Renováveis aliviam preço da eletricidade. Setor pede soluções, das baterias à reforma do mercado

Os preços a que os produtores vendem a eletricidade tem vindo a aliviar significativamente, o que pode ter benefícios na fatura da luz mas pressiona o setor das renováveis, que pede soluções.

Os preços da eletricidade no mercado grossista, onde os comercializadores de eletricidade a compram aos produtores, têm vindo a aliviar. Em março registaram-se mínimos de 10 anos e abril abriu com algumas horas a marcar valores negativos no mercado ibérico. Para 2024 espera-se um ano de preços mais baixos face aos dos últimos anos. O setor alerta para potenciais “problemas” dos preços baixos, em particular na viabilização de projetos renováveis, e aponta a necessidade de reequilibrar o mercado. Na mesa colocam soluções como as baterias, a atração de grandes consumidores e até um redesenho do mercado.

“Da forma como o mercado ibérico funciona, sempre que as renováveis conseguem suprir [as necessidades de] uma hora, o preço [da hora] é zero”, o que aconteceu em grande parte das horas do dia 1 de abril, exceto à noite, introduz Pedro Amaral Jorge, presidente da APREN – Associação Portuguesa de Energias Renováveis. “Do lado dos produtores, é um problema que vamos ter de resolver“, admite, pois “ninguém pode vender a zero algo que custa dinheiro“, já que é “insustentável do ponto de vista financeiro”. Tendo em conta as projeções de preço atuais, “nenhum investidor quererá investir”, estima.

Neste sentido, entende que ou as renováveis passam a ser contratadas apenas com contratos futuros, ou terá de se “desenhar um sistema que remunere as centrais renováveis e impeça que os preços possam descer a zero“. Pedro Amaral Jorge diz existirem conversações em Bruxelas para perceber o que pode ser desenvolvido neste sentido, mas não é certo que existam movimentos antes de novembro, mês em que tomam posse as novas lideranças europeias.

António Vidigal, consultor de energia, concorda que “os preços no mercado OMIE [ibérico] estão demasiado baixos para viabilizar o investimento em novas formas de geração, qualquer que seja o seu tipo, térmico ou a partir de energias renováveis”, em particular no que diz respeito à energia fotovoltaica. “Para resolver o problema é importante avançar com a implementação do novo modelo de mercado elétrico, que se baseia em CfDs [contratos por diferença] e PPA [Contratos de Aquisição de Energia]. Parece ser a melhor forma de proteger produtores e consumidores”, considera.

"Os preços no mercado OMIE [ibérico] estão demasiado baixos para viabilizar o investimento em novas formas de geração.”

António Vidigal

Consultor de energia

Já na visão de João Nuno Serra, presidente da ACEMEL — Associação dos Comercializadores de Energia no Mercado Liberalizado, os projetos que estão a ser desenvolvidos em Portugal ainda têm condições para avançar, e os preços negativos não vão assustar os investidores. “Quem investe não pode estar só a olhar para o dia, a semana ou o mês. Os investidores ainda olham para isto [setor da energia renovável] como boa oportunidade, até pela acumulação“, indica. “Quem olha hoje para um plano de negócios de um projeto solar não está muito diferente, mesmo olhando agora para estes preços da energia”, assegura, relembrando que quando os preços da eletricidade dispararam, também os custos dos materiais se elevaram, e agora voltaram a descer.

Olhando para soluções que equilibrem preços e o sistema, o líder da ACEMEL defende que“temos de atalhar caminho para dotar as instalações renováveis com armazenamento”, pois “o que interessa ao consumidor é ter preço estável, e isso resolve-se com a acumulação de energia”. Preços estáveis interessam mais do que preço-zero, acredita, porque, no limite, se não houver um equilíbrio económico-financeiro para quem investe em renováveis, as centrais desligam ou desaparecem e “o zero passa a 200”, defende.

"Quem investe não pode estar só a olhar para o dia, a semana ou o mês. Os investidores ainda olham para isto [setor da energia renovável] como boa oportunidade””

João Serra

Presidente da ACEMEL

António Vidigal acrescenta que para mitigar as situações de preços negativos “é preciso aumentar consumos às horas em que há excesso de energias renováveis”, e isso faz-se não só através do armazenamento, mas também através da deslocação de consumos para essas horas (por exemplo o carregamento de veículos elétricos) promovendo tarifários mais baixos a essas horas. No entanto, considera, “a forma mais virtuosa é atrair novas indústrias consumidoras de energias descarbonizadas para o país. Os centros de dados são um bom exemplo”.

