Prova principal do processo CMEC/EDP vai para o lixo. E agora, o que acontece?

Centenas de milhares de emails vão agora para o lixo e não podem ser usados como prova. Ministério Público vai ter mais dificuldade em sustentar uma acusação. Processo pode não chegar a julgamento.

O Ministério Público foi confrontado quinta-feira com uma decisão nada favorável ao trabalho feito neste últimos 11 anos, relativo ao processo CMEC/EDP — na parte que envolve António Mexia e Manso Neto — quando o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), num acórdão de fixação de jurisprudência, considerou que a apreensão de emails só pode ser feita com autorização de um juiz de instrução criminal.

Esta decisão pode pôr em causa todo o processo – que está em investigação há 11 anos e que ainda não teve uma acusação –, já que as principais provas recolhidas que sustentavam uma eventual acusação pelo Ministério Público diziam respeito a emails trocados entre António Mexia, ex-presidente da EDP, e Manso Neto, antigo administrador da empresa. Emails que agora não vão poder ser utilizados por Carlos Casimiro e Hugo Neto, os magistrados do Ministério Público titulares do processo.

O que é uma decisão de fixação de jurisprudência?

Um acórdão de uniformização de jurisprudência é uma decisão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) que tem por objetivo, em nome da segurança jurídica, pôr termo a uma divergência ou contradição entre acórdãos proferidos por este Tribunal ou pelos Tribunais da Relação, sobre a mesma questão. E vale quase como lei: a partir desta decisão tomada pelos juízes conselheiros do Supremo, os juízes do Supremo e da Relação terão sempre de decidir nesse sentido.

E não é de todo possível ao Ministério Público recorrer desta decisão. O ECO sabe que esta decisão deixou um mau estar significativo no interior da estrutura do Ministério Público. Contactada pelo ECO, fonte oficial da PGR não quis responder às questões colocadas sobre a decisão e quais poderão ser os próximos passos dos procuradores.

João Manso Neto e António Mexia

O que acontece, em concreto, ao que ‘sobra’ do processo?

A questão que preocupa os magistrados do Ministério Público prende-se com o facto de uma parte muito preponderante da prova recolhida contra António Mexia, João Manso Neto, Manuel Pinho, João Conceição e Miguel Barreto assentar, nas respetivas caixas de correio eletrónico. Embora não seja a única: existe também prova testemunhal e prova documental. Mas que é muito menos.

Segundo vários advogados contactados pelo ECO/Advocatus e um magistrado do Ministério Público, o MP terá agora de analisar o conteúdo do acórdão para decidir os próximos passos. Qual a prova que vale e pode ficar, e que pode ser usada numa eventual acusação, e qual a que terá de ser descartada.

Mais ainda quando há a possibilidade da prova documental e testemunhal estar relacionada com material constante dos referidos emails, ficando, deste modo, contaminada pelo chamado efeito à distância das proibições de prova. Mas o ECO sabe que em causa estão centenas de milhares de emails que serão agora deitados para o lixo. Tornando assim mais longe que o Ministério Público consiga sustentar uma acusação. E, mesmo que o faça, e havendo uma abertura de instrução, poderá, nessa fase, cair logo o processo, não chegando sequer a julgamento.

Para já, o acórdão terá de baixar ao Tribunal da Relação de Lisboa, às mãos de Rui Teixeira, que decidiu e que agora terá de fazer um novo acórdão, que vá ao encontro do que definiu o STJ. Depois disso, o processo terá de ir ao novo juiz de instrução criminal para fazer cumprir o acórdão da Relação. É mais que certo que o que aconteça será a destruição do correio eletrónico apreendido.

O que disse o Supremo Tribunal de Justiça?

A dúvida que atrasou o processo EDP/CMEC referia-se à competência para apreender emails já abertos: se era do Ministério Público ou do juiz de instrução. O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) acabou por decidir, por unanimidade, que o Ministério Público deveria ter pedido autorização ao juiz de instrução.

