COP28 considera apenas eliminação dos subsídios aos fósseis. Portugal ainda os tem

A proposta mais recente de texto para as conclusões da COP28 deixou cair a referência ao fim dos combustíveis fósseis. Mantém-se de pé o fim aos subsídios.

A semana começou com a Cimeira do Global do Clima, a COP28, debaixo de fogo. A ambição de traçar um fim para o uso dos combustíveis fósseis aparece ameaçada na proposta redigida e publicada a esta data, na qual o termo “eliminação” subsiste apenas no que diz respeito aos subsídios aos combustíveis fósseis, embora, mesmo neste caso, com uma redação que enfraquece a meta. Neste último capítulo, Portugal é um dos países que ainda tem subsídios fósseis por eliminar e que pode ser chamado a agir mais rápido, consoante a proposta que vingue no final. Para já, o país afirma-se comprometido a eliminá-los até 2030.

O Parlamento Europeu levou a esta COP a proposta de que fossem eliminados “todos os subsídios, diretos e indiretos, aos combustíveis fósseis, assim que possível e o mais tardar até 2025”.

No rascunho do texto para a proposta final que foi conhecido na segunda-feira – e que desiludiu pela falta de ambição quanto ao fim dos combustíveis fósseis – está prevista, contudo, a eliminação dos subsídios fósseis “ineficientes”, que “encorajam o consumo e não respondem à pobreza energética e à transição justa”.

Esta proposta aparece no artigo 39, no qual se reconhece “a necessidade para reduções profundas, rápidas e sustentadas das emissões poluentes”. No entanto, o horizonte apontado para a concretização desta medida é vago: “tão brevemente quanto possível”.

Na visão de Francisco Ferreira, líder da organização não governamental Zero e que está a acompanhar a conferência a partir do Dubai, o facto de o texto referir a eliminação dos combustíveis fósseis “ineficientes” confere uma “margem inaceitável e incompreensível” no que toca à ação. O mesmo concede apenas que a eliminação do uso dos combustíveis fósseis – e dos subsídios que os promovem – deve dar-se a velocidades diferentes, sendo que os países mais desenvolvidos devem liderar a mudança. Aliás, a eliminação dos subsídios aos combustíveis fósseis é algo que já está determinado na política europeia, com objetivo de até 2030 não existir essa subsidiação, relembra.

Portugal, na sua Lei de Bases do Clima, assumiu o compromisso de eliminar os subsídios aos combustíveis fósseis até 2030. “Portugal pretende assegurar esta eliminação tão cedo quanto possível, focando as políticas públicas no combate à pobreza energética e na transição justa”, indica fonte oficial do ministério do Ambiente ao ECO/Capital Verde.

Em declarações ao ECO/Capital Verde, Filipe Vasconcelos Fernandes, assistente na Faculdade de Direito de Lisboa e Counsel na VdA especialista em fiscalidade da Energia, defende moderação no horizonte das metas. “O “phase-out” [eliminação] de qualquer estrutura/mecanismo de apoio não pode ocorrer até 2025 – mas, no mínimo, até 2030”, entende, argumentando que “o término de qualquer regime vigente em 2025 geraria um clima de desconfiança e incerteza absolutamente incompatível com a própria transição energética”. Isto porque, continua, os atores dos setores não-renováveis terão um papel central na transição energética, dado disporem do “capital, conhecimento e escala necessárias”.

Uma das consequências de uma meta mais curta no tempo seria que os agentes económicos diretamente impactados seriam obrigados a rever os respetivos planos de negócio, prevê o fiscalista.

Portugal ainda apoia combustíveis fósseis

“Neste momento, parece-me totalmente impossível identificar, com verdadeiro rigor, todos os subsídios potencialmente abrangidos por uma medida deste teor”, indica Filipe de Vasconcelos Fernandes.

No entanto, a KPMG aponta alguns exemplos de medidas previstas na proposta de lei do Orçamento de Estado para 2024 que se enquadram na categoria de apoios a combustíveis fósseis e que poderiam vir a ser cortados à luz da proposta do Parlamento Europeu.

