Lítio e hidrogénio fora do despacho do Ministério Público. Apenas data center levou à detenção de arguidos

Afinal, os negócios do Lítio e do hidrogénio ficaram fora do despacho de indiciação do DCIAP, que o ECO consultou. Suspeitas de corrupção e tráfico de influências referem-se ao data center de Sines.

Na terça-feira, foram conhecidas buscas à residência oficial do primeiro-ministro e diversas buscas e detenções de ex e atuais membros do Governo levadas a cabo pela PSP. Em causa estariam negócios relacionados com a área de energia. O dia acabou com o pedido de demissão do primeiro-ministro de António Costa.

Diogo Lacerda Machado foi detido, tal como o chefe de gabinete de António Costa, Vítor Escária, e ainda Nuno Mascarenhas, Afonso Salema e Rui Oliveira Neves, numa investigação que visaria os casos dos negócios do lítio, do hidrogénio e do centro de dados em Sines, chamada de “Operação Influencer”. Nesse mesmo dia, foram ainda constituídos arguidos o ministro João Galamba e Nuno Lacasta, presidente da Agência Portuguesa do Ambiente (APA).

Em causa estariam alegadas “irregularidades” em investimentos em projetos de exploração do lítio, hidrogénio e da construção de um data center, que podem ter superado os 1.000 milhões de euros.

Existiriam três frentes sobre as quais incidem esta investigação: duas concessões de lítio – um das minas do Romano, em Montalegre, e outra na mina do Barroso, em Boticas; um projeto de hidrogénio, em Sines e um projeto de centro de dados de Sines da Start Campus.

No entanto, segundo o despacho de indicação do DCIAP, que o ECO consultou, os factos que podem vir a ser crime reportam-se apenas à exploração do hidrogénio e consequente construção do data center da Start Campus, em Sines.

A Start Campus, da qual fazem parte da administração dois dos visados e detidos no processo, tem sede em Sines e dedica-se a energias renováveis e à construção de ecossistemas verdes, tais como a exploração de hidrogénio. A empresa está a finalizar a construção do primeiro de nove edifícios alimentados a 100% por energias renováveis a instalar até 2028 em Sines. A Start Campus é controlada pelos fundos Davidson Kempner e Pioneer Point Partners, sendo Diogo Lacerda Machado consultor deste último.

Ou seja, o MP acredita que o amigo de Costa foi contratado pelos investidores da Start Campus e depois diretamente pela empresa, através do CEO Afonso Salema, para “aproveitar” a relação que tinha como o primeiro-ministro e com Vítor Escária. O objetivo era pressionar o Governo e entidades como o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas e o autarca de Sines para acelerar e dar seguimento a assuntos de interesse da Start Campus, como o megaprojeto para a construção de um grande centro de armazenamento de dados digitais.

O projeto Sines 4.0 é um dos quatro negócios ligados ao setor da energia investigados neste inquérito. Ligado a ele está a exploração das duas minas de lítio e o projeto de hidrogénio em Sines.

As concessões de lítio

Um dos projetos que estaria em causa é da autoria da empresa Lusorecursos, que se propõe a explorar a mina do Romano, em Montalegre, da qual pretende extrair lítio, mas não só. O projeto mais alargado prevê a construção de uma refinaria de lítio no local e de uma fábrica de reciclagem de baterias, a qual poderia extrair lítio usado e voltar a refiná-lo. Além disso, sendo que a extração de lítio implica também a extrações de outros materiais usados na indústria cerâmica, a Lusorecursos vê espaço para a criação de uma fábrica de cerâmica. Mas nada no despacho de quase 130 páginas é referido em relação a este negócio.

Projeto do hidrogénio

Por outro lado, estariam em causa negócios ligados ao hidrogénio verde, que entrou na agenda mediática e económica em 2020, ano em que foi anunciado um megainvestimento de 1,5 mil milhões de euros nesta área, no âmbito do projeto H2Sines. O objetivo era “implementar um cluster industrial de produção de hidrogénio verde, com base em Sines” e “vocação exportadora”, escrevia na altura a EDP, em comunicado, no qual anunciava avançar em parceria com a Galp, a Martifer, a REN, a Vestas e diversos parceiros europeus. Mas também, no mesmo despacho, não há referência a provas neste contexto.

Este foi um dos projetos selecionados pelo Governo para candidatar ao estatuto de IPCEI (’Important Project of Common European Interest’, ou Projeto Importante de Interesse Comum Europeu), tal como avançou na altura o Expresso.

Centro de dados em Sines

E é este projeto que engloba a maior parte dos factos imputados aos principais arguidos. O centro de dados Start Campus, igualmente contemplado nas investigações que agora decorrem. Um complexo de nove edifícios, apoiado em 495 megawatts (MW) de potência, num investimento global de cerca de 5,7 mil milhões de euros. Uma das últimas comunicações presentes no site da empresa, dá conta que o primeiro edifício da Start Campus deveria começa a “operar parcialmente” em outubro, estando a decorrer o licenciamento para a segunda fase do projeto.

Envolta no data center estão suspeitas da alegada prática dos crimes de corrupção ativa e passiva de titular de cargo político, prevaricação, recebimento indevido de vantagem, entre outros.

O favorecimento no centro de dados está ligado com a dispensa de procedimento de uma Análise de Impacto Ambiental relativamente à primeira fase do projeto, bem como em relação à Declaração de Impacto Ambiental favorável com condições. Para o MP, estes procedimentos não cumpriram a lei. Alegadamente, Galamba, Duarte Cordeiro, ministro do Ambiente, e Lacasta fizeram um favor à Start Campus.

Também sobre Nuno Mascarenhas recaem suspeitas de que tenha alegadamente favorecido a empresa em diversos projetos urbanísticos relacionados com o data center.

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