Preços negativos: uma “semi-novidade” que pode repetir-se

O leilão onde os produtores vendem a sua eletricidade aos comercializadores para o dia seguinte ditou que a 1 de abril se registassem, pela primeira vez no mercado espanhol, preços negativos, embora muito ligeiros: de 1 cêntimo negativo por megawatt-hora (MWh). Do lado português, os preços para o mesmo momento ficaram em zero. Isto, depois de março ter fechado com o terceiro preço médio grossista da eletricidade mais baixo dos últimos dez anos, 19,28 euros por MWh.

Esta situação [de preços negativos], embora histórica, é relativamente anedótica.

Aleasoft

Esta situação [de preços negativos], embora histórica, é relativamente anedótica, já que os preços negativos foram de ‑0,01 euros por MWh”, indica a Aleasoft, empresa espanhola que se dedica à análise de dados no mercado da energia. Esta entidade não acredita que os preços caiam abaixo de 1 euro negativo por megawatt-hora.

O aparecimento de preços negativos no mercado “spot” do dia seguinte é normal na Europa, mas não tinha ainda acontecido no mercado ibérico, analisa Antonio Vidigal. O consultor vê os preços negativos como “situações que vão aparecer mais frequentemente”.

Estes preços negativos registam-se porque há produtores que estão disponíveis para pagar a injeção de eletricidade no sistema, para não terem parar a produção. São tipicamente centrais a vapor (a carvão ou nucleares) que têm custos e tempos de paragem de arranque elevados, explica o mesmo. “No dia 1 os valores de fecho nalgumas horas foram ainda ligeiramente negativos (-0,01 euros por MWh), mas é relevante verificar que houve geradores que fizeram ofertas a -50 euros por MWh. É uma medida do custo que tinham ao parar“, sublinha.

Fonte do setor ressalva, contudo, que preços negativos não significam necessariamente que o produtor tenha ficado com prejuízo ao pagar um cêntimo para oferecer a respetiva eletricidade, já que pode ter tarifas garantidas que o remunerem, de qualquer forma, por essa eletricidade, já fora do espaço do leilão.

João Nuno Serra acrescenta que os preços zero “não são coisa deste ano” e recorda que, em 2013, ano no qual a comercializadora que dirige se estreou no mercado, verificaram-se 15 dias a preço zero, em abril. “Foi um ano de muita chuva, caudais a transbordar e barragens em capacidade máxima, que tinham que descarregar”.

Também os preços negativos não são uma completa novidade: embora nunca se tivessem verificado no mercado para o dia seguinte, já se haviam registado preços negativos na Península Ibérica, mas nos leilões intradiários, nos quais produtores e compradores voltam a “reunir-se” para alguns ajustes, de forma a corrigir desvios entre oferta e procura.

Renováveis são “máquina do tempo” que leva os preços a recuar a 2014

O dia 8 de março de 2022 fechou com um preço médio de 542,78 euros por MWh, o mais elevado dos dez anos que separam 2014 e 2024.

No entanto, praticamente dois volvidos desde este pico, veio a bonança. 9 e 10 de março de 2024 registaram os segundo e terceiro valores mais baixos em 10 anos, 0,54 e 0,59 euros, respetivamente. O valor mínimo da década remonta a 9 de fevereiro de 2014, os 0,48 euros.

Desde a segunda metade de fevereiro que os preços no mercado elétrico MIBEL se têm posicionado entre os mais baixos dos mercados elétricos europeus.

Aleasoft

Desde a segunda metade de fevereiro que os preços no mercado elétrico MIBEL se têm posicionado entre os mais baixos dos mercados elétricos europeus”, assinala a Aleasoft, acrescentando que desde março de 2014 que os preços neste mercado não marcavam valores abaixo de 1 euro por megawatt-hora.

Mas porquê? De acordo com a Aleasoft, os preços começaram a baixar nos últimos meses na sequência de quebras nos preços do gás e dos direitos de emissão dióxido de carbono, que afetam o preço de produção da eletricidade nas centrais a gás. Desde a segunda metade de fevereiro até ao início de março, os preços do gás e direitos de emissões estiveram abaixo dos 26 euros por MWh na maioria dos dias, e os do CO2 abaixo de 58 euros por tonelada.

