Procura por elétricos acelera mas ainda nem representa 1% da frota nacional

Já se vendem tantos elétricos como carros a combustão, mas a quota de mercado é ainda residual em Portugal. Utilizadores pedem redesenho dos apoios e operadores apelam a que haja menos burocracia.

A procura por carros elétricos em Portugal tem subido de forma exponencial nos últimos cinco anos, à boleia das apertadas metas europeias de combate às alterações climáticas. Este sábado, assinala-se o Dia Mundial do Veículo Elétrico.

Se recuarmos até 2017, as vendas de carros a bateria eram praticamente nulas em Portugal, mas hoje já igualam as vendas dos carros a combustíveis fósseis. Por exemplo, em agosto, foram matriculados 6.951 automóveis ligeiros eletrificados: destes, 3.068 eram carros 100% elétricos – uma subida de 160,4% face ao mesmo mês do ano passado – e 2.191 eram veículos plug-in – mais 125,9% face a agosto de 2022. Estes seis mil novos carros a circular representam um aumento de 58,7% quando comparado ao mesmo mês do ano passado. Mas agosto não foi exceção. Desde o início do ano, foram matriculados 60.793 novas unidades eletrificadas, uma variação positiva de 67,8% relativamente aos primeiros oito meses de 2022.

Os dados da Associação Automóvel de Portugal (ACAP) concluem assim que no conjunto dos veículos elétricos, as vendas de ligeiros de passageiros novos atingiu, em agosto, os 40,3% de quota de mercado, quase igualando a soma das vendas dos ligeiros de passageiros a gasolina e a gasóleo, que representam 40,97% do mercado.

A tendência deverá continuar a evoluir alinhada com as ambições do Governo que, em 2019, ambicionava chegar ao final da década com os veículos elétricos a representar 30% da frota nacional. Mas ainda existem “vários quilómetros” a percorrer, e parte disso prende-se com o facto de o parque automóvel nacional ser envelhecido. A idade média de circulação dos carros em Portugal é atualmente superior a 13 anos, e esse valor tem vindo a aumentar desde 2019, segundo os dados da Associação Europeia de Fabricantes de Automóveis (ACEA).

A ACAP indica que, no final do ano passado, existiam cerca de 5,5 milhões de automóveis ligeiros de passageiros a circular no país. Destes, 96,4% eram representados pelos carros a combustão interna: 37%, carros alimentados a gasolina e cerca de 60%, veículos a gasóleo. Já os híbridos convencionais e plug-in, e carros movidos a outras energias, como o GPL, representavam um total de 2,7%. Os restantes 0,9% são referentes aos elétricos.

“Começamos a ter uma venda de veículos elétricos muito recentemente, e hoje, embora esse volume seja residual, se recuarmos uns cinco anos ela era praticamente zero. Diria que é possível, e até necessário, chegar aos 30% da frota eletrificada, até porque a indústria automóvel tem obrigações comunitárias de descarbonização até ao final da década bastante ambiciosas”, aponta Hélder Pedro, secretário-geral da ACAP.

A acompanhar a evolução dos carros elétricos, está a rede de carregadores elétricos que, até 2017, encontrava-se “estagnada” e com “poucos carregadores”, e os existentes tinham pouca potência, o que resultava num período de carregamento mais demorado, recorda a Associação de Utilizadores de Veículos Elétricos (UVE) ao Capital Verde.

Hoje, existem cerca de 3.769 postos de carregamento na totalidade da rede nacional de carregamento, o que representa mais de 6.700 pontos — isto sem contar com os carregadores privados que estão instalados em casa ou nos locais de trabalho, indicam os dados da Mobi.E, entidade pública que agrega a grande maioria dos postos de carregamento disponíveis para utilização em todo país. Face ao ritmo de crescimento, até ao final do próximo ano a entidade prevê que a rede passe a contar com 10 mil pontos.

Esta evolução deveu-se a “vários fatores”, aponta a UVE. E enumera: a concessão dos carregadores da rede pública aos operadores privados de carregamento, a um aumento da oferta dos veículos elétricos por diferentes marcas e uma maior variedade de modelos, “assim como um aumento significativo das respetivas autonomias reais”.

Além do número de carregadores estar a crescer, também está a sua utilização que tem vindo a registar sucessivos recordes desde o início do ano. Segundo a Mobi.E, este ano, já se realizaram mais de 2,3 milhões de carregamentos. No acumulado anual, tal representa um aumento de cerca de 68% face ao meso período do ano passado.

Isto, na prática, representa uma subida de 83% no consumo de energia para um total superior a 40 terawatts-hora. Da parte da E-Redes é garantido que a rede elétrica “está preparada” para dar resposta aos atuais níveis de consumo, “uma vez que ela própria se vai adaptando e crescendo em função das necessidades do país”. De momento, indica a Mobi.E, a utilização da rede pública de carregamento em simultâneo “raramente” ultrapassa os 25% da totalidade existente, “pelo que está preparada para absorver o crescimento expectável de veículos 100% elétricos e plug-in“, assegura a entidade ao Capital Verde.

A evolução da rede, embora não esteja equitativamente distribuída pelo território — havendo uma maior disponibilidade no litoral do país, onde existe uma maior densidade populacional — permite reduzir a range anxiety, isto é, o receio de que a autonomia do veículo não seja suficiente para levar o condutor até ao destino final. Segundo a UVE, a autonomia de grande maioria dos carros elétricos no mercado já permite “facilmente” percorrer a área territorial do país, “de uma ponta à outra”, com até dois carregamentos.