Está em causa, por exemplo, a manutenção da possibilidade de majoração em sede de IRC (Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas) de gastos incorridos em 2023 e 2024 com eletricidade e gás natural, cujo impacto estimado no orçamento de 2023 ascendeu a cerca de 60 milhões de euros, ou a manutenção da isenção em sede do Imposto sobre Produtos Petrolíferos (ISP), que incide também sobre produtos energéticos utilizados na produção de eletricidade e cogeração, cuja despesa fiscal em 2022 superou os 80 milhões de euros.

Fora estes exemplos, existem outros identificados pela mesma consultora. É o caso do reembolso parcial para o gasóleo profissional, que abrange as empresas de transporte de mercadorias, com um impacto na despesa fiscal em 2022 próximo de 66 milhões de euros, e uma medida em todo semelhante para o gasóleo colorido e marcado com aditivos consumido, nomeadamente, por tratores e máquinas agrícolas, com um impacto orçamental superior a 80 milhões de euros.

Também está em vigor o regime de auxílio a custos indiretos a favor de instalações abrangidas pelo regime de Comércio Europeu de Licenças de Emissão (CELE), que tem uma dotação máxima de 175 milhões de euros até 2031 e que, em 2022, teve já uma utilização efetiva de 25 milhões de euros.

Portugal, em nosso entender, deve continuar a fazer um esforço de redução progressiva, mas que devia ser mais rápida.

Francisco Ferreira

Presidente da Zero

Mas a medida com o impacto orçamental mais relevante é o sistema de incentivos “Apoiar as Indústrias Intensivas em Gás”, lançado em 2022, com uma dotação total de 235 milhões de euros, e o qual se viu amplamente reforçado em janeiro deste ano, através de uma dotação adicional de cerca de 1.000 milhões de euros, os quais se destinam a consumidores de gás com consumos anuais superiores a 10 mil metros cúbicos.

A questão da subsidiação aos combustíveis fósseis é algo que a Zero tem criticado reiteradamente em relação a Portugal, incluindo perante o Governo durante esta COP, indica Francisco Ferreira. “Portugal, em nosso entender, deve continuar a fazer um esforço de redução progressiva, mas que devia ser mais rápida”, defende o líder da ONG portuguesa. Apesar de estes apoios terem sido justificados com os valores muito elevados, por exemplo, ao nível dos combustíveis como a gasolina ou gasóleo, “o que é facto é que nos transportes temos as emissões a aumentar quando deviam estar a diminuir”, acusa.

“São de facto muitas as subvenções e apoios criados para apoiar sobretudo as empresas e as famílias a fazer face aos elevados custos de energia, o que tem forçosamente o efeito pernicioso de financiar os consumos de combustíveis fósseis”, escrevem Martim Santos, diretor de Risk Consulting da KPMG Portugal e Ana Lemos, diretora de Tax Corporate na mesma consultora.

O impacto orçamental não é “de fácil avaliação”, tendo em conta três forças que entram em jogo, indica a KPMG. Por um lado, há uma redução direta no montante de dotações financeiras e despesa fiscal que está hoje associada a estes apoios. No entanto, fica por apurar o impacto, certamente “profundo”, ao nível do orçamento das famílias e empresas, que afeta pela negativa a receita fiscal obtida através de impostos sobre o rendimento ou sobre o consumo (do IRC ao Imposto sobre o Valor Acrescentado — IVA). Em paralelo, ignora-se a que novos incentivos financeiros e fiscais que visem fomentar a utilização de fontes de energia renováveis seriam alocadas as verbas disponíveis.

Mas, no caso de se avançar na eliminação dos apoios aos combustíveis fósseis, para que fins deverá ser usado o financiamento que fica disponível? No entender da KPMG, as verbas deveriam dirigir-se à criação e implementação de medidas que acelerem a transição energética da economia e que protejam as famílias vulneráveis, promovendo também a adaptação das redes e infraestruturas às tecnologias de emissões zero.

“Diria que as verbas disponíveis para este tipo de segmentos deverão ser progressivamente alocadas ao apoio a vetores renováveis, muito em especial os que ainda apresentam uma particular e acentuada ausência de competitividade face aos respetivos sucedâneos”, como o hidrogénio e biometano, sugere ainda Vasconcelos Fernandes, já que estes “seguramente necessitarão de apoios adicionais ao longo de toda a década 2020-2030”.

(Notícia atualizada dia 12 de dezembro com a posição do Ministério do Ambiente sobre a eliminação dos subsídios a combustíveis fósseis)

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