Mas a grande reviravolta ter-se-á sentido devido à “alta produção renovável”, diz a Aleasoft. “A produção de eletricidade tem estado primordialmente assente em recursos hídricos, eólicos e solares, numa base de produção global com custos mais baixos”, reforça o regulador da energia português, a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos.

De acordo com os dados publicados pela REN – Redes Energéticas Nacionais, as fontes renováveis cobriram 91% do consumo de eletricidade em Portugal no mês de março, depois de ter chegado aos 88% em fevereiro e aos 81% em janeiro. A energia hidroelétrica abasteceu 47% do consumo de eletricidade, a eólica 31%, a fotovoltaica 6% e a biomassa 5%.

De acordo com os dados publicados pela REN – Redes Energéticas Nacionais, as fontes renováveis cobriram 91% do consumo de eletricidade em Portugal no mês de março, depois de ter chegado aos 88% em fevereiro e aos 81% em janeiro.

O regulador explica que os períodos frequentes de chuva que se têm verificado enchem as barragens, e “os preços tendem a descer sempre que exista mais água nos aproveitamentos hídricos”. Tal como o Expresso noticiava esta segunda-feira, as reservas no Algarve, uma das regiões mais castigadas do país no que toca à seca, subiram de 36% para 43% da capacidade.

A produção eólica também foi elevada nos últimos meses, avalia a Aleasoft, e a isto se soma o efeito da produção fotovoltaica. “O aumento da capacidade instalada em Portugal e em Espanha contribuiu para que ambos os países tenham alcançado recordes históricos de produção nestes meses”, escreve a empresa. Por isso, assinala, os preços mais baixos registam-se em horas do dia mais propícias para a produção fotovoltaica. Esta será a principal diferença dos mínimos deste março para os de 2014. Nesse ano, a produção eólica e hidroelétrica é que foram as grandes responsáveis pela presença de renováveis na base da eletricidade.

Preços de março não devem manter-se todo o ano

De acordo com os preços de fecho de mercado desta segunda-feira publicados pelo OMIP, a plataforma onde se negoceiam os contratos futuros da eletricidade, o preço médio que se projeta deste momento até ao final de de 2024 é de 55,86 euros por MWh, enquanto março fechou nos 19,28 euros por MWh, o terceiro preço médio mensal mais baixo dos últimos dez anos.

“Estando a conjuntura de definição dos preços dependente – como está – dos recursos naturais com os quais se produz eletricidade, fazer qualquer antecipação e tendência tem as mesmas incertezas que antecipar a evolução do regime hidrológico (chuvas) ou eólico (vento) até final do ano, o que não é possível com os atuais recursos tecnológicos”, ressalva a ERSE. Os contratos futuros “explicitam as expectativas atuais (e não certezas) quanto à evolução do mercado”, conclui.

Estando a conjuntura de definição dos preços dependente – como está – dos recursos naturais com os quais se produz eletricidade, fazer qualquer antecipação e tendência tem as mesmas incertezas que antecipar a evolução do regime hidrológico (chuvas) ou eólico (vento) até final do ano

ERSE

“No que diz respeito ao restante 2024, podem registar-se mais horas ou dias com preços baixos, especialmente na primavera, quando a procura é mais baixa, a produção eólica ainda pode ser elevada e a energia fotovoltaica vai aumentando a sua produção, à medida que aumenta a radiação solar”, concede a Aleasoft, mas ressalva: “Esperamos que os preços não se mantenham em níveis tão baixos todo o ano, porque no verão e inverno a procura é mais alta”, e enquanto no verão a produção eólica é menos pujante, no inverno é o sol que falha, justifica a empresa.

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Consumidores podem usufruir, mas depende do tarifário

A baixa de preços no mercado grossista incita a redução dos preços dos mercados futuros, pelo que “influenciará os preços da luz dos clientes cujo contrato está indexado aos preços do mercado spot [diário] ou do mercado futuro”, indica a Aleasoft. Este tipo de contrato é mais comum no mundo empresarial, mas também está disponível para consumidores domésticos.

Já no que toca às tarifas com preços fixos, as mais comuns entre os consumidores domésticos, “também verão refletida a descida dos preços do mercado grossista”, já que este é uma referência, mas “quando e quanto dependerá das características de cada contrato”, diz a empresa.

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