Ucrânia é o novo tema em agenda, mas estagnação económica será o foco do Conselho de Estado

  • Joana Abrantes Gomes
  • 5 Setembro 2023

Marcelo já tem o discurso escrito para concluir a reunião "interrompida" em julho. Costa põe fim ao silêncio do período de férias, marcado pelo veto ao Mais Habitação e à estagnação da economia.

Depois de o Conselho de Estado em finais de julho ter terminado sem a intervenção do primeiro-ministro e do Presidente da República, foi convocada para esta terça-feira uma nova reunião para dar sequência à conversa iniciada antes das férias. A Ucrânia será mais um tema em debate, mas, neste último mês e meio, adensaram-se as questões discutidas no primeiro take do encontro: o Mais Habitação foi “rasgado”, a economia portuguesa estagnou, a Zona Euro vive sob a ameaça de mais subidas de juros e Marcelo mostrou-se, ao lado de Zelensky, um firme defensor da adesão da Ucrânia à União Europeia e à NATO.

Cerca de quatro horas e meia, no dia 21 de julho, não foram suficientes para os conselheiros do Palácio de Belém chegarem a uma conclusão sobre a “situação económica, social e política” do país, marcada sobretudo pelo rescaldo da crise política de maio que deixou António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa de costas voltadas. A viagem do Chefe do Governo para a Nova Zelândia, onde ia assistir ao jogo inaugural da seleção portuguesa no mundial de futebol feminino, causou a interrupção do encontro.

Esta terça-feira decorre, por isso, uma espécie de segunda parte da reunião de julho, que o Presidente da República justificou com o facto de ter ficado “pendente” uma intervenção do primeiro-ministro e a sua própria “de fecho”. O Observador noticiou, já neste mês, que António Costa defendeu na altura a necessidade de novas regras nas buscas judiciais a partidos políticos e de clarificar a lei de financiamento dos partidos, na sequência da operação desencadeada pela Polícia Judiciária à casa do ex-líder do PSD, Rui Rio.

Porém, Marcelo não esperou para acabar de ouvir Costa, tendo revelado que já escreveu as suas declarações finais. “Não vou dizer aqui o que vou dizer lá, mas numa reunião toma-se nota e escreve-se a intervenção. Está escrita há muito tempo“, afirmou, na passada quinta-feira, antes de inaugurar a Festa do Livro, no Palácio de Belém.

O Chefe de Estado aludiu também à oportunidade de o líder do Executivo poder intervir, um direito que todos os conselheiros têm. “O Conselho de Estado tem dois pontos: a intervenção do primeiro-ministro, se quiser tê-la, não teve oportunidade, e a do Presidente da República, que normalmente faz uma intervenção tendo em linha de conta os conselheiros e o ponto da situação“, disse.

O segundo ponto do encontro será a Ucrânia, que “também é importante do ponto de vista do condicionamento da evolução não só política, mas económica e social”, acrescentou. Marcelo visitou o país ainda em agosto, onde defendeu como certa e prioritária a adesão da Ucrânia à União Europeia e à NATO, uma posição mais firme que a de António Costa aquando da sua ida a Kiev e reconhecida, aliás, pelo próprio Presidente ucraniano.

“Eu encontrei-me com o primeiro-ministro. Hoje é a primeira vez que me encontro com o Presidente. Quando me encontrei com o primeiro-ministro, as coisas não foram muito fáceis, estávamos numa altura em que precisávamos dos países que realmente não acreditavam que haveria esta união na UE”, afirmou Zelensky, sublinhando que “as coisas vão mudando com o tempo”.

Certo é que, nos 45 dias que passaram desde a reunião anterior, o braço de ferro entre Belém e São Bento não parece ter aliviado. Pelo contrário. Marcelo Rebelo de Sousa protagonizou mais um momento de tensão entre os dois palácios, ao decidir vetar as leis mais polémicas do pacote Mais Habitação, nomeadamente a que regula o arrendamento coercivo por parte do Estado e as novas regras do alojamento local.

O veto presidencial ao pacote legislativo do Governo foi ignorado pelo primeiro-ministro, que deixou nas mãos do ministério da tutela o anúncio de que as medidas destinadas ao setor da habitação vão avançar quer Marcelo queira ou não, com o PS a fazer logo saber que vai confirmar o diploma “tal como ele está”. Ainda assim, no passado domingo, o Presidente deixou um alerta a um “caso não encerrado”: mesmo sendo obrigado a promulgar o diploma que vetou, há uma “segunda parte da história”, ou seja, a regulamentação.

Contudo, a maior preocupação do Chefe de Estado neste momento será a situação da economia nacional. Os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) mostraram um forte abrandamento no segundo trimestre do ano – o Produto Interno Bruto (PIB) registou uma variação nula em cadeia e cresceu 2,3% em termos homólogos, segundo a estimativa rápida publicada em 31 de julho.

Marcelo considera que existem “sinais internacionais que já começam a ser um bocadinho preocupantes“, em particular no que toca à inflação. Embora note que a inflação portuguesa está “muito melhor” face à da Zona Euro (4,3% em Portugal versus 5,3% na área da moeda única), há riscos devido aos países em que se mantém “alta”.

“O Banco Central Europeu (BCE) tem a pressão para aumento de juros e esperávamos uma folga em setembro. Vamos ver que outros números saem antes da reunião [do BCE], mas isso não são boas notícias para um milhão e 800 mil portugueses que têm contratos de crédito com a banca e olham para os juros a subir“, declarou, antes de ir ao encontro dos visitantes da Festa do Livro.

Outro tema que poderá marcar o novo encontro do órgão consultivo é a redução do IRS. A questão é uma das propostas centrais da reforma fiscal apresentada pelo PSD, em meados de agosto, na tradicional Festa do Pontal que marca a rentrée dos social-democratas. Mas o PS e a Iniciativa Liberal também têm projetos a apresentar nesta área, numa altura em que se antecipam as medidas que irão constar na proposta do Orçamento do Estado para 2024.

O Presidente da República chegou a dizer que existe folga orçamental para o fazer, embora reconheça que há riscos económicos. “Em Portugal, a inflação está a descer, mas não está no resto da Europa. O Estado está com as contas equilibradas e há folga para desagravar impostos. Vários partidos já falaram nisso, o Governo e a oposição. Em que termos, muito ou pouco, vai depender da evolução da economia”, disse.

Precisamente na última semana, o Ministério das Finanças divulgou a mais recente síntese de execução orçamental, que mostrou que as administrações públicas tiveram um excedente orçamental acumulado de 2.118 milhões de euros até julho, o que corresponde a uma melhoria de 1.546 milhões face ao ano passado. São sete meses consecutivos em que Fernando Medina consegue excedentes orçamentais, um feito inédito desde, pelo menos, 2014.

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