Central de Fukushima prepara descarga de água no Pacífico. Há riscos ou só “radiofobia”?
Central de Fukushima vai avançar com descargas de água tratada. Preocupações dos pescadores e ameaças da China ganham força apesar do aval da AIEA. IPFN diz que alertas não têm "adesão à realidade".
Mais de uma década depois do desastre nuclear, a central nuclear de Fukushima vai avançar com a descarga de mais de um milhão de toneladas de água tratada, este verão. O processo deverá levar décadas a concluir, mas já se ouvem preocupações sobre os possíveis impactos ambientais que resultarão da decisão japonesa. Na China são lançados apelos contra e em Hong Kong e na Coreia do Sul ameaça-se com um bloqueio nas importações de peixe e marisco perante o potencial risco de contaminação. Porém, da parte da Agência Internacional de Energia Atómica, é dada a certeza de que o impacto ambiental resultante desta descarga será “insignificante”.
“Se o Governo japonês decidir avançar com o plano, este terá um impacto insignificante no ambiente, seja, na água, nos peixes ou nos sedimentos“, afirmou o diretor-geral da AIEA, Rafael Grossi numa conferência de imprensa após a sua reunião com o primeiro-ministro Fumio Kishida, no início do mês.
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Além das ameaças da Coreia do Sul e de Hong Kong, também a China já pediu ao Japão que não avançasse com a descarga, recomendando que o país discuta a decisão “com a comunidade internacional” e apresente “medidas que sejam científicas, seguras, transparentes e convincentes para os outros países”. Caso contrário, referiu o ministro dos Negócios Estrangeiros do país, Wang Wenbin, o Japão “será condenado e vai pagar pelos seus atos erróneos”.
Em sentido contrário, a União Europeia decidiu levantar as restrições que tinha imposto às importações de peixe, marisco e alguns cogumelos selvagens provenientes de Fukushima. Segundo a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, a decisão está assente em “factos científicos” recolhidos pela própria AIEA e que foram partilhados com os Estados-membros. Desde a adoção destas restrições em 2011, as medidas têm sido revistas pela Comissão de dois em dois anos, tendo sido progressivamente reduzidas à medida que os riscos diminuem. A última revisão teve lugar em setembro de 2021.
Mas as preocupações também ecoam dentro do Japão. Em Fukushima, os pescadores já admitiram estar receosos dos possíveis impactos, não tanto na qualidade do peixe e do marisco, mas sim com a própria reputação internacional. Na região, os pescadores têm-se manifestado contra o plano desde o primeiro dia e recordam que durante muitos anos, após o acidente nuclear, em 2011, as autoridades suspenderam as suas operações de pesca e outros países introduziram restrições à importação. Desde então, e mesmo depois de os níveis de segurança terem sido restabelecidos, a confiança dos consumidores nunca foi totalmente restabelecida. Agora, perante a decisão de avançar com as descargas, os receios são de que a perda de confiança nos alimentos provenientes do mar voltem a agravar-se.
Face os protestos, Grossi assegurou ser “absolutamente lógico” que o plano do Japão de libertar água radioativa tratada da central nuclear de Fukushima esteja a gerar preocupações, mas por cá, o Instituto de Plasmas e Fusão Nuclear (IPFN) considera que as preocupações manifestadas a nível internacional estão “assentes em radiofobia” e “não têm adesão à realidade”. “A água de Fukushima é completamente segura de libertar no mar“, assegura o responsável ao ECO/Capital Verde.
Porque vai o Japão avançar com descargas de água contaminada?
A decisão de libertar a água radioativa tratada não foi tomada de ânimo leve. Na verdade, é necessário recuar até 2021, ano em que o governo do Japão, ainda liderado por Shizo Abe, anunciou uma estratégia de descarga das águas nucleares da central de Fukushima perante a decisão anterior de usar água nova para arrefecer os núcleos dos reatores que, por causa do sismo, ficaram sem os seus sistemas de refrigeração central. Na altura, a AIEA ficou encarregue de acompanhar a evolução da estratégia e os respetivos riscos e dois anos depois, o grupo de trabalho responsável demonstrou-se “satisfeito” com os resultados. No último relatório, a AIE concluiu que os planos de descarga da água são “consistentes com os critérios de segurança internacionais”.
