Com preços do petróleo sem sinais de quebra, alívio nos combustíveis está nas mãos do Fisco

Subida da cotação do Brent, que deve continuar impulsionada pela OPEP+, e carga fiscal a 50% levaram combustíveis em Portugal a máximos de 10 meses. Redução da taxa do carbono volta a ser tema.

O preço dos combustíveis em Portugal está a subir de forma sustentada desde maio, com o litro da gasolina 95 simples a pesar mais nas carteiras. Esta subida é principalmente potenciada pelo aumento da carga fiscal que já representa cerca de 50% do preço final, tanto na gasolina como no gasóleo.

De acordo com os dados disponibilizados pela Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG), esta quarta-feira Portugal tinha um preço médio de 1,703 euros por litro no gasóleo e de 1,857 euros por litro na gasolina 95 simples. Embora esteja longe do pico registado em junho do ano passado, altura em que os combustíveis custavam cerca de 2 euros por litro, é preciso recuar até outubro e novembro de 2022 para encontrar preços semelhantes.

Nessa altura, estava congelada a taxa de carbono, uma decisão do Governo no sentido de aliviar o preço dos combustíveis nas bombas. Porém, em dezembro, questionado pelo ECO/Capital Verde, o Ministério do Ambiente e da Ação Climática admitiu que ia avançar com o descongelamento progressivo da taxa de carbono. Em maio essa medida concretizou-se e desde então a taxa de carbono no litro da gasolina e do gasóleo mais do que duplicou, de cerca de 5 cêntimos para quase 13 cêntimos na gasolina e cerca de 14 cêntimos no gasóleo, em agosto.

Mas além da taxa de carbono, os impostos incluem ainda o imposto sobre produtos petrolíferos (ISP) e a Contribuição do Serviço Rodoviário (CSR). Segundo os dados da DGEG, o peso da carga fiscal no litro da gasolina é de cerca de 59 cêntimos, enquanto no gasóleo esse valor é de 46 cêntimos. A este valor, acresce o IVA: 31 cêntimos no gasóleo e 34 cêntimos na gasolina. Sem impostos, tanto o litro da gasolina simples, como do gasóleo seriam 92 cêntimos.

Estamos neste momento muito próximos em termos de carga fiscal de valores finais que existiam antes da intervenção do Governo em agosto do ano passado. Esta alteração da carga fiscal aproxima-se dos 50% [do preço total do combustível]”, avalia Pedro Silva, especialista de energia da Deco Proteste ao ECO/Capital Verde. No início de 2022, o peso da taxa de carbono, ISP e CSR era de 63 cêntimos para o litro de gasolina e 46 cêntimos para o litro de gasóleo.

Comparativamente à União Europeia, Portugal encontrava-se, no segundo trimestre, acima da média no peso que os impostos têm no preço final da gasolina, mas ligeiramente abaixo quando se trata do gasóleo.

Pedro Silva acrescenta que embora os combustíveis ainda não estejam em máximos do ano passado, altura marcada pela subida sustentada da inflação, este descongelamento da taxa de carbono pode agravar as pressões sobre o rendimento das famílias.

“Não estamos muito longe [do máximo]. Estamos a cerca de 20 cêntimos [no litro da gasolina] e com o descongelamento da taxa de carbono a este ritmo rapidamente lá chegaremos”, antecipa Pedro Silva, alertando que aqueles que não conseguirem suportar os custos vão ficar “excluídos”. “A vasta população vai ter uma restrição na mobilidade”. Assim, da parte da Deco Proteste, é defendida uma maior “previsibilidade” dos preços, urgindo que o Governo trace uma evolução do peso da carga fiscal a seis meses.

No entanto, a evolução do preço dos combustíveis coloca em cima da mesa a questão sobre se o Governo deveria recuar na decisão de descongelar a taxa de carbono. Filipe de Vasconcelos Fernandes, especialista em economia da Energia responde à questão do ECO/Capital Verde de forma clara: “Neste momento, admito que seja precipitado o Governo voltar a adotar medidas de apoio à conjuntura”.

Para Vasconcelos Fernandes este tipo de medidas, que atuam em impostos que são “percepcionados pelos consumidores como preço”, “têm um efeito particularmente pernicioso”. E explica: “acabam por contaminar a propensão marginal para o consumo por desadequação aos dados da economia real, em especial o rendimento disponível”. Assim sendo, defende que este tipo de medidas “não devem perpetuar-se excessivamente no tempo”. Ainda assim, reconhece que a receita angariada destes impostos permitiria a adoção de medidas “culminantes” com a redução da carga fiscal.

Ainda é desconhecido a que preço estarão os combustíveis nas gasolineiras na próxima semana, mas certo é que a taxa de carbono deverá continuar a pesar no preço final do gasóleo e da gasolina até ao final do mês, estando prevista uma atualização das medidas para setembro da parte do Ministério das Finanças, tal como acontece todos os meses.

No caso do gasóleo, os automobilistas passaram a suportar em agosto um aumento de 2 cêntimos na taxa de carbono, enquanto na gasolina a subida da taxa de carbono foi de 1,8 cêntimos.

“As medidas adotadas pelo Governo têm em vista os objetivos ambientais e o alinhamento gradual do peso dos impostos sobre os combustíveis em Portugal com a média da zona euro”, explicou o Ministério das Finanças no seu comunicado.

Preço do Brent sobe 12% desde junho

Ainda que a escalada do preço dos combustíveis em Portugal esteja potenciada pelo aumento gradual da carga fiscal, parte dessa evolução também vem do estrangeiro.

Esta quarta-feira o Brent, petróleo de referência no mercado europeu, cotava acima dos 83 dólares por barril, e o seu valor médio semanal estava também acima dos 83 dólares. Segundo as contas do banco Best, o preço global de petróleo valorizou mais de 12% desde junho, num período onde se verificaram cinco semanas seguidas de ganhos, “naquele que foi o maior rally desde o início do conflito armado na Ucrânia”, detalha o trader Ângelo Custódio ao ECO/Capital Verde.

De acordo com a Agência Internacional de Energia, é expectável que a procura global de petróleo aumente em 2,2 milhões de barris por dia, para um recorde de 102 milhões por dia durante este ano, com a China a representar entre 60% a 70% do total. Por outro lado, as previsões para a produção global antecipam um aumento de apenas 1,5 milhões barris por dia.

A principal causa desta nesta dinâmica da lei da oferta e da procura é atribuída aos cortes na oferta da OPEP+ (Organização dos Países Exportadores de Petróleo, incluindo outros produtores que não são membros oficiais) que decidiu em abril um corte à produção diária em resposta à queda superior a 35% nos preços petrolíferos desde o pico do ano anterior. É dado especial destaque à Arábia Saudita — o maior exportador mundial de crude — que anunciou cortes adicionais, impulsionando ainda mais o preço do petróleo no mercado.

O preço do petróleo poderá efetivamente manter a tendência de subida nos próximos meses, refletindo assim a expetativa que a OPEP+ tem numa economia resiliente que, face às taxas de juro estarem perto do seu pico, vê as perspetivas de crescimento melhorar.

Ângelo Custódio, trader do banco Best

Segundo a análise do trader banco Best, a tendência de subida deverá manter-se nos próximos meses face à decisão da OPEP+ e dos seus “aliados” de prolongarem “uma agressiva restrição do lado da oferta até ao outono”. Ainda assim, essa subida não deverá tocar os máximos de 2022, altura em que a cotação do Brent transacionou nos 120 dólares, nem tão pouco o teto de 2008, “quando o barril de crude atingiu os 146 dólares”, detalha Ângelo Custódio.

Os valores poderão, contudo, aproximar-se dos três dígitos. Numa nota de análise, o banco neerlandês ING prevê que o barril do Brent atinja uma média de 86 dólares por barril por dia até setembro, e valorize até aos 92 dólares por barril até ao fim do ano. E, partindo do pressuposto que a OPEP+ mantém os seus objetivos de produção planeados até ao próximo ano, o preço médio do barril de Brent deverá fixar-se nos 90 dólares do barril por dia no próximo ano.

A evolução do preço do petróleo não se reflete, porém, apenas no preço dos combustíveis a nível nacional. À semelhança do que aconteceu em 2022, na sequência da guerra na Ucrânia, o petróleo é um dos principais drivers na evolução da taxa de inflação. Em julho, a taxa de inflação em Portugal fixou-se nos 3,1% à boleia da descida dos preços dos alimentos. Mas há um ano, quando a inflação se encontrava nos 9%, em termos anuais, os preços da energia foram dos principais responsáveis. “Por norma, sempre que os combustíveis aumentam, a generalidade dos restantes bens acompanha a evolução devido aos custos de produção e transporte, com óbvio impacto negativo na economia”, salienta o trader do banco Best.

Para já, não se sabe qual será o impacto que o preço do petróleo terá na rota da inflação (que tem assumindo uma tendência de abrandamento), mas Filipe de Vasconcelos Fernandes antecipa que esta evolução não passará despercebida nos rendimentos das famílias. “O vetor petróleo ainda é (e será) absolutamente decisivo para a generalidade dos setores da atividade económica, tendo efeitos colaterais a praticamente todos os níveis, em especial, a propensão para o consumo e a relação óbvia com a poupança”, aponta.

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