No Baixo Alentejo, a barragem não enche há uma década e falta de feno é pesadelo de verão

  • Lusa
  • 3 Julho 2023

População diz que a última vez que viu a barragem cheia foi em 2013. Falta de água na região também ameaça a produção de feno. Agricultores já ponderam vender animais.

A barragem do Monte da Rocha, em Ourique, fornece água para todo o Baixo Alentejo mas está a 9% e não enche há uma década, embora Manuel Caetano acredite que tem muita água ainda para vários anos.

A Agência Portuguesa do Ambiente (APA) monitoriza 75 albufeiras e, segundo os dados atualizados na semana passada a maior parte delas (40) estavam com uma capacidade entre os 81 e os 100%. No panorama da retenção de água sobressaem no entanto três, com menos de 20% de água: Bravura (12%), no concelho de Lagos, Campilhas (10%), em Santiago do Cacém, e a pior, Monte da Rocha a 9% da capacidade.

Construída para abastecimento humano e rega, Monte da Rocha nem chegou este ano a disponibilizar água para rega, tal a pouca água que armazenou, destinada apenas a servir os concelhos de Castro Verde, Ourique, Almodôvar, Mértola e Odemira, que num total têm mais de 50 mil habitantes.

Em fevereiro deste ano foi publicado o concurso para a obra que fará chegar a água de Alqueva a Monte da Rocha, prevista para 2025. Mas Manuel Caetano não acredita.

Reservado, Manuel Caetano escuta mais do que fala. É o dono do Restaurante a Rocha, mesmo em frente da barragem, há 42 anos. E socorrendo-se de uma boa memória afirma: “A última vez que a vi cheia foi em 2013, daí para cá tem sido sempre a descer”.

Nível da albufeira da barragem do Monte da Rocha, que fornece água para todo o Baixo Alentejo, mas que está a 10% e não enche há uma década, em Ourique, 26 de junho de 2023. A Agência Portuguesa do Ambiente (APA) monitoriza 75 albufeiras e segundo os dados atualizados na semana passada a maior parte delas (40) estavam com uma capacidade entre os 81 e os 100%.NUNO VEIGA/LUSA

Aquele que já foi um grande reservatório de água trazida pelo rio Sado, para rega e para as pessoas de cinco concelhos, tem agora pequenos lagos no centro, longe de um parque de campismo que já teve desportos náuticos na “ementa”, e longe da aldeia de Chada Velha, que “ficava um ilhéu quando a barragem enchia”, recorda, por seu lado, Adílio Guerreiro, agricultor e trabalhador da Câmara de Ourique.

Parece difícil que aqueles pequenos lagos dispersos forneçam água a cinco concelhos mas Manuel Caetano, anos a olhar a barragem, garante que água não faltará nos próximos anos. E Ilídio Martins, presidente da Associação de Regantes e Beneficiários de Campilhas e Alto Sado (Alto Sado é outro nome para Monte da Rocha), com base em dados técnicos, afiança o mesmo.

A associação é a entidade gestora da barragem e segundo o seu presidente a água não faltará.

Temos reserva para mais um ano, mas esperamos que aquela reserva que lá está seja acrescida com alguma chuva e que haja precipitação no próximo inverno, porque seria muito mau se isso não acontecesse“, diz à Lusa.

Falta de feno é o pesadelo do verão do Baixo Alentejo

João Madeira tem 2.500 animais numa propriedade em Mértola, atualmente com pouca comida e água, e as forragens, quando existem, triplicaram de preço. A falta de alimentos é o pesadelo deste verão dos agricultores do Baixo Alentejo.

“Temos uma situação que é fruto de uma sequência de anos secos. Estamos num ano seco mas podemos dizer, sem grande exagero, numa década seca. E isso, numa exploração como a nossa, que depende essencialmente da pastagem, uma exploração em que mais de 80% da superfície são pastagens, provoca uma disrupção quase total da nossa lógica produtiva”.

A seca contínua em que vivem os agricultores do Baixo Alentejo fez com que as pastagens não tivessem crescido pelo que não há “forragens autoproduzidas”.

João Madeira recorda que há dois anos que não há colheita de forragens, mas também o campo não produziu a erva necessária para as ovelhas se irem alimentando.

Os agricultores, salienta, estão esmagados entre a falta de alimentos no campo e um mercado de alimentos para animais que “está com um nível de inflação quase inacreditável”. “Estamos numa tempestade perfeita que desafia o nosso sentido de sobrevivência”.

