Empresas querem trocar “risco ESG” por “oportunidade”. Dados dificultam, mas há ajudas

Há critérios cada vez mais exigentes de reporte no que toca à sustentabilidade. Mas também há oportunidades associadas, e ajudas disponíveis para que as empresas as possam agarrar.

O risco climático existe independentemente da regulação, mas esta acrescenta pressão para que as empresas olhem para este risco, o identifiquem e reduzam. Perante as novas exigências, as empresas financeiras e não financeiras apontam algumas dificuldades, como a recolha de dados, mas concordam que o caminho é começar a encarar os riscos de sustentabilidade como oportunidades de negócio.

Um risco vai gerar uma oportunidade sempre, porque vamos encontrar soluções para aquilo com que nos vamos deparar“, defendeu Filipa Pantaleão, secretária-geral do BCSD Portugal, numa conferência organizada pela SRS Legal e a Systemic, sob o tema “ESG e a Gestão de Risco: Desafios para as Empresas”.

O caso da EDP, defende o diretor-adjunto de Sustentabilidade Eduardo Moura, é um exemplo disso mesmo, já que a empresa entrou no negócio das energias renováveis porque o viu como uma oportunidade, não porque as emissões fossem um risco, afere.

Em oposição, no caso da banca, a sustentabilidade é ainda, em grande medida, uma oportunidade por explorar, acredita Filipa Saldanha, a responsável pela pasta da sustentabilidade no Crédito Agrícola. “Acho que banca não está no ponto em que já fez uma grande restruturação da sua oferta para promover a tal procura [por produtos de sustentabilidade]”, o que “é uma oportunidade”, entende.

Já nos CTT, por exemplo, a descarbonização é uma oportunidade na medida em que a atividade implica muitos quilómetros percorridos por ano, indica a diretora de sustentabilidade dos correios. E tem havido por isso o esforço de eletrificar a frota.

Para João André Dias Mestre, responsável de Sustentabilidade na Fidelidade, “o desafio na sustentabilidade é traduzir os desafios todos em euros. É difícil mas é o caminho. A moral não convence muitas pessoas”.

Tal como alertou Henl-Jelle Reitsma, sócio da consultora Risksphere, “a análise de cenários não é sobre prever o futuro. Serve para investigar uma variedade de possíveis futuros, de forma a estarem preparados para eles”.

Dados dificultam

Há muita hipocrisia, muita falta de métricas. Não há consenso sobre o que é que de facto exprime o que as empresas estão a fazer“, acusa Marta Cruz Almeida, do Conselho Geral da Galp. Ao mesmo tempo, considera Luís Souto, da Square Asset Management, “dados é neste momento o mais importante para conseguirmos trabalhar efetivamente esta área”.

Não há dados e não há dados granulares“, atesta Filipa Saldanha, afirmando que a instituição que representa já está a criar os seus próprios questionários para a recolha de dados junto dos clientes. João Mestre reforça que há que “ter cuidado com o que se vai pedir”, o que será “relevante” para cada caso. “Não posso simplesmente chegar a uma oficina com três pessoas e pedir-lhes o gap salarial ou a pegada carbónica”, explica.

Eduardo Moura diz-se “a favor da simplificação” na medida em que as empresas devem concentrar-se nos pontos em que fazem “realmente” a diferença em termos de sustentabilidade, apesar de a taxonomia europeia, o diploma que define os critérios para o que é ou não um investimento sustentável, ser um documento muito largo no seu âmbito.

Associada à questão dos dados, surge a da metodologia para identificar oportunidades e para quantificar a rentabilidade e o risco, sublinha José Brandão de Brito, responsável por ESG do Millenium BCP. E este é um problema especialmente nas pequenas e médias empresas, sobretudo.

Em paralelo, o mesmo assinala que os temas do capital natural, natureza, água, biosfera e resíduos é um “horror do ponto de vista da burocracia”, sendo “no mínimo tão importante como as alterações climáticas”, mas “para isso não há dados, nada”. O banco diz estar a incentivar os clientes dos setores mais críticos a atentarem nestas questões.

Esta necessidade de levantamento de dados decorre, em grande parte, das exigências de reporte lançadas pela Comissão Europeia, e que têm vindo gradualmente a apertar o cerco. Numa nota mais positiva, “agora temos o diploma que é o princípio e fim da conversa. O que ajuda as empresas a centrarem-se”, defende Eduardo Moura, referindo-se aos Critérios de Reporte de Sustentabilidade Europeus (ESRS).

No entanto, ressalva Maria Rebelo, “os critérios são muito técnicos”. Dá o exemplo de que, no ano passado, quando os CTT decidiram renovar a frota de veículos e substituir os modelos a combustão por elétricos, se depararam com uma exigência que não contavam: para estar de acordo com as normas europeias, não bastava terem veículos elétricos. Era importante também perceber a classe energética dos pneus, algo que os fornecedores não conseguiam assegurar. Por causa disso, não cumpriam com as normas.

“Está toda a gente aprender. Quando vamos fazer uma análise de dupla materialidade há uma tentativa-erro. Não será o primeiro exercício o que melhor espelhará” a situação de cada empresa, reconhece a Galp.

Na opinião de Filipa Saldanha, “muitas vezes os critérios estão desgarrados da economia real”, pelo que entende que a banca não deve ficar “obcecada” com os rácios que estão dependentes do desempenho nestes critérios. “O mais urgente é implementar iniciativas, incentivos financeiros, produtos bancários e programas de proximidade, para trabalhar com os nossos clientes de mão dada, porque sozinhos não conseguem”, diz.

Há ajudas disponíveis

A líder deste conselho empresarial focado no desenvolvimento sustentável aproveitou para apresentar um guia, elaborado pelo BCSD em colaboração com 27 empresas, que pretende facilitar a tarefa da gestão dos riscos de sustentabilidade. Através do guia, disponível na página do BCSD de forma gratuita, as empresas podem identificar quais os riscos climáticos a que podem estar expostas e que fontes de informação e ferramentas existem para facilitar o processo.

O primeiro passo, contudo, passa por estabelecer um modelo de governação, tanto junto da gestão de topo como operacional. Só depois se identifica o que está em risco, para finalmente priorizar consoante aqueles riscos que deverão impactar mais rápido ou mais profundamente a atividade. “Quantificar o impacto financeiro ainda não está no guia, é um próximo passo”, concluiu a líder do BCSD.

Ao mesmo tempo, a banca também está a começar a dar a mão aos respetivos clientes, que representam a larga maioria da respetiva pegada carbónica. “É fácil fazer uma política de exclusão [não financiamento de entidades não sustentáveis], recolher dados que permitam penalizar ou bonificar”, diz, mas considera importante “ser um agente ativo”.

Nesse sentido, um dos mecanismos com mais impacto é desenvolver um trabalho “em contexto de proximidade” e seguir “um caminho mais de pedagogia”, no qual a jornada para a sustentabilidade é feita “em conjunto” com os clientes.

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