Dos robôs aos impostos, que novas fontes podem financiar a Segurança Social?

PS quer discutir reforma das fontes de financiamento da Segurança Social, frisando que a economia está em "profunda transformação". Especialistas admitem que robôs poderão contribuir para o sistema.

A sustentabilidade da Segurança Social está de volta à ribalta. Desta vez, foi Pedro Nuno Santos a invocar o tema, ao ter defendido, no congresso do PS, a reforma das fontes de financiamento desse sistema, já que há empresas “altamente lucrativas” com “poucos trabalhadores” que contribuem menos do que as demais. A ideia de taxar de forma diferente as empresas tecnológicas não é nova e divide os especialistas. Se por um lado há quem argumente que tal levará a esforço “mais equitativo” entre os empregadores, por outro há quem alerte que isso poderá afastar do país empresas com alto valor, o que seria negativo para a economia como um todo.

No congresso que decorreu este fim de semana, o recém-eleito secretário-geral do PS aproveitou para assinalar que hoje a Segurança Social é financiada, sobretudo, por contribuições sociais, “que dependem do nível do emprego”.

“No entanto, a economia está em profunda transformação“, assinalou Pedro Nuno Santos, referindo-se à automatização, robotização e inteligência artificial. “Têm enorme potencial para aumentar a produtividade, mas trazem desafios”, admitiu o socialista.

Um deles, notou o político, é que há “muitos setores altamente lucrativos, mas com poucos trabalhadores” que deixam de contribuir para o sistema de Segurança Social “tanto quanto poderiam e deveriam”.

Pretendemos colocar à discussão e concretizar uma reforma das fontes de financiamento do sistema de segurança social, para que a sustentabilidade futura deste não dependa apenas das contribuições pagas sobre o trabalho.

Pedro Nuno Santos

Secretário-geral do PS

“Por isso, pretendemos colocar à discussão e concretizar uma reforma das fontes de financiamento do sistema da Segurança Social“, prometeu o secretário-geral do PS, de olhos postos na ida às urnas de 10 de março.

O objetivo, assegurou, é que a sustentabilidade futura da Segurança Social não dependa apenas das contribuições pagas sobre o trabalho. “Não pode ser apenas o fator trabalho a contribuir para a Segurança Social“, pode ler-se na moção de Pedro Nuno Santos.

A ideia de taxar de forma diferente as empresas de base tecnológica que têm muito valor, mas menos trabalhadores do que os demais empregadores não é nova. Ainda em outubro de 2022, um estudo coordenado pelo professor universitário e ex-ministro do Trabalho Paulo Pedroso defendia que os robôs devem também contribuir para a Segurança Social, diversificando-se, assim, as fontes de financiamento desse sistema.

Em conversa com o ECO, o ex-governante explica que a Segurança Social “nasceu numa altura em que todas as empresas eram intensivas em trabalho“, mas o cenário atual é outro, sendo necessário “recalibrar” o sistema.

“Há uma profunda diferença na estrutura empresarial [face à do século XIX]”, sublinha o especialista, detalhando que as empresas intensivas em tecnologia têm hoje uma “contribuição pouco equitativa” para a Segurança Social.

É que, mesmo pagando salários tradicionalmente mais expressivos, têm menos trabalhadores, ou seja, contribuem menos para o sistema. Daí que Paulo Pedroso concorde com Pedro Nuno Santos quanto à necessidade de estudar fontes alternativas, tendo em consideração também o impacto que a tecnologia tem tido (e vai ter) no mercado de trabalho.

O mundo de hoje não é o mesmo do século XIX. É preciso ir para além do fator trabalho no financiamento da Segurança Social.

Paulo Pedroso

Ex-ministro do Trabalho

“Não nos podemos precipitar sem um estudo aprofundado”, avisa, ainda assim, o professor. No passado, chegou a ser sugerido uma nova taxa sobre o valor acrescentado bruto das empresas tecnológicas, mas Paulo Pedroso entende que esse é apenas um dos caminhos. Outro (o que entende ser mais adequado) seria a criação de uma contribuição “sobre os robôs, sobre a comunicação entre as máquinas”.

Confuso? Imaginemos que passa por uma portagem e o valor a pagar é automaticamente debitado na sua conta bancária. Há duas máquinas a comunicar entre si. “É o equivalente a trabalho”, salienta o ex-ministro. E é isso que pode ser taxado, afirma.

Mas a ideia de pôr a tecnologia a contribuir para a Segurança Social está longe de ser consensual. O economista e professor Jorge Brav atira, em declarações ao ECO, que o que está em causa é um “aumento da carga fiscal dos portugueses“. “É uma forma habilidosa de iludir os cidadãos, tentando colocar um caráter mais bonzinho nalguns impostos“, acusa o especialista.

Especificamente no que concerne a transformação tecnológica, Jorge Bravo defende que essa discussão “carece de fundamento“, uma vez que o emprego não tem recuado, mantendo-se, neste momento, em níveis próximos de máximos.

“É uma ideia que vem do PCP e do Bloco de Esquerda, essa de usar o valor acrescentado bruto em vez dos salários”, sublinha o economista, acusando, assim, Pedro Nuno Santos de se aproximar da esquerda.

Criar um novo imposto sobre valor acrescentado é estar a destruir a criação dessas empresas.

Jorge Bravo

Professor universitário

Para Jorge Bravo, avançar com uma nova taxa nesse sentido seria sinónimo de correr o risco de afastar certas empresas do país e “destruir a sua criação”, o que seria negativo para a economia. Além disso, frisa que as máquinas não pedem reforma, subsídio por doença ou proteção no desemprego, logo “não é por aí que o sistema tem um défice“.

Na visão deste especialista, a solução não é, portanto, criar novos tributos, mas, primeiro, resolver a origem os défices crónicos da Segurança Social. “É um sistema que não tem estabilizadores automáticos, que não incentiva a declaração contributiva“, enumera. “O sistema, de forma ruinosa, acumula dívida, ano após ano”, analisa.

Assim, só depois de cumprido esse exame, é que o país estará em condições de discutir o financiamento, diz o professor. E nessa altura o caminho adequado seriam as transferências do Orçamento do Estado. Ou seja, em vez de se criar uma taxa especificamente para financiar a Segurança Social, usar-se-ia o “bolo” dos vários impostos, evitando-se distorções no mercado.

“Se é preciso transferir todos os anos, a melhor solução é usar as transferências do Orçamento do Estado, porque aí estão presentes todos os impostos, não apenas sobre o trabalho. As alternativas são apenas impostos, que vão acabar nos consumidores finais. A contribuição sobre a banca, por exemplo, levou a um aumento das comissões“, realça Jorge Bravo.

De notar que o debate em torno do financiamento da Segurança Social não é de hoje. Ainda no verão de 2022 o Governo criou uma comissão de especialistas para analisar esta questão. O relatório deveria ter sido conhecido em junho do ano passado, mas foi adiado para janeiro deste ano e, entretanto, os especialistas pediram que só seja conhecido depois das eleições de março.

Ao ECO, Armindo da Silva, ex-diretor na Comissão Europeia na área de emprego e proteção social e membro dessa comissão criada pelo Governo, avança que o trabalho tem prosseguido, mas ainda não foi possível fazer um “diagnóstico completo e dar recomendações“.

O livro verde deverá ser lançado até ao fim de março, sinaliza, revelando, ainda assim, que a necessidade de diversificar as fontes de financiamento da Segurança Social existe mesmo e tem de ser endereçada.

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