Ovelhas protegem-se do calor à sombra de uma árvore no terreno do criador de ovinos João Madeira, onde os termómetros chegam a marcar 42 graus, em Mértola, 26 de junho de 2023. Tem 2.500 animais numa propriedade em Mértola, pouca comida e água, e as forragens, quando existem, triplicaram de preço. A falta de alimentos é o pesadelo deste verão dos agricultores do Baixo Alentejo.Lusa

Para já, vai gerindo as parcelas de terreno e as pastagens que ficaram do inverno e primavera passados, ervas secas e rentes ao chão, quase invisíveis. Quando tudo o que restar for terra há de mudá-las para outra parcela ainda intacta. Mas vai em breve ter de começar a dar-lhe suplementos, que já comprou, e depois serão totalmente alimentadas com produto que ainda não tem.

“Estamos a gerir a crise” até à água do outono, se ela cair, mantendo os animais produtivos. E “estamos a gerir a água, da melhor forma que conseguirmos”.

João Madeira preocupa-se com a preservação da qualidade da água, das pequenas barragens de terra batida, mas sabe que ela vai acabar este verão e que terá de se socorrer de furos artesianos.

Afirma que já tem barragens secas, teme que antes de começar de novo a chover possa ficar totalmente sem água.

Com o calor a chegar em força a Mértola, onde choveu até 17 de dezembro e desde então pouco mais que nada, João Madeira já admite vender ovelhas, como vizinhos seus fizeram, mas diz que por enquanto vai conseguido gerir, “à custa da tesouraria e de um esforço de gestão cirúrgica”.

Porque vender não é a solução. “Há aspetos que não podemos perder de vista enquanto sociedade. O sequeiro, apesar de viver da água da chuva, precisa de água. E a sociedade, mais tarde ou mais cedo, vai ter de olhar para este processo”.

O drama, refere, é a palha a 21 cêntimos o quilo. “É irracional, tem um valor de quatro ou cinco cêntimos e custa 20”. E o feno e outras forragens também triplicaram de preço.

E o borrego também vale hoje mais? João Madeira abana a cabeça, o preço está mais baixo, não ultrapassa os 75 euros por animal.

O drama de João Madeira é o drama dos agricultores do sequeiro do Baixo Alentejo.

Di-lo o presidente da Associação de Agricultores de Almodôvar, Ernesto Botinas, também ele agricultor, com 700 animais, alimentados com água de furos artesianos, porque a das barragens acabou, como, vaticina, vão acabar todas as águas de superfície na região até agosto.

Os furos, acrescenta, são o último recurso, porque os poços e as nascentes de superfície secaram e as pequenas barragens seguem o mesmo caminho.

Na sua exploração Ernesto Botinas produz cereais, forragens, palhas, para alimentar o gado. “Este ano a produção não existiu, basicamente. Não se conseguiu fazer forragens, as palhas não existem e no mercado estão a preços exorbitantes que não são compatíveis com rentabilidade das explorações”.

A Ernesto Botinas e a João Madeira juntam-se outros 300 agricultores do concelho, alguns ainda em pior situação.

Com o termómetro a marcar 42 graus a evaporação é grande na pouca água que resta nas charcas no terreno do criador de ovinos João Madeira, em Mértola, 26 de junho de 2023. Tem 2.500 animais numa propriedade em Mértola, pouca comida e água, e as forragens, quando existem, triplicaram de preço. A falta de alimentos é o pesadelo deste verão dos agricultores do Baixo Alentejo.NUNO VEIGA/LUSA

Tenho pessoas que neste momento têm 50% do efetivo que tinham há um ano ou dois. Porque não têm condições para manter os animais, porque não produziram comida e a comida que existe no mercado está tão cara que não é compatível com manter a exploração”, observa.

Ernesto Botinas defende apoio estatal para que se comprem forragens em países do centro da Europa, porque Espanha tem também falta de alimentos. Mas João Madeira olha mais para perto, para 30 quilómetros a norte, onde há uma zona de agricultura próspera em Alqueva.

“A esses agricultores foram-lhes dadas ferramentas para eles levarem mais além a sua atividade. Nós o que pedimos é que nos deem os mesmos meios”, reclama à Lusa, à sombra de uma azinheira por testemunha, o ténue som das cigarras, mais ao longe uma seara de sequeiro que já não assegura o habitat da abetarda e do sisão.

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