Isto porque, após decisões contraditórias do Tribunal da Relação de Lisboa, a defesa de Mexia e Manso Neto, a cargo de João Medeiros e Rui da Costa Pereira, decidiram avançar para o STJ. Uma das decisões considerava que os emails, que se encontram armazenados num sistema informático, só poderiam ser apreendidos com um despacho do juiz de instrução. Outra decisão sublinhava que o juiz de instrução só pode apreender os emails quando estes não tenham sido abertas pelo destinatário, podendo o Ministério Público apreender os mesmos.

Agora, o STJ, vem dizer que compete ao juiz de instrução criminal “ordenar ou autorizar a apreensão de correspondência eletrónica, ou de outros registos de natureza semelhante, independentemente de estarem abertas (lidas) ou fechadas (não lidas)”, diz o texto dos juízes conselheiros. Uma decisão que foi tomada por unanimidade pelos 15 juízes.

Os advogados de defesa, João Medeiros e Rui da Costa Pereira, elogiam “o facto de esta decisão do Supremo Tribunal de Justiça representar a afirmação, do mais alto Tribunal do país, da salvaguarda dos direitos fundamentais dos cidadãos e do reconhecimento de que essa tarefa é, e está exclusivamente adstrita, na fase de inquérito, ao juiz de instrução criminal”. E “enaltecer a expressão incontestável e pacificada destes princípios constitucionais, traduzida na proclamação unânime de todos os 15 juízes conselheiros que integram o plenário das secções criminais do Supremo, entre os quais estão, aliás, e em parte considerável, magistrados do Ministério Público de carreira e que com total independência votaram unanimemente esta decisão, que contraria a solução preconizada pela Procuradoria-Geral da República. Uma decisão que, também, se une à jurisprudência recente e estabilizada do Tribunal Constitucional, que pendia, precisamente, para a mesma posição. Uma decisão de aplaudir”.

Processo EDP dividido. Mexia e Manso Neto ‘separados’ da acusação de Pinho e Salgado

Em dezembro do ano passado, o processo — originalmente chamado de processo EDP — foi dividido em dois. Assim, a parte que respeitava aos arguidos António Mexia, ex-líder da EDP e a João Manso Neto, passou a ser o processo EDP/CMEC. Nele, está ainda Manuel Pinho, mas pelas decisões que tomou enquanto governante e que terão beneficiado a EDP, no caso relativo a novos 32 mecanismos de Custos de Manutenção de Equilíbrio Contratual (CMEC).

Já o ‘segundo’ processo refere-se à acusação deduzida nesse mês de 2022, contra Manuel Pinho, Ricardo Salgado e Alexandra Pinho. E que está agora já em fase de julgamento. Em causa estão crimes de corrupção passiva, fraude fiscal e branqueamento de capitais. A acusação conta com 574 páginas e revela que Salgado e Pinho foram acusados de dois crimes de corrupção: ativa no caso de Salgado e passiva no caso de Pinho e de branqueamento de capitais. Aos crimes de Pinho junta-se ainda o crime de fraude fiscal.

O ex-ministro da Economia e arguido no julgamento do processo EDP, Manuel Pinho, à chegada para o início do julgamento no Campus de Justiça, em Lisboa, 10 de outubro de 2023.ANTÓNIO PEDRO SANTOS/LUSA

Esta acusação sublinha que, desde 1994, Manuel Pinho, ex-ministro de Economia do Governo socialista de José Sócrates, recebeu do “saco azul” do GES um montante mensal de cerca de 15 mil euros – e meio milhão de euros de uma só vez, em maio de 2005, o qual não foi por si declarado até julho de 2012. Ou seja, durante 18 anos. E sublinham que este funcionava não só como um “mero informador mas, sobretudo, um verdadeiro agente infiltrado do BES/GES no Governo da República”.

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