Salgado já se perdeu na rua, saiu de pijama, confunde a irmã com a prima e não sabe bem o que se passa em Gaza. Conheça o estado atual do ex-líder do BES
Salgado deixou de conduzir, já se perdeu na rua e deixou de sair sozinho de casa há um ano. Relatório descreve estado atual do ex-líder do BES. Peritos independentes confirmam Alzheimer.
Ricardo Salgado chegou ao Instituto Nacional de Medicina Legal (INML) “lentamente” com a ajuda da esposa, “marcha titubeante e lenta com passos curtos”, com algum “alheamento contrastando com aparente à vontade”. Quando lhe é explicado da utilidade de um familiar estar presente na perícia, nomeadamente a sua esposa, de imediato refere que compreendeu e disse: “Fico-lhe muito grato por isso”, dirigindo um sorriso de afeto à sua mulher, Maria João Salgado.
A descrição consta do relatório dos três médicos peritos que avaliaram o ex-homem forte do BES, para comprovarem, através de uma perícia independente, se Salgado sofre da doença de Alzheimer.
Ricardo Salgado, ex-líder do Banco Espírito Santo (BES), sofre mesmo de Alzheimer, estando atualmente no segundo grau mais grave da doença, com “dependência de terceiros para algumas atividades básicas”, concluíram os peritos no relatório médico, a que o ECO/Advocatus teve acesso. Depois desta fase, passará para a “dependência total”, diz o documento assinado por um psiquiatra, um neurologista e um neuropsicólogo. Assim, a perícia confirma o que, até agora, foi alegado pela defesa de Ricardo Salgado nos diversos processos pendentes – como a Operação Marquês, caso BES e o processo EDP – e conclui que as declarações que Salgado possa fazer em tribunal estão comprometidas.
O mesmo documento — de quase 30 páginas — diz que Salgado começou a mostrar sintomas de demência em 2015, embora só tenha procurado ajuda médica em 2017. Em causa, à data, estavam queixas centradas na lentidão, na dificuldade em acompanhar os processos que tinha em tribunal, em responder às questões colocadas pelos advogados e no repetir-se incessantemente.
Salgado deixou de conduzir há cerca de dois anos, já se perdeu na rua, não tendo conseguido informar por telefone onde estava, pelo que deixou de sair sozinho de casa há um ano. Dentro da sua residência habitual orienta-se, mas em casa de férias precisa várias vezes de ajuda. Deixou de tomar conta do dinheiro e das contas da casa, gerindo unicamente pequenas somas — o que chamam de “dinheiro no bolso”.
Casado e pai de três filhos, Ricardo Espírito Santo Silva Salgado nasceu a 25 de junho de 1944. Conhecido como o banqueiro do regime, deixou a liderança do BES há nove anos. O domingo de 13 de julho de 2014 foi o último dia de Salgado à frente do BES, cuja presidência assumiu em 1991, após a reprivatização. Ricardo Salgado teve de abandonar mais cedo o seu mandato, que terminava em 2015, deixando assim a meio a reestruturação do grupo. Foi detido no final de julho de 2014, ficando sujeito a prestar uma caução de três milhões de euros. Um ano depois, foi-lhe aplicada a prisão domiciliária durante quatro meses.
O homem que em tempos foi chamado do ‘Dono Disto Tudo’, deixou de conseguir “utilizar aparelhos eletrónicos de forma eficaz, usa o telefone para atender chamadas, mas muitas vezes não consegue ligar a quem deseja, confunde alegadamente o comando da televisão com o telemóvel”. E precisa de ajuda para escolher a roupa apropriada, se não veste o que estiver mais à mão, tendo já saído de casa de “de calças e camisa de pijama”.
Após o pequeno-almoço, o próprio ex-banqueiro diz que vê televisão para se atualizar sobre “estas notícias malucas… dos tiros e dos muçulmanos, os árabes…”. Pedindo-se-lhe que desenvolva, dizem os médicos que não o consegue pormenorizar, verbalizando ainda assim que, “há verdadeiros assassinatos que se estão a passar, famílias inteiras…”, e “uns dizem que são os árabes, os outros dizem que são os do contra…”, não recordando a nação envolvida, mas ao ser-lhe dito, exclama, “israelitas claro…”.
Ao ser questionado sobre amizades, reporta: “Tive um período em que tive muitos amigos… mas, pelo andar da carruagem, os amigos vão sendo reduzidos… julgo que não têm tanto interesse em ver-me, atendendo à situação em que estou… e para mim também não é muito agradável”. Inquirido sobre a que ‘situação’ se refere, responde que é “a esta da perda de memória…”.
Sobre os casos em que está envolvido na Justiça, a mulher explica que “agora (já) não fala com os advogados”. Segundo a mesma, os advogados do seu marido dialogam sobretudo consigo pois “já não vale a pena… porque, de repente, ele deixou de colaborar… a certa altura”, diz Maria João Salgado. E salvaguarda que “os senhores advogados dantes iam frequentemente — há uns dois ou três anos — mas não na atualidade. Mas pelo menos o Francisco vai lá uma vez por mês, não sei precisar…”.
Em conclusão, os médicos Fernando Vieira, Camila Nóbrega e Henrique Barreto, confirmam que Salgado consegue manter atenção às perguntas, olhando sempre para a mulher antes de responder, está desorientado no tempo (mencionando estar em fevereiro) e no espaço (em Cascais), fornece dados autobiográficos de forma incorreta, errando a sua idade (diz ter 77 e não 79), não reconhece a data de nascimento do filho e fornece como atual morada a da sua mãe onde viveu há muitos anos. Afirma viver com uma prima Ana, que a esposa identifica como a própria irmã.
Referindo-se à memória mais recente, os peritos concluem que o examinado além de não conseguir “enunciar as partes envolvidas na guerra em Gaza”, “não consegue enunciar resultado do último jogo da sua equipa de futebol (o Benfica)”. Nomeia corretamente o Presidente da República, mas não consegue dizer o nome completo do primeiro-ministro. Nomeia corretamente quatro em cinco objetos comuns, repete palavras e frases sem erros e consegue ler e escrever sem erros.
A defesa do banqueiro tem vindo a insistir que, nos últimos dois anos, ao longo dos vários processos que envolvem o seu cliente – BES/GES, Marquês e caso EDP – que fosse pedida uma perícia médica independente ao INML, de forma a que se confirmasse a doença que foi diagnosticada pelo neurologista do ex-banqueiro. Os advogados Francisco Proença de Carvalho e Adriano Squilacce já tinham juntado aos autos o parecer do neurologista Joaquim Ferreira, que atestou “um diagnóstico final e definitivo”, confirmando que o antigo líder do Grupo Espírito Santo (GES) tem Doença de Alzheimer apresentando “um agravamento progressivo das limitações cognitivas e motoras”.
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