Exclusivo Abate de sobreiros. ICNF sem meios para monitorizar 102 projetos de compensação

Estão em curso 102 projetos de compensação por abate de milhares de sobreiros em todo o país. ICNF admite não ter capacidade de monitorizar se os processos estão a ser cumpridos.

O Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF) não tem capacidade para monitorizar os 102 projetos de compensação por abate de milhares sobreiros e azinheiras em todo o país, que estão em curso. Um deles, seria o da EDP que estava previsto arrancar depois de o Governo ter permitido o abate de 1.821 sobreiros para a construção do parque eólico de Morgavel, em Sines. No entanto, a energética portuguesa, que na altura se encontrava em processo de aquisição dos terrenos, não irá avançar, para já com a compra, sabe o ECO. Os terrenos ainda pertencem à CJR Renewables.

De acordo com o relatório final elaborado pelo grupo de trabalho responsável pela avaliação dos projetos de compensação por abate, e ao qual o ECO/Capital Verde teve acesso, é reconhecida a “dificuldade do ICNF em acompanhar todos os projetos de compensação ativos e em diferentes estádios de implementação, o que acrescenta dificuldades à respetiva monitorização por inexistência de um sistema/procedimento para relato da execução” dos planos.

A falta de monitorização impede, consequentemente, que o ICNF tenha certezas sobre se os projetos de compensação pelo abate de árvores – permitidos graças à atribuição do “selo” do Governo de empreendimentos de imprescindível utilidade pública (DIUP) ou de empreendimentos agrícolas com relevante e sustentável interesse para a economia local (DRSIEL) – esteja a ser cumprida. E mesmo em caso de incumprimento, o ICNF não dispõe de competências para aplicar “medidas sancionatórias”.

“A monitorização e acompanhamento dos projetos de compensação tem revelado um constrangimento para assegurar que são compensados os danos provocados pelo corte ou arranque de sobreiros e azinheiras”, lê-se no relatório a que o ECO teve acesso. O ICNF disponibilizou esta quarta-feira no site as conclusões do relatório.

O alerta para a falta de meios, surge depois de o ICNF ter aberto concursos para o recrutamento de 325 assistentes operacionais, técnicos superiores, vigilantes e bombeiros, como parte da estratégia do Governo de reforçar os quadros de entidades públicas.

Além da falta de meios, o grupo de trabalho considera que a longa duração de implementação destes projetos (que varia entre os 10 e os 20 anos) “não são compagináveis” com a imediata perceção pública, sendo por isso “de difícil divulgação”. Desta forma, “a falta de comunicação clara e objetiva” sobre o decorrer destes projetos, acompanhada de dados estatísticos e de acesso ao público geral, pode “traduzir-se numa aparente falta de transparência”.

Após quatro meses de trabalho, que decorreram entre agosto e dezembro de 2023, ECO/Capital Verde sabe que o relatório final foi apresentado internamente a 31 de janeiro de 2024, numa reunião entre o ainda ministro do Ambiente e da Ação Climática (MAAC), Duarte Cordeiro, e os 10 membros que compõem o grupo de trabalho. Até à data, contabilizavam-se 102 projetos de compensação em curso, um deles o da EDP.

É também reconhecida a dificuldade do ICNF em acompanhar todos os projetos de compensação ativos (102 no final de 2023) e em diferentes estádios de implementação, o que acrescenta dificuldades à respetiva monitorização por inexistência de um sistema/procedimento para relato da execução do plano”

Relatório final do grupo de trabalho de revisão de abate de sobreirosa

Recorde-se que o grupo de trabalho foi formado depois de o Governo ter dado luz verde à EDP para avançar com a construção do parque eólico de Morgavel, em Sines, obra que resultaria no abate de 1.821 sobreiros. No despacho, publicado em Diário da República, a 1 de agosto de 2023, o Governo considerou o parque eólico como um “empreendimento de imprescindível utilidade pública” tendo autorizado à energética a prosseguir com o abate destas árvores. O parque eólico terá 15 torres, com aerogeradores com uma potência unitária de 4 a 6 megawatts (MW), que deverão no seu conjunto produzir 225 gigawatt hora (GWh) por ano, o equivalente a 0,45% do consumo elétrico nacional.

