Desemprego sobe há quatro meses, mas economistas afastam rutura do “dique”

Desde julho que o número de desempregados no IEFP está a subir. Economistas não estão surpreendidos, tendo em conta o abrandamento da economia. Veem novos agravamentos (ainda que limitados) em 2024.

Apesar das provas de resiliência já dadas pelo mercado de trabalho português, desde o verão que o número de desempregados inscritos nos centros do Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) está a aumentar. Com duas guerras em curso no globo e a economia nacional a abrandar, os economistas não estão surpreendidos. E já apontam para novos aumentos em 2024, embora o Governo esteja a contar com estabilidade. O risco de rutura desse “dique”, nas palavras do Governo e do Banco de Portugal, não é, pelo menos por agora, significativo.

“Com a queda do Produto Interno Bruto (PIB) no terceiro trimestre e debilidade em outubro, é natural esperar uma deterioração do mercado de trabalho. Estes valores não são surpreendentes“, sublinha Pedro Braz Teixeira, economista que lidera o gabinete de estudos do Fórum para a Competitividade.

Esta semana, o IEFP deu a conhecer os dados do desemprego registados em outubro e verificou-se um agravamento em cadeia pelo quarto mês consecutivo [ver tabela abaixo].

Há quatro meses que desemprego registado está a subir

Fonte: IEFP

Depois de subidas de 2,3%, 3,9% e 1,6% em julho, agosto e setembro, respetivamente, em outubro estivavam inscritos 303.356 desempregados nos centros do IEFP, mais 3.243 do que no mês anterior, o equivalente a um aumento de 1,1%.

Já em comparação com o desemprego registado há um ano, verificou-se um agravamento de quase 5%, estando em causa mais 14 mil novos desempregados face ao universo contabilizado em outubro de 2022.

Apesar desses agravamentos consecutivos, Pedro Braz Teixeira não parece alarmado. Antes, faz questão de lembrar que no verão do ano passado (em julho) o número de desempregados inscritos tinha atingido o valor mais baixo em duas décadas, o que pode estar agora a causa um “efeito de base significativo“.

E também Tiago Sequeira, professor da Universidade de Coimbra, não sinaliza estar preocupado com esta evolução dos dados registados pelo IEFP, sublinhando que a medida oficial é a divulgada pelo Instituto Nacional de Estatística. E esta tem conservado a estabilidade como tendência, embora seja “expectável que ao abrandamento da atividade económica nos dois últimos trimestre de 2023 corresponda um aumento do desemprego” medido pelo gabinete de estatísticas, admite o economista.

Estabilidade em 2024? Economistas mais inclinados para agravamento do desemprego

Apesar de não estarem alarmados quanto à evolução recente do desemprego registado, tanto um economista como outro concordam que o próximo ano poderá ser menos tranquilo do que o esperado pelo Governo.

Na proposta de Orçamento do Estado para 2024, o Executivo projeta uma taxa de desemprego de 6,7% para 2024, valor idêntico ao deste ano. Mas os economistas acreditam que poderão estar agravamentos (ainda que limitados) no horizonte.

“As previsões do governo ficaram desatualizadas com a guerra em Israel e pela própria queda do Executivo. É mais razoável que haja uma subida da taxa de desemprego, embora limitada“, antecipa o responsável do Fórum para a Competitividade.

Aliás, Pedro Braz Teixeira identifica a indefinição política e a guerra como principais riscos para o mercado de trabalho, já que, se houver um alastramento do conflito, os preços da energia irão aumentar e o Banco Central Europeu (BCE) poderá ver-se “obrigado” a voltar a subir as taxas de juro, agravando o abrandamento das economias europeias. Tiago Sequeira concorda e aponta para um crescimento “ligeiro a moderado do desemprego” em 2024.

A estas vozes juntam-se a de João Cerejeira, professor da Universidade do Minho, e de Pedro Martins, professor da Universidade Nova de Lisboa.

“É de esperar que o desemprego continue a crescer nos próximos meses, nomeadamente pela diminuição de novas contratações e pela não renovação de contratos a termo. Não sendo um cenário de catástrofe (longe disso), é um cenário que merece atenção“, antevê o primeiro. “Há claramente nuvens negras no horizonte. A incerteza política nacional, os conflitos internacionais, as previsões de crescimento mais baixo são tudo fatores que apontam para o aumento do desemprego“, confirma o segundo.

Com o Governo prestes a cair, João Cerejeira salienta que essa crise afetará as perspetivas do mercado de trabalho, “principalmente na componente do investimento público“. E acrescenta como riscos a retração da procura externa, o elevado preço da habitação — o que prejudica a mobilidade da força de trabalho, fator especialmente relevante num mercado caracterizado por falta de mão de obra adequada — e a manutenção da carga fiscal sobre o trabalho elevada, o que “retira capacidade às empresas de competirem por quadros técnicos em profissões com mercado global”.

Também Pedro Martins, que foi secretário de Estado do Emprego, identifica a concorrência de empresas estrangeiras junto dos trabalhadores como um dos maiores obstáculos colocados aos empregadores nacionais. “Tanto via emigração como trabalho remoto a partir de Portugal”, detalha.

Mercado de trabalho será dique ou primeira peça do dominó?

ANDRÉ KOSTERS/LUSAANDRÉ KOSTERS/LUSA

Apesar das incertezas e de todos os desafios, de modo global, o mercado de trabalho português tem conseguido um bom desempenho até agora: o emprego tem crescido e o desemprego continua próximo dos níveis mais baixos já registados. Tanto que o governador do Banco de Portugal considerou-o “o ponto-chave que ditará o sucesso do ajustamento” da economia, após o período de elevada inflação e quando se sentir o efeito total da política monetária.

Continuará a funcionar como um dique para conter as tensões que se vão criando em todas as dimensões da economia ou vai ser primeira peça do dominó e gerar uma aterragem que não seja aquela com que contamos?”, questionou Mário Centeno.

Ora, apesar dos dados negativos do IEFP, das previsões de agravamento do desemprego e até do disparo dos trabalhadores em layoff — isto é, com contratos de trabalho suspensos ou horários de trabalho reduzidos –, os economistas acreditam que esse dique não está, por agora, em grande risco de rutura.

Surgem algumas fissuras no dique que podem evoluir para uma situação mais preocupante, nomeadamente se as economias europeias, nomeadamente (Espanha, França e Alemanha) não recuperarem no próximo ano.

João Cerejeira

Professor da Universidade do Minho

“A desaceleração da economia portuguesa está diretamente relacionada com a evolução da economia europeia, que, por sua vez, está dependente da conjuntura internacional. O abrandamento da economia chinesa e o conflito no médio oriente são os fatores com maior potencial desestabilizador para a economia e, em consequência, para o mercado de trabalho”, descreve Tiago Sequeira.

Mais assertivo, Pedro Braz Teixeira deixa claro: “o perigo de rutura do dique, neste momento, não parece significativo“. João Cerejeira também não vê esse perigo, mas assinala que “surgem algumas fissuras que podem evoluir para uma situação mais preocupante, nomeadamente se as economias europeias, nomeadamente (Espanha, França e Alemanha) não recuperarem no próximo ano”.

nuvens no horizonte, mas, a menos que expluda uma crise internacional, provavelmente não trarão uma tempestade demasiadamente severa.

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