiras notícias, em 2016, o Governo não viu qualquer problema.
A Atlantic Gateway, de David Neeleman e Humberto Pedrosa, assumiu na compra de 61% da TAP em 2015 o compromisso de capitalizar a companhia aérea com 226,75 milhões de euros. Dinheiro que foi entregue ao empresário de nacionalidade brasileira e americana pela Airbus, no âmbito da desistência de um contrato para a compra de 12 aviões A350 e a aquisição de 53 aeronaves da família A320 e A330. Uma análise legal da Serra Lopes, Cortes Martins & Associados, pedida pela TAP em 2022 e noticiada pelo ECO, considera a capitalização ilegal.
Tal como já tinha feito na audição na Comissão de Economia no dia anterior, Pedro Marques afirmou que o então presidente da Parpública não informou o novo Governo socialista sobre a existência dos fundos Airbus. A reunião aconteceu em dezembro de 2015, para passar o dossiê TAP, cuja privatização tinha sido concluída no mês anterior pelo segundo Governo de Passos Coelho. Pelo contrário, a indicação foi de que a operação tinha decorrido com toda a legalidade. “Não tive conhecimento da especificidade dos mecanismos de capitalização”, garantiu.
O próprio ex-ministro diz que teve conhecimento da existência dos fundos Airbus após uma entrevista à revista Visão em janeiro de 2016, em que David Neeleman é confrontado com o negócio. Pedro Marques afirmou que só aí o seu ministério foi verificar a informação que constava da pasta de transição entregue pela Parpública, onde consta um parecer jurídico da sociedade Vieira de Almeida.
Esse parecer, noticiado pelo ECO, tem a data de 12 de novembro de 2015, precisamente o dia em que se consumou a privatização, e refere expressamente a disponibilização dos “Fundos Airbus” à DGN de David Neeleman, e desta à Atlantic Gateway, para a capitalização da companhia aérea. O parecer assinala algumas das questões jurídicas levantadas pelo negócio, mas considera a operação legal e refere a existência de avaliações que apontam para um desconto na aquisição dos aviões.
“Isto não lhe chamou a atenção para alguma coisa errada”, questionou Bruno Dias, deputado do PCP, assinalando que o parecer mostra claramente que o dinheiro usado por David Neeleman “não é dele”.
O antigo ministro referiu que só soube do desconto quando o antigo secretário de Estado das Infraestruturas, Sérgio Monteiro, afirmou que os fundos Airbus resultavam de um “rappel comercial” devido à dimensão da encomenda de aeronaves acordada com David Neeleman, durante a sua audição na Comissão de Economia, a 24 de março.
Uma auditoria pedida pela TAP à Airborne Capital, em 2022, conclui, pelo contrário, que a companhia está a pagar mais 254 milhões do que a concorrência. Quer a análise jurídica quer esta auditoria foram enviadas pelo Governo ao Ministério Público, que abriu um inquérito.
“Não havia ilegalidade. Não havia em nenhum elemento, que me recorde, a TAP estar a pagar um valor comercial acima do valor de mercado. A informação que tínhamos era que a operação era legal”, insistiu.
“Quando [a existência dos fundos Airbus] veio a público encontrámos o parecer que justificava a operação. A Parpública e TAP davam o dossiê como concluído legalmente. Toda esta informação que o Ministério Publico está a analisar não constava de nenhum documento que nos foi passado”, acrescentou.
Questionado por Paulo Rios Oliveira, Pedro Marques considerou que David Neeleman era um bom empresário da aviação. O mesmo não se aplica a ser era um bom parceiro para a companhia aérea. “Não estava para ser parceiro estratégico mas para fazer valorização legitima do seu investimento”.
“Passámos de 100% do risco para 50% do risco com controlo estratégico da empresa”
O agora eurodeputado iniciou a sua audição na CPI da mesma forma que arrancou a da véspera na Comissão de Economia, acusando o Governo de Passos Coelho de através das cartas de conforto enviadas aos credores da TAP na privatização de 2015 à Atlantic Gateway ter colocado todo o risco da companhia nas mãos do Estado.
Para aceitarem manter o financiamento à TAP na privatização de 2015, os bancos credores (CGD, Millennium BCP, BPI, Novo Banco e Santander) exigiram uma carta de conforto que garantisse que o Estado recompraria o capital e asseguraria o pagamento da dívida caso a empresa, já detida maioritariamente pela Atlantic Gateway, entrasse em incumprimento.
“Passamos de 100% do risco para 50% do risco com controlo estratégico da empresa”, argumentou Pedro Marques. “Defendemos o interesse público no sentido em que eliminámos uma situação em que o risco futuro caia todo sobre o Estado sem ter o controlo estratégico”.
Cumprindo a promessa eleitoral, o Governo de António Costa procedeu à recompra parcial do capital da companhia pelo Estado, de modo a ficar com 50% do capital da TAP SGPS. O Estado ficou, no entanto, apenas com 5% dos direitos económicos. A operação foi aprovada em maio de 2016, mas só ficou fechada em junho do ano seguinte.
Um relatório do Tribunal de Contas sobre a “Reprivatização e Recompra da TAP”, publicado em 2018, concluiu que “com a recompra, o Estado recuperou controlo estratégico, mas perdeu direitos económicos, além de assumir maiores responsabilidades na capitalização e no financiamento da empresa“.
Bernardo Blanco, da IL, afirmou que a auditoria indica que as responsabilidades do Estado das cartas de conforto são reforçadas pela garantia de prestações acessórias de até 513 milhões em caso de incumprimento. “Em vez de cartas de conforto chamam-se declarações aos bancos”, atirou o deputado.
“No meu entendimento isso não aconteceu porque as garantias com as cartas conforto eram ilimitadas. Nós balizámos essa responsabilidade da parte da Parpública e acrescentámos desincentivos económicos de passagem de qualquer tipo de responsabilidade para a Parpública em função das prestações acessórias que tivessem de ter feitas pela Parpública”, argumentou o ex-ministro. “Com apenas a subscrição de 30 milhões em obrigações, os direitos económicos do Estado passavam para 13,75%”, apontou.
“As obrigações da Parpública e do acionista privado passaram a ser proporcionais às participações de capital e passaram a estar limitadas a 242 milhões. Introduzimos não só essa limitação mas desincentivos muito fortes na área que o acionista privado menos queria, que eram os diretos económicos”, acrescentou.
O Tribunal de Contas também conclui, sobre as cartas de conforto, que “a assunção, pelo Estado, da responsabilidade pela dívida financeira da TAP SGPS [através das cartas de conforto], investe-o, objetivamente, numa posição materialmente similar à da qualidade de acionista único”.
Pedro Marques foi ministro do Planeamento e das Infraestruturas entre novembro de 2015 e fevereiro de 2019, quando saiu do Governo para liderar a lista de candidatos do PS às eleições europeias. Foi Pedro Marques que negociou com os donos privados da TAP, a Atlantic Gateway de Humberto Pedrosa e David Neeleman.
A comissão parlamentar de inquérito para “avaliar o exercício da tutela política da gestão da TAP” foi proposta pelo Bloco de Esquerda e aprovada pelo Parlamento no início de fevereiro com as abstenções de PS e PCP e o voto a favor dos restantes partidos. Nasceu da polémica sobre a indemnização de 500 mil euros paga a Alexandra Reis para deixar a administração executiva da TAP em fevereiro de 2022, mas vai recuar até à privatização da companhia em 2015. Tomou posse a 22 de fevereiro, estendendo-se até 23 de julho.
(notícia atualizada às 20h20)
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