Para compensar, a EDP comprometeu-se em plantar cerca de 42.000 árvores e arbustos, das quais 30.000 serão sobreiros e 12.000 medronheiros, no Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, numa área total de 50 hectares.

Mas face às “contestações e dúvidas” geradas, o MAAC determinou a criação de um grupo de trabalho com o propósito de analisar os projetos de compensação por abate de sobreiros e azinheiros no sentido de sugerir melhorias nesses processos, “que só poderão ser aplicadas em projetos futuros”. Ou seja, o projeto de compensação da EDP não foi sujeito a uma avaliação por já estar aprovado, ainda que o Governo tenha admitido rever “a localização de parte da compensação do parque eólico de Morgavel”.

O ECO/Capital Verde sabe que a EDP estava em processo de aquisição dos terrenos em Morgavel, mas o processo ainda não estará concluído, pelo que, o projeto de compensação que resultaria da construção do parque ainda não terão ainda começado.

Inicialmente, o grupo de trabalho estava previsto ficar operacional até dezembro de 2023, mas no início do mês de março, o Governo publicou um despacho em Diário da República no qual dava nota que a equipa (e a respetiva composição) manter-se-ia em funções, pelo menos, até ao final deste ano. Nessa altura, será apresentado “um relatório sobre o grau de implementação das conclusões e recomendações” inscritas no documento apresentado no início deste ano.

Este grupo de trabalho está a ser coordenado por um representante do ICNF, e conta ainda com um membro do Gabinete do Secretário de Estado da Conservação da Natureza e Florestas e representantes da Associação Portuguesa da Cortiça, da União da Floresta Mediterrânica da associação ambientalista Zero e do Instituto Mediterrâneo para a Agricultura, Ambiente e Desenvolvimento. De acordo com o despacho, os membros não auferiram de qualquer remuneração ou abono pelo exercício das suas funções.

Projetos terão de compensar três vezes mais área afetada

Face ao diagnóstico, o grupo de trabalho apresentou ao Governo um conjunto de melhorias e recomendações procedimentais – que são de mais fácil implementação – e legislativas – mais morosas – a serem implementadas a curto e médio-longo prazo, sobre o quê e onde compensar, e como fazê-lo e comunicar. A decisão de adotar as recomendações fica agora nas mãos do atual Governo em gestão e do próximo quando assumir funções. Até lá, o grupo de trabalho continuará operacional.

A equipa apresentou um conjunto de propostas sobre como melhorar os projetos de compensação, sendo que aquela que reuniu maior consenso entre os membros, terá sido uma que prevê que estes projetos passem a “abranger uma área de, pelo menos, três vezes superior à afetada pelo corte ou arranque”. A atual legislação prevê que as medidas compensatórias apresentem uma área de, pelo menos, 1,25 vezes àquela que for afetada.

A recomendação prevê ainda que os projetos de compensação tenham uma duração máxima de até 25 anos, ao contrário dos atuais 20 e, que no fim desse período, o promotor terá que garantir uma densidade mínima de sobreiros equivalente a 80 árvores por hectare, e no caso da azinheira o equivalente a 50 árvores por hectare.

Outro aspeto é que além do adensamento (plantação de espécies em espaços com falhas de regeneração natural) e arborização, que deverão refletir 70% e 50% da área intervencionada, respetivamente, devem passar a estar reservados nos projetos uma área mínima de 30% destinada a “ações de gestão ativa com vista à melhoria do estado de conservação de áreas já existentes de sobreiral ou azinhal”, como, por exemplo, de restauro.

Sobre como garantir que esses projetos são concretizados, perante a falta de meios do ICNF, o grupo de trabalho sugere a “possibilidade do ICNF poder delegar em terceiros a monitorização do sucesso das medidas compensatórias implementadas”, nomeadamente através de contratos programa com os agentes locais.

Ainda neste âmbito, o grupo de trabalho também recomenda que seja exigida aos promotores “uma garantia bancária a apresentar após a aprovação do respetivo projeto de compensação” igual ao valor total das operações a realizar no período de referência.

Ademais, o responsáveis defendem a criação de um mecanismo de reporte periódico para facilitar a monitorização dos projetos e ainda a atribuição de competências ao ICNF para a aplicação de sanções em caso de incumprimento.

Notícia atualizada às 15h54 de 14 de março com esclarecimentos da EDP

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