Fim de uma era. Alemanha diz adeus à energia nuclear com encerramento dos últimos três reatores

Os reatores Isar 2 e Neckarwestheim 2 e a central de Emsland chegam este sábado ao fim de vida, três meses e meio mais tarde do que o previsto incialmente.

Depois de 60 anos, a era da energia nuclear na Alemanha chegou ao fim. Este sábado, 15 de abril, os últimos três reatores do país dão por terminada a sua operação após a crise energética na Europa, espoletada pela guerra na Ucrânia, ter prolongado por mais três meses e meio a respetiva vida útil. Os reatores Isar 2 e Neckarwestheim 2 estão localizados na parte sul do país, e a central nuclear de Emsland fica no norte.

A decisão de encerrar as últimas centrais não foi tomada de ânimo leve, uma vez que o país ainda acreditava que podia ser suficiente para atingir os ambiciosos objetivos climáticos da União Europeia, por ser uma alternativa aos combustíveis fósseis, e também para manter a maior economia do bloco protegida de uma eventual escassez energética.

Para Wolfgang Kubicki, vice-presidente dos Democratas Livres, partido da oposição, a Alemanha tem as centrais nucleares “mais seguras do mundo” e desligá-las seria “um erro dramático” com “dolorosas consequências económicas e ecológicas”, cita a Euronews. E, do lado da opinião pública, uma maioria esmagadora dos eleitores alemães opõe-se à eliminação progressiva da energia nuclear.

Numa sondagem da DeutschlandTrend, divulgada na passada sexta-feira, seis em cada dez inquiridos rejeitam a decisão. Apenas um terço concorda com o fecho das centrais nucleares.

Mas nem os últimos apelos foram suficientes. A decisão vai avante. “A eliminação progressiva da energia nuclear até 15 de abril, ou seja, este sábado, é um assunto encerrado“, frisou a porta-voz do chanceler alemão, em resposta.

Com o encerramento destes três últimos reatores, a Alemanha dá por terminada a decisão anunciada em 2002 de eliminar progressivamente a energia nuclear, estratégia acelerada por Angela Merkel em 2011, após o desastre de Fukushima, no Japão, que ocorreu meses antes. Desde 2003, 16 centrais nucleares já foram encerradas.

Fukushima é a prova que “mesmo num país de alta tecnologia como o Japão, os riscos associados à energia nuclear não podem ser controlados a 100%”, justificou a chanceler, na altura.

Os três reatores foram submetidos a verificações de segurança pela última vez em 2009, processo que, normalmente, ocorre de 10 em 10 anos. Ou seja, em 2019, deveria ter sido feita a última revisão de segurança destas infraestruturas, mas este requisito foi suspenso devido ao encerramento agendado para o final de 2022. O Ministério do Ambiente alemão argumenta que manter estas centrais operacionais, sem o cumprimento dos requisitos, seria ilegal e dispendioso.

A decisão de encerrar as centrais representa, no entanto, algumas ameaças para o país, depois de a Comissão Europeia ter decidido renovar, por mais um ano, o compromisso de reduzir os consumos de gás para a produção para a eletricidade em 15% como forma de garantir reservas suficientes para enfrentar o inverno.

Privada do gás russo, cujo fluxo foi interrompido por Moscovo, a Alemanha ficou exposta a cenários de elevado risco, desde a possibilidade de as suas fábricas serem encerradas até à eventualidade de ficar sem aquecimento em pleno inverno. Para se proteger, a maior economia do bloco europeu viu-se obrigada a recorrer ao carvão e a prolongar a vida destas três centrais nucleares por mais três meses. Até este sábado.

E, embora a temporada passada tenha sido fácil de atravessar, tendo o bloco europeu reduzido os consumos em 19%, certo é que a incerteza em torno do próximo inverno levanta algumas preocupações.

“Com os elevados preços da energia, a incerteza da guerra e a questão premente das alterações climáticas, houve naturalmente apelos à extensão das plantas”, referiu Jochen Winkler, presidente da Câmara de Neckarwestheim, onde está localizado um dos três reatores.

Ainda assim, para o autarca da cidade de 4.000 habitantes, dos quais mais de 150 trabalham na central, “a página já virou” e não há tempo para “voltar atrás”.

Renováveis são o caminho

As três últimas centrais responderam por 6% do total de energia produzida no país, no ano passado, em comparação com 30% em 1997. E à medida que a energia nuclear no país rumava ao ‘zero’, a percentagem de energias “verdes” ganhava terreno. Em 2022, 46% da energia produzida na Alemanha teve origens em fontes renováveis.

Mas mesmo assim, o atual do progresso das energias “verdes” não satisfaz nem o governo de Scholz, nem os ambientalistas que alertam para o facto de a Alemanha arriscar falhas as metas climáticas para 2030 e 2050, sem um impulso e compromisso sério. Segundo o chanceler alemão, a Alemanha precisa de instalar “quatro a cinco turbinas eólicas todos os dias” ao longo dos próximos anos para cobrir as necessidades energéticas do país. E, até 2038, o país quer encerrar todas as centrais elétricas alimentadas a carvão.

Os investimentos recaem agora nas fontes de energia renovável (eólica e solar) que são uma escolha óbvia para a Alemanha em vez da nuclear, dado que as novas instalações de renováveis se tornaram mais baratas do que todas as outras fontes de eletricidade”, defende a associação ambientalista Zero.

De acordo com o Relatório do Estado da Indústria Nuclear Mundial 2021 e o Instituto de Ecologia Aplicada (Öko-Institut), citados pela associação, os custos de energia para geração de energia nuclear são atualmente de 15,5 cêntimos por quilowatt-hora, em comparação com 4,9 cêntimos para energia solar e 4,1 centavos para energia eólica.

Além disso, “os novos projetos de reatores estão a sair muito mais caros do que o previsto”, alerta a Zero. Os custos de um novo “Evolutionary Power Reactor (EPR)” em Flamanville, na França, aumentaram de 3,4 mil milhões para mais de 19 mil milhões de euros, ao mesmo tempo que o projeto provavelmente levará pelo menos mais 11 anos do que o planeado — situação semelhante àquela que ocorreu no Reino Unido, Finlândia e Estados Unidos.

Para a associação liderada por Francisco Ferreira, “a energia nuclear vincula recursos financeiros que estarão agora mais disponíveis para a transição energética“.

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