Caso na Madeira. Em cinco páginas, juiz reduziu os indícios de crimes investigados pelo Ministério Público a nada

“Não existem indícios, muito menos fortes indícios, de o arguido Custódio Correia, o arguido Avelino Farinha e o arguido Pedro Calado terem incorrida na prática de um qualquer crime”, diz o juiz.

Nada. Toda a indiciação levada pelas três procuradoras do Ministério Público (MP) ao juiz de instrução criminal da alegada corrupção na Madeira foi reduzida a nada. Segundo o despacho das medidas de coação – a que o ECO/Advocatus teve acesso –, o magistrado Jorge Melo não confirmou nenhum dos indícios dos crimes económico-financeiros imputados aos três arguidos.

Das 74 páginas, maioria são dedicadas à imputação dos crimes feita pelo Ministério Público. Em apenas cinco páginas, o juiz explica que não encontrou qualquer ilegalidade nos factos investigados pelas procuradoras. Das provas que viu e dos testemunhos, não encontrou qualquer crime, deitando por terra toda a indiciação do MP.

Na quarta-feira foram conhecidas as medidas de coação dos três detidos no âmbito da investigação por suspeitas de corrupção na Madeira. Pedro Calado, ex-presidente da Câmara do Funchal, Avelino Farinha, líder do grupo de construção AFA, e Custódio Correia, principal acionista do grupo ligado à construção civil Socicorreia, ficaram em liberdade e apenas com termo de identidade e residência (TIR), a medida cautelar menos gravosa e que todos os arguidos em qualquer processo ficam sujeitos, precisamente por serem arguidos. O MP tinha pedido para Pedro Calado, Avelino Farinha e Custódio Correia a medida de coação mais gravosa, prisão preventiva, tendo já anunciado recurso da decisão do juiz de instrução.

Não existem, nos autos, indícios, muito menos fortes indícios, de o arguido Custódio Correia, o arguido Avelino Farinha e o arguido Pedro Calado terem incorrida na prática de um qualquer crime”, diz o despacho.

Hospital Central da Madeira

No que respeita à construção do novo hospital central e universitário da Madeira, sobre o qual o MP suspeita que o concurso teria sido desenhado à medida do grupo AFA, de Avelino Farinha, o juiz considerou “não se mostrar indiciado, muito menos fortemente indiciado”, que tivesse existido uma combinação entre o empresário – por via de Marinho Oliveira – e Pedro Calado.

Na análise de um email, em concreto, trocado entre Martinho Oliveira e Pedro Calado a 22 de junho de 2020, quando terminou o concurso para a empreitada de construção do hospital, o juiz de instrução criminal sustenta que não foi por isso que o procedimento ficou sem apresentação de propostas e assinalou as declarações do ex-autarca em interrogatório, nas quais declarou que Avelino Farinha não teve conhecimento do email.

O juiz salientou ainda que os critérios de adjudicação que vieram a ser estabelecidos, tanto na primeira como na segunda fase, não têm nada a ver com os critérios referidos naquele email e que, por isso, “não existe o mínimo indício de que tivesse existido um qualquer conluio”.

Empresas do grupo Socicorreia

Quanto ao alegado favorecimento de Pedro Calado às empresas do grupo Socicorreia – que tem o arguido Custódio Correia como principal acionista – pelo apoio financeiro à equipa de rali na qual o ex-autarca do Funchal competia, Jorge Bernardes de Melo defendeu também não haver indícios no processo que sustentassem a tese do Ministério Público (MP). Nas declarações que prestou, o empresário defendeu a normalidade destes apoios, acrescentando ter já patrocinado outros pilotos. A este respeito, escreveu o juiz de instrução, “no requerimento da apresentação de arguido(s), o Ministério Público não individualiza um qualquer contrato, um que fosse, que tivesse sido adjudicado ao Grupo Socicorreia e/ou a qualquer outra sociedade comercial ligada a Custódio Correia, como contrapartida de tais patrocínios”.

O juiz destacou que o grupo de Custódio Correia destina toda a verba para publicidade no apoio a pilotos ou equipas em competições de rali (e não apenas para a equipa de Pedro Calado), assinalando um investimento de 1,38 milhões de euros nesta área entre 2016 e 2023.

Casamento no Hotel Savoy

De acordo com o despacho, o tribunal também não reconheceu indícios de que o ex-presidente da câmara do Funchal tivesse sido beneficiado por Avelino Farinha, face à relação de amizade entre os dois arguidos, para a celebração do casamento de Pedro Calado no hotel Savoy Palace, em 2021. A este nível, foi apontado como prova o pedido de orçamento para o evento e as declarações do ex-autarca, que confirmou o pagamento pela realização do evento.

O juiz recuperou ainda o depoimento de um diretor do hotel, Rui Sousa, no qual este responsável nunca fez “alusão a que o arguido Pedro Calado alguma vez tivesse beneficiado de algum tratamento de favor ou de algum desconto nesta unidade hoteleira”.

O juiz indicou ainda não haver indícios de que Custódio Correia tivesse oferecido presentes de valor superior a 150 euros a Pedro Calado, com o objetivo de ser favorecido em adjudicações pela autarquia do Funchal ou pelo governo regional da Madeira.

Sublinhou também que a inclusão do ex-autarca numa lista de 296 pessoas e entidades para receberem prendas de Natal do grupo Socicorreia “se enquadra numa conduta tolerável, socialmente adequada e conforme aos usos e costumes”, tendo Custódio Correia referido que o orçamento para estas prendas era de 10 mil euros.

Pedro Calado, ex-autarca do FunchalLusa

O que investiga o Ministério Público?

Em causa estão cerca de 30 possíveis crimes que vão da corrupção à prevaricação. Segundo o Ministério Público, Pedro Calado é suspeito de sete crimes de corrupção passiva. Já Custódio Correia é suspeito de três crimes de corrupção ativa e Avelino Farinha de quatro. Mas a lista de crimes não fica por aqui. O Ministério Público sublinha ainda que “são ainda suscetíveis de integrar a prática pelos arguidos dos crimes de prevaricação, recebimento ou oferta indevidos de vantagem, participação económica em negócio, abuso de poder e tráfico de influência”. Ou seja: poderão ser cerca de cinco crimes por cada um dos arguidos.

Em 24 de janeiro, a Polícia Judiciária realizou cerca de 130 buscas domiciliárias e não domiciliárias sobretudo na Madeira, mas também nos Açores e em várias zonas do continente, no âmbito de um processo que investiga suspeitas de corrupção ativa e passiva, participação económica em negócio, prevaricação, recebimento ou oferta indevidos de vantagem, abuso de poderes e tráfico de influência.

Na sequência das buscas, a PJ deteve o então presidente da Câmara do Funchal Pedro Calado (PSD), que renunciou ao mandato, Avelino Farinha e Custódio Correia. A operação também atingiu o ex-presidente do Governo Regional da Madeira Miguel Albuquerque (PSD), que foi constituído arguido e renunciou ao cargo, o que foi formalmente aceite pelo representante da República na segunda-feira e publicado em Diário da República no mesmo dia.

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