Os mais de 1,32 milhões de toneladas de metro cúbico de águas residuais – o suficiente para encher mais de 500 piscinas olímpicas – que resultam deste procedimento têm ficado armazenados em mais de mil tanques que foram construídos pela empresa pública de eletricidade Tokyo Electric Power Company (TEPCO). No entanto, o espaço tem estado a diminuir rapidamente e a energética afirma que a construção de mais tanques não é uma opção uma vez que precisa de libertar espaço para desativar a central em segurança – um processo que envolve a descontaminação das instalações, o desmantelamento de estruturas e o encerramento total.
É uma solução perfeitamente segura e, sobretudo, uma solução controlada e monitorizada permanentemente. É muito mais prudente do que manter a água armazenada e arriscar a libertação descontrolada em caso de ruptura devido a um terramoto ou fenómeno climático extremo.
Água descarregada contém baixos níveis de concentração de trítio
As preocupações com a descarga de água estão ligadas à sua origem. Uma vez bombeada na central e tratada para a remoção dos químicos mais nocivos, ficam para trás resíduos de trítio na água, uma forma radioativa natural de hidrogénio que é produzida na atmosfera quando os raios cósmicos colidem com as moléculas de ar. O trítio é também um subproduto da exploração de centrais nucleares para produzir eletricidade. Mas segundo Bruno Gonçalves, estas moléculas “têm o menor impacto radiológico de todos os radionuclídeos naturais presentes na água do mar“.
Segundo Bruno Gonçalves, o trítio na água de Fukushima não é preocupante uma vez que diluída com a água do mar esta concentração seria inferior a 1.500 becquerels por litro (Bq/l), uma medida da radioatividade de uma substância. Em termos comparativos, esta quantidade é cerca de 1/40 do limite de concentração regulamentar (60.000 Bq/L), bem como aproximadamente um sétimo das diretrizes da Organização Mundial de Saúde para o trítio na água potável (10.000 Bq/L).
“A concentração de trítio cairá para os níveis de fundo do oceano a poucos quilómetros do local de descarga”, assegura o mesmo, explicando que a separação do trítio da água, neste caso, é um processo “difícil” uma vez que a baixa concentração de trítio num grande volume de água faz com que a aplicação das tecnologias existentes de filtragem não sejam viáveis.
Além disso, a quantidade de água que será libertada na central do Japão será inferior àquela libertada na central da Coreia do Sul ,que anualmente descarrega “mais de quatro vezes a descarga planeada para Fukushima“, explica Bruno Gonçalves.
“A maioria das centrais nucleares em todo o mundo liberta rotineiramente e em segurança água tratada, contendo concentrações baixas de trítio e outros radionuclídeos, para o ambiente, como parte das operações normais”, assegura.
Existem alternativas?
Entre os governantes do Japão, responsáveis pela central de Fukushima e a Agência Internacional de Energia Atómica foram discutidas alternativas. Para o responsável do IPFN, a produção de betão, apesar de ser considerada uma “ideia interessante”, é “muito especulativa”, uma vez que peca por falta de avaliações de risco. “Esta opção tem de ter em conta a potencial evaporação de trítio do betão“, alerta.
Assim, a decisão tomada em Fukushima é “perfeitamente segura” e, sobretudo, “monitorizada permanentemente”, vinca Bruno Gonçalves, sendo a descarga “mais prudente do que manter a água armazenada e arriscar a libertação descontrolada em caso de rutura devido a um terramoto ou fenómeno climático extremo”, tal como aconteceu com o sismo, em 2011. A catástrofe, considerada uma das mais danosas a nível nuclear, provocou a morte a mais de 500 pessoas.
A título de exemplo, o presidente do Instituto de Plasmas e Fusão Nuclear recorda a decisão da Alemanha de encerrar os últimos três reatores nucleares, em abril. A decisão gerou contestação face aos riscos iminentes de mais uma crise energética na Europa, mas também devido aos impactos ambientais que resultariam de uma solução alternativa ao nuclear para a produção de eletricidade. Bruno Gonçalves considera que a decisão de encerrar os reatores “é muito mais nociva para o ambiente e os seres humanos” dado ter sido substituída pela queima de linhite, a forma de carvão mais poluente.
“Estima-se que o número de mortes prematuras anuais provocadas pelo encerramento das centrais nucleares alemãs desde 2011, na sequência do acidente de Fukushima (…) cifra- se em 1100 vítimas adicionais por ano, como resultado da poluição do ar. Muito superior às 575 vítimas creditadas ao acidente de Fukushima, das quais nenhuma resultou da radiação libertada“, acrescemta.
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