Salário mínimo ficaria “em risco de congelar” com proposta do Chega para as pensões

Chega quer equiparar pensões mais baixas ao salário mínimo, mas especialistas dizem que tal só é "demagogia". Alertam que retribuição mínima ficaria em risco de abrandar ou congelar.

Uma “proposta demagógica“, com “poucos fundamentos técnicos” e com fracas possibilidades de se realizar. É assim que os especialistas olham para a promessa de André Ventura, líder do Chega, de alinhar as pensões mais baixas com o salário mínimo nacional. Ao ECO, avisam, por um lado, que a sustentabilidade da Segurança Social ficaria ameaçada e, por outro, que o próprio salário mínimo, depois de vários anos de aumentos, poderia ficar congelado, castigando-se à boleia um quinto dos trabalhadores portugueses.

Foi este fim de semana, na convenção nacional do Chega, em Viana do Castelo, que André Ventura realçou que há vários idosos em Portugal obrigados a escolher entre a alimentação e a medicação, cenário com o qual disse querer acabar.

Por isso, de olho nas eleições Legislativas marcadas para 10 de março, o presidente do Chega prometeu equiparar as pensões mais baixas ao salário mínimo nacional. Segundo André Ventura, tal seria feito de forma faseada — num primeiro momento, a pensão mínima ficaria alinhada com o Indexante dos Apoios Sociais (IAS) — ao longo de seis anos.

Ora, com um eleitorado cada vez mais envelhecido, não surpreende que as pensões estejam a ser um dos temas quentes das últimas semanas, da esquerda à direita. Mas os especialistas não poupam críticas à proposta de André Ventura, considerando-a não só “irrealista” e “irresponsável” como “infantil” e “puramente demagógica“.

“A implementação desta proposta teria impactos financeiros muito significativos“, frisa o professor e investigador Frederico Cantante, que lembra que há cerca de duas décadas que já estão previstas prestações sociais (como o Complemento Solidário para Idosos) que “têm tido impactos relevantes na redução do nível de pobreza entre os mais idosos“.

O Complemento Solidário para Idosos é uma prestação não contributiva (não resulta dos descontos feitos para a Segurança Social) que visa assegurar que todos os idosos têm, pelo menos, 550,67 euros por mês de rendimento.

Medidas como essa podem e devem, sim, ser aprofundadas, admite Frederico Cantante, aumentando-se “a sua generosidade“. Mas com respeito pela lógica já existente no sistema da Segurança Social, isto é, cumprindo a ligação ao IAS, e não ao salário mínimo nacional, afirma.

“Não faz sentido a ligação da pensão mínima ao salário mínimo nacional. É tudo ruído eleitoralista“, salienta, assim, o investigador do CoLabor. E deixa um aviso: fazer essa conexão poderia mesmo levar ao abrandamento ou estagnação da retribuição mínima garantida, na medida em que, todos os anos, os Governos teriam de ponderar o impacto na Segurança Social, no momento da definição do limite mínimo para os vencimentos.

“Era provável que o aumento do salário mínimo não pudesse ser tão pronunciado“, argumenta Frederico Cantante. “Haveria o risco de ficar congelado“, insiste.

O professor universitário não está sozinho nesta leitura. Fernando Ribeiro Mendes, ex-secretário de Estado da Segurança Social do Governo de António Guterres, também reconhece esse perigo, sublinhando que “é mais prudente manter a ligação ao IAS“.

E, mesmo à direita, José Silva Peneda, antigo ministro da Segurança Social do Governo de Cavaco Silva, antevê esse mesmo risco. Para este ex-governante, a proposta de André Ventura é “própria de quem sabe que não vai ser Governo“, uma vez que é “irrealizável“, a menos que a economia crescesse acima dos 10%. “Estamos muito longe de ter condições para isso“, declara Silva Peneda, que acusa o líder do Chega de “vender ilusões“.

Também Fernando Ribeiro Mendes entende que esta proposta é demagógica, não tendo fundamentos técnicos. “É só criar encargos que não correspondem à justiça universal“, alerta, frisando que, cumprindo-se a promessa do Chega, todos receberiam indiscriminadamente esse mínimo.

Por exemplo, um banqueiro que tivesse declarado um salário magro ao longo da vida à Segurança Social, mesmo tendo um património paralelo vasto, também beneficiaria deste esforço da Segurança Social, observa o ex-secretário de Estado.

Na visão deste especialista, e em linha com Frederico Cantante, o mais equilibrado seria, portanto, apostar em medidas como o Complemento Solidário para Idosos para combater a pobreza entre os idosos.

“É uma preocupação com os idosos meramente eleitoralista”

Para Frederico Cantante, a promessa de André Ventura não merece críticas somente porque ameaçaria a Segurança Social e os salários. Também as merece porque deixa perceber que é motivada por uma “preocupação meramente eleitoralista“.

É que, em paralelo, o Chega tem atacado o Rendimento Social de Inserção, cujo objetivo também é mitigar a pobreza entre os portugueses. “O Chega tem tido uma postura muito crítica, de quase criminalização dos beneficiários“, salienta o professor universitário.

“Porque não indexar outro tipo de prestações ao salário mínimo? Porque não indexar a Prestação Social para a Inclusão ao salário mínimo? Porque não indexar o valor de referência do Rendimento Social de Inserção ao salário mínimo nacional?“, interroga o investigador, que atira que fazer a mudança “ad hoc” somente no caso das pensões geraria estranheza no sistema.

“A proposta do Chega é eleitoralista, porque é direcionada a uma parte da população que tem um peso muito grande no eleitorado“, assinala Frederico Cantante.

As pensões e a Segurança Social têm sido, de resto, temas quentes (e polémicos) nas últimas semanas no debate político. Por exemplo, Luís Montenegro prometeu um “rendimento mínimo” aos pensionistas de 820 euros, que acabou por gerar confusão, porque o líder PSD não estava a prometer uma pensão mínima (como inicialmente percebido), mas um aumento do Complemento Solidário para Idosos.

Já Pedro Nuno Santos propôs a diversificação das fontes de financiamento da Segurança Social, sinalizando o regresso de uma velha proposta da esquerda de taxar mais as empresas de base tecnológica que têm elevado valor, mas poucos trabalhadores.

Com a ida às urnas marcada para daqui a dois meses, o interesse político em torno da proteção social está, assim, instalado, mas multiplicam-se as controvérsias.

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