Manifesto de 50 nomes sonantes exige “reforma da justiça”, critica PGR e diz que Ministério Público tem “poder sem controlo”

O documento critica a PGR e diz ser "inconcebível" que o MP nem se tenha "dignado" a informar António Costa sobre o objeto do inquérito nas suspeitas da Operação Influencer.

Uma “verdadeira reforma da Justiça”, com a recondução do Ministério Público (MP) a uma estrutura hierárquica para evitar o que chamam de atual “poder sem controlo” do mesmo, um escrutínio externo e avaliação independente aos tribunais e magistrados. Estas são algumas das ideias e conclusões do manifesto assinado por 50 nomes sonantes da sociedade civil e de quadrantes políticos distintos, que critica o sistema de Justiça em Portugal e apela à iniciativa política a uma “atitude pró-ativa”, dando prioridade à separação dos dois poderes — judicial e político.

Leonor Beleza, Rui Rio, Augusto Santos Silva, Daniel Proença de Carvalho, Teresa Pizarro Beleza, Maria de Lourdes Rodrigues, Isabel Soares, David Justino, Eduardo Ferro Rodrigues, Fernando Negrão, Vítor Constâncio, António Vitorino, José Pacheco Pereira, Maria Manuel Leitão Marques, Paulo Mota Pinto, Vital Moreira, António Barreto, João Caupers, Correia de Campos, Álvaro Beleza, António Monteiro, Diogo Feio, Mota Amaral, Sobrinho Simões, entre outros, subscrevem um manifesto que insta “o Presidente da República, a Assembleia da República e o Governo, bem como todos os partidos políticos nacionais, a tomarem as iniciativas necessárias para a concretização de uma reforma no setor da Justiça” (ver lista abaixo).

Esta reforma deve ser assumida como “inequívoca prioridade na defesa do Estado de Direito democrático”, o qual, segundo os subscritores, está verdadeiramente em causa por “ser o setor do poder público que mais problemas tem vindo a evidenciar”. As “falhas” da justiça que são enumeradas ao longo dos dez pontos do manifesto “em nada são compatíveis com o Estado de Direito Democrático”, nem com “a eficiente gestão dos avultados recursos públicos a ela afetos (que comparam bem com outros países europeus)”, nem com “o respeito pelos direitos e interesses dos destinatários do sistema de justiça”.

Para além das “recorrentes quebras do segredo de justiça” que “boicotam a investigação e atropelam de forma grosseira os mais elementares direitos de muitos cidadãos”, o manifesto denuncia também “graves abusos na utilização de medidas restritivas dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos”. Em causa está “a proliferação de escutas telefónicas prolongadas, de buscas domiciliárias injustificadas e, mesmo, de detenções preventivas precipitadas e de duvidosa legalidade”.

O Manifesto dos 50 denuncia que “a montagem do já habitual espetáculo mediático nas intervenções do Ministério Público contra agentes políticos”, a par da colocação cirúrgica de notícias sobre as investigações em curso, têm “formatado a opinião pública para a ideia de que todos os titulares de cargos públicos são iguais e que todos são corruptos até prova em contrário”. Para os subscritores, trata-se de uma “forma perversa de atuar”, com “contornos mais políticos do que judiciários”, que tem produzido um óbvio desgaste no regime e aberto “as portas ao populismo” e à demagogia. A perversidade é tanto maior quanto “os resultados práticos do combate à corrupção em Portugal se reduzem normalmente a um preocupante insucesso e a uma manifesta incapacidade de combater tão grave fenómeno”, sublinham.

Perfil corporativo do MP e uma “assumida desresponsabilização” da PGR

A “prolongada passividade” do país político levou ao “penoso limite de ver a ação do Ministério Público produzir a queda de duas maiorias parlamentares resultantes de eleições recentes, apesar de, em ambos os casos, logo na sua primeira intervenção, os tribunais não terem dado provimento e terem mesmo contrariado a narrativa do acusador”. Os 50 subscritores consideram “inconcebível” que, mesmo tendo decorrido “longos cinco meses” entre o primeiro-ministro se ter demitido na sequência do comunicado da Procuradoria-Geral da República (PGR) e a sua cessação de funções, o Ministério Público nem sequer se tenha dignado a informá-lo sobre o objeto do inquérito, nem o tenha convocado para qualquer diligência processual, referindo-se à Operação Influencer.

“Além de consubstanciarem uma indevida interferência no poder político, estes episódios também não são conformes às exigências do Estado de Direito democrático”, afirmam os subscritores. Apesar da gravidade do sucedido, registam que não houve qualquer consequência interna na condução das investigações e dos atos processuais “por força de um funcionamento e de uma cultura de perfil corