Quais as batalhas que a nova ministra da Justiça, Rita Júdice, tem para resolver?

Em julho, a advogada deixou, ao fim de 25 anos, a PLMJ, o escritório fundado pelo pai do qual era sócia desde 2013. Setor não perdeu tempo e já disse quais as matérias com maior urgência a resolver.

Rita Alarcão Júdice, 50 anos, é a nova ministra da Justiça escolhida por Luís Montenegro. Licenciada pela Faculdade de Direito da Católica, em 1997, é filha só sócio fundador da PLMJ e ex-bastonário da Ordem dos Advogados (OA), José Miguel Júdice. Em julho, a advogada deixou, ao fim de 25 anos, o escritório fundado pelo pai do qual era sócia desde 2013.

O trabalho da agora ministra da Justiça, que foi co-coordenadora da área de Imobiliário e Turismo do escritório, centrava-se no acompanhamento de diversos tipos de transações imobiliárias que envolveram processos de investimento ou de desinvestimento de ativos imobiliários. Pela experiência na área, foi chamada a coordenar o Conselho Estratégico Nacional do PSD para a área da Habitação. Na convenção da AD, em Coimbra, distrito pelo qual foi eleita como deputada, assumia-se como independente, num discurso em que falou da pobreza, da competitividade da economia nacional, da habitação, de saúde mas nada de Justiça. Rita Alarcão Júdice é ainda membro da Comissão Executiva da Urban Land Institute (ULI) Portugal e é também associada da WIRE – Women in Real Estate.

Nas mãos fica agora com várias batatas quentes. Desde logo gerir a insatisfação geral do setor mas, em concreto, dos mais de sete mil funcionários judiciais que no ano passado foram protagonistas de greves sucessivas. Exigem o pagamento de um suplemento, a abertura imediata de um concurso para entrada de mais meios humanos. A relação entre os dois sindicatos do setor e a anterior ministra socialista, Catarina Sarmento e Castro, não foi pacífica, depois da aprovação do novo estatuto que foi aprovado ter ficado muito aquém das expectativas.

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Advogada com um perfil de advocacia mais empresarial e menos de contencioso – Rita Júdice terá ainda de encontrar a solução milagrosa – até aqui não atingida pelas suas duas antecessoras – dos atrasos crónicos nos tribunais administrativos e fiscais (TAF), onde, apesar de algumas micro reformas, continua a registar uma média de resolução de processos superior a cinco anos.

Nas mãos da nova ministra também ficará a já antiga questão de saber se a AD e PS estão dispostos a celebrar o pacto para a Justiça.

O que diz o setor?

Em declarações à Lusa, a bastonária da Ordem dos Advogados felicitou a recém-nomeada ministra, afirmando que espera que possa “ouvir os operadores judiciários e desenvolver os esforços necessários para garantir meios humanos, logísticos, de edificado e tecnológicos, essenciais para ajudar a ultrapassar os atuais problemas da Justiça portuguesa”.

“No que respeita aos problemas concretos da advocacia, a Ordem dos Advogados espera poder falar em breve com a senhora ministra da Justiça, a respeito das recentes alterações ao Estatuto da Ordem dos Advogados e da possibilidade de as reverter, da necessidade de revisão urgente da previdência dos advogados e da alteração devida da tabela de honorários do Sistema de Acesso ao Direito e aos Tribunais”, elencou Fernanda de Almeida Pinheiro.

A bastonária manifestou ainda que a Ordem dos Advogados está “inteiramente disponível para ser um parceiro ativo do Ministério da Justiça” para um trabalho conjunto em prol do progresso do setor.

Já o presidente do Sindicato dos Funcionários Judiciais (SFJ) considerou que Rita Júdice, tem “profundo conhecimento do sistema judicial” e disse esperar a resolução dos problemas que afetam o setor. “Como líder da lista do PSD por Coimbra nas últimas eleições, ela (Rita Júdice) representa não só uma promessa de influência para a implementação oportuna das políticas públicas necessárias nesta área, mas também, espero, a garantia do sucesso da Justiça e, consequentemente, do Estado de Direito Democrático”, declarou à agência Lusa António Marçal.

O dirigente sindical referiu que o SFL está pronto a “colaborar nesta árdua missão que se avizinha”, vicando que, enquanto agentes de Justiça, esperam que a nova ministra “resolva de forma incisiva os problemas que afetam diretamente” os funcionários judiciais. Alertou ainda que muitos serviços judiciais e do Ministério Público estão à beira do colapso.

“Como temos afirmado, o Governo pode contar connosco para promover a tranquilidade e a coesão social indispensáveis para o progresso do país. Basta concretizar as medidas que o PSD sempre defendeu e reforçou ao longo da campanha eleitoral, e para as quais existe disponibilidade orçamental no atual Orçamento do Estado de 2024”, concluiu António Marçal.

Paulo Lona, o também recém empossado presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP) disse à Lusa que é fundamental “um investimento sério no sistema de justiça” e que o setor seja uma “prioridade para o poder político”, apelando para que o Governo enfrente os “reais problemas com uma visão global”.

“Até para que não fique a ideia que a justiça só se transforma em prioridade quando se torna incómoda para o poder político, como consequência de dois ou três processos mediáticos”, disse, pedindo “vontade política efetiva de ouvir os operadores judiciários, que são aqueles que melhor conhecem o sistema e suas insuficiências”.

O dirigente sindical disse acreditar que “será possível consensualizar soluções que permitam aumentar a confiança, credibilidade, celeridade e eficácia do sistema de justiça”.

Paulo Lona desejou “boa sorte nas novas funções” a Rita Júdice e sublinhou a necessidade de a nova ministra encontrar, “em diálogo construtivo com os operadores da justiça, as soluções adequadas para as graves carências conhecidas de recursos humanos, materiais e tecnológicos do sistema de justiça”, lembrando que faltam oficiais de justiça, uma carreira que não é atrativa, é mal paga e não tem um estatuto profissional condigno aprovado.

“Temos magistrados do Ministério Público (MP) que estão eles próprios a juntar papéis aos processos, para depois os poderem despachar, porque não têm técnicos de justiça afetos ao serviço que o possam fazer”, exemplificou.

Quanto às carências do MP, referiu que faltam magistrados e que esta carreira nas magistraturas deixou de ser atrativa, de tal modo que “nunca houve tão poucos candidatos ao Centro de Estudos Judiciários”, como aconteceu no último curso aberto.

Alertou ainda que cerca de 20% dos magistrados estão em situação de burnout ou pré-burnout “devido, em grande parte, ao avassalador volume de trabalho a que estão sujeitos, com óbvio prejuízo para a sua saúde, vida pessoal e familiar”, a que se somam as deficientes condições materiais nos tribunais e nos departamentos do MP, que “são em muitos casos lamentáveis”.

Exista vontade política efetiva de ouvir os operadores judiciários (que são aqueles que melhor conhecem o sistema e suas insuficiências) e estou certo que será possível consensualizar soluções que permitam aumentar a confiança, credibilidade, celeridade e eficácia do sistema de justiça.

O Sindicato Nacional do Corpo da Guarda Prisional foi mais longe, exigindo desde logo uma reunião com a nova ministra da Justiça até ao final de abril, considerando ser urgente discutir a atual situação dos serviços prisionais “antes que aconteça uma catástrofe”.

“Temos que falar seriamente dos serviços prisionais antes que uma catástrofe aconteça e nós depositamos confiança para já neste novo Executivo e na senhora ministra”, disse à Lusa Frederico Morais, dirigente do sindicato que representa os guardas prisionais. O sindicalista avançou que a reunião com a nova ministra tem que ocorrer “com maior brevidade possível”, estabelecendo como prazo o fim de abril, uma vez que é importante expor “os graves problemas” do sistema prisional, nomeadamente falta de segurança, de efetivos, valorização salarial e a atribuição de um suplemento de missão equivalente ao da Polícia Judiciária.

Segundo Frederico Morais, criar atratividade na carreira de guarda prisional é o problema que necessita de ser resolvido com maior urgência, tendo em conta que há “uma enorme falta de guardas”.

“Faltam cerca de 1.500 guardas prisionais e se não criarmos atratividade, podem abrir os concursos que quiserem, que ninguém vem para a carreira”, disse, relembrando as agressões que os guardas prisionais têm sido alvo nos últimos meses por parte dos reclusos. Estas agressões têm a ver, segundo o dirigente do sindicato, com a falta de pessoal que origina “falta de segurança” nas cadeias.

“Temos urgência em resolver os problemas”, precisou, ameaçando com “greves de maneira a parar as cadeias e como nunca foi visto em Portugal” caso a nova ministra não receba o sindicato para resolver os problemas.

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