“Hoje em dia, já conseguimos encontrar modelos elétricos de 11.000 euros com uma autonomia considerável. E também o mercado dos usados já começa a incorporar elétricos na oferta. No entanto, é necessário investir mais no interior e isto só acontecerá quando realmente o nosso parque automóvel estiver mais eletrificado”, considera Daniela Simões, CEO da startup portuguesa miio. A app, nascida em 2019, em Aveiro, tem permitido a utilizadores em Portugal, Espanha e França localizarem mais facilmente postos de carregamento e simularem os respetivos custos da utilização das tomadas, além de comparar preços, avaliar o estado da bateria e indicar soluções de carregamento adequadas ao veículo de cada utilizador. Hoje, soma mais de 220 mil utilizadores nos três mercados onde opera e, face à evolução do mercado de elétricos, as perspetivas de crescimento são “animadoras”.

Os resultados deste ano vão superar, sem dúvida, as previsões, especialmente naquilo que diz respeito à quota de mercado e à receita. Vamos ultrapassar o breakeven e esperamos continuar assim nos próximos anos”, indica a jovem gestora ao Capital Verde.

Equipa da Miio conta atualmente com 16 elementos, todos em trabalho remoto.DR

A evolução deverá ir de mãos dadas com o crescimento de outra empresa portuguesa: a Powerdot. A operadora de postos de carregamento prevê chegar aos 300 milhões de euros investidos na instalação e ativação de pontos de carregamento para veículos elétricos nos seis países onde está presente, até 2025. Ao todo serão 19 mil pontos. Mas esse valor até poderia ser mais elevado, não fosse a elevada burocracia, partilha o CEO da empresa, Luís Pinto.

“Se eu quiser instalar um carregador, eu não o consigo fazer numa semana. Todo o processo demora tempo. Existe alguma burocracia na parte da instalação dos carregadores para os veículos elétricos que dificulta, ou trava mesmo, a rápida instalação de carregadores para veículos elétricos. Desburocratizar é um passo em frente na aceleração dos carregadores”, partilha com o Capital Verde.

 

Utilizadores pedem redesenho dos apoios

A componente dos apoios públicos à compra de carros elétricos desempenha um papel importante na aceleração da mobilidade “verde”.

Nascido em 2017, através do Fundo Ambiental, o programa de incentivos veio permitir a muitos cidadãos e empresas adquirir um veículo ligeiro de passageiros ou de mercadorias elétrico, recebendo um incentivo de 4.000 euros para os particulares e 6.000 euros para as empresas, ficando isentas do pagamento do IVA. Mas atualmente, além de serem insuficientes, já são desadequados face à procura existente. O Governo já admitiu estar em cima da mesa a possibilidade de substituir o incentivo à compra de automóvel elétrico por medidas que permitam uma redução dos custos de carregamento. Mas tanto o setor como os utilizadores já se manifestaram contra a decisão, urgindo um redesenho dos apoios.

“A tecnologia dos veículos elétricos tem ainda um valor muito superior à dos motores a combustão, que já tem muitos anos de produção. Sem o apoio devido do Estado, sobretudo no caso dos particulares, muitas pessoas ficam excluídas da mobilidade elétrica e não as podemos excluir”, considera Hélder Pedro, secretário-geral da ACAP.

As palavras são subscritas pela UVE, que considera um possível fim aos apoios como uma medida que “vai contra tudo” aquilo que esperavam. “Manter este conjunto de Incentivos e benefícios, e nalguns casos aumentá-los para serem ainda mais abrangentes e permitirem a um número cada vez maior de cidadãos adotarem a mobilidade elétrica, é sem dúvida o caminho a seguir”, vincam. Mas, para já, não existem indicações de que esse seja o rumo a seguir pelo Governo.

Este ano, os apoios à mobilidade elétrica não só chegaram mais tarde, face aos avisos lançados anteriormente, como esgotaram a dotação disponível mais cedo do que previsto. Segundo o Ministério do Ambiente e da Ação Climática, a dotação dos 10 milhões de euros disponibilizados para apoiar os consumidores na compra de um veículo elétrico, bicicleta ou carregadores foi ultrapassada “muito cedo”. O aviso deste ano foi lançado em maio e as candidaturas estão abertas até ao dia 30 de novembro. Mas até à passada quinta-feira, 7 de setembro, já tinham sido submetidas 13.393 candidaturas que representam um total de cerca de 16 milhões de euros.

Apesar do programa ter nascido inicialmente como apoio aos veículos, a procura por bicicletas eletrificadas foi aquela que registou maior interesse no aviso deste ano, tendo acumulado um total de 5.542 candidaturas, ainda que só estivessem disponíveis inicialmente 4.550 pedidos. Só esta tipologia representa cerca de 2,2 milhões do total da verba disponível.

Depois dos motociclos, ciclomotores, triciclos, quadriciclos, surgem os veículos elétricos como a terceira tipologia mais procurada. Para este tipo de apoio foram disponibilizados 5,2 milhões de euros que se traduzem em 1.300 pedidos. Até à passada terça-feira, foram submetidas 2.509 candidaturas.

“Os apoios foram criados numa altura em que as vendas eram residuais. Em 2018, venderam-se duas mil unidades. Só até agosto deste ano foram 22 mil novos carros ligeiros de passageiros. É um apoio que está desatualizado“, considera Hélder Pedro.

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