Banco de Portugal e CMVM em alerta com os novos tipos de fraude com IA
Supervisores financeiros ainda não tiveram conhecimento de fraudes ou burlas recorrendo à IA generativa, incluindo 'deepfakes', mas o fenómeno está a ser acompanhado de perto, garantem.
Os supervisores financeiros em Portugal estão atentos ao aparecimento de novos tipos de fraudes que recorrem às capacidades mais avançadas da inteligência artificial (IA) generativa. Porém, até ao momento, nem o Banco de Portugal nem a CMVM tiveram conhecimento de tentativas de burla em que tivesse sido usado esse tipo de tecnologia.
Os burlões estão em constante adaptação, em busca das melhores formas de enganarem as suas vítimas. As mensagens de texto são um meio frequente para levar os mais desprevenidos a transferirem dinheiro ou a cederem dados pessoais, mas, este ano, estão a surgir relatos ao nível internacional de burlas muito mais sofisticadas, dignas de um filme de ficção científica.
Recentemente, a Bloomberg noticiou que já é possível, por exemplo, criar um programa informático — que utiliza técnicas chamadas deepfakes — capaz de imitar a voz de uma criança ou adolescente com tal precisão que nem os respetivos pais são capazes de identificar o logro. Por isso, o interesse dos burlões nestes novos métodos de fraude não deverá deixar muita gente surpreendida.
A alimentar esta tendência está o renovado entusiasmo na IA desde o surgimento do ChatGPT no final do ano passado. O programa, criado pela OpenAI, uma empresa privada, é capaz de criar texto como se tivesse sido escrito por um humano. Mas também existem soluções capazes de gerar outros tipos de conteúdos, tais como imagens e áudio. Fica mais difícil protegermo-nos quando nem podemos acreditar no que veem os nossos próprios olhos ou no que ouvem os nossos próprios ouvidos.
Se já chegou cá, essa tendência ainda não apareceu no radar dos supervisores financeiros, mas nem por isso estão alheios ao que já se está a passar lá fora. Fonte oficial do Banco de Portugal diz ao ECO que “não se identifica um aumento expressivo de fraudes financeiras com recurso a este tipo de tecnologias”, mas admite que as “capacidades” da IA generativa “também podem ser exploradas para fins ilícitos”.
“O Banco de Portugal, em permanente contacto e colaboração com outras autoridades nacionais, acompanha esta tendência com o objetivo de identificar antecipadamente riscos e ameaças para o setor. Esta abordagem tenta equilibrar os pratos da balança, uma vez que se verifica uma tendência crescente de partilha de informação entre os atores maliciosos que procuram novas estratégias de fraude, criando mercados paralelos como é o caso do FraudGPT”, diz a mesma fonte.
O FraudGPT é uma suposta plataforma disponível na internet cuja finalidade é gerar conteúdo para facilitar ciberataques, de acordo com o site Hackernoon. Numa comparação mais tosca, pode ser encarada como o “primo” malcomportado do ChatGPT.
Assim, o Banco de Portugal “mantém-se atualizado de forma contínua sobre novas ameaças à estabilidade do sistema financeiro” e sabe que “a utilização de imagens, vídeos e voz falsas, mas realistas, recorrendo à tecnologia de IA generativa, é uma forma de grupos criminosos tentarem ultrapassar controlos de segurança implementados pelas instituições financeiras”.
“A criação destes artefactos multimédia tem ganho destaque especialmente através da sua divulgação em redes sociais, por vezes recorrendo à imagem e voz de personalidades internacionais e com grande reconhecimento público. A sua utilização com o objetivo de cometer fraudes financeiras é uma ameaça que o Banco de Portugal inclui nas suas preocupações e atuação diária, no cumprimento do papel de supervisor”, assegura, referindo, contudo, que “o nível de fraudes e burlas com instrumentos de pagamento apresenta valores muito baixos em Portugal”.
A utilização [da IA generativa] com o objetivo de cometer fraudes financeiras é uma ameaça que o Banco de Portugal inclui nas suas preocupações e atuação diária.
A Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), que regula os mercados financeiros em Portugal, também não tem conhecimento de casos de burla ou tentativas de fraude recorrendo à IA generativa em Portugal: “Não é visível um aumento de fraudes relacionadas com instrumentos financeiros ou atividades sujeitas a supervisão da CMVM como resultado da utilização de IA generativa.”
Concretamente sobre o uso de programas como aqueles que permitem gerar a voz de outra pessoa — os deepfakes –, fonte oficial da CMVM sublinha ao ECO que “até ao momento não têm chegado ao conhecimento” do regulador “denúncias de fraudes relacionadas com a utilização de deepfakes“. “Existem, no entanto, relatos de situações de publicidade enganosa e notícias falsas sobre serviços financeiros com a utilização da imagem de figuras públicas sem o seu conhecimento”, revela.
“A sofisticação ao nível da fraude, objeto de denúncia à CMVM, tem sido ao nível da captação do ‘cliente’ (alvo da burla), com recurso a técnicas agressivas de marketing online (websites, entidades fictícias, notícias fictícias, publicidade em redes sociais, etc.) e de contacto (email, telefone) com o objetivo de realização de, pelo menos, uma primeira transferência de fundos para alegados investimentos nos mercados financeiros”, explica a mesma fonte.
E continua: “Após este primeiro momento, tendem a ser apresentadas ao ‘cliente’ uma série de operações fictícias, de forma a criar a perceção de que os alegados investimentos geram ganhos, incitando à entrega de montantes adicionais. Como referido anteriormente, não existe visibilidade de uma sofisticação das técnicas de fraude com recurso à tecnologia de inteligência artificial generativa.” Ainda assim, alguns desses conteúdos podem, já hoje, ser gerados em escala com recurso a programas como o ChatGPT.
Em maio, foi notícia nacional que a ministra da Agricultura, Maria do Céu Antunes, e o ex-presidente do Tribunal Constitucional, João Caupers, terão sido vítimas da burla de WhastApp conhecida por “Olá mãe/Olá pai”: o atacante fez-se passar por um filho e pede uma transferência de dinheiro. Com o avanço da IA generativa, as próximas burlas poderão não chegar por SMS, mas sim por videochamada ou chamada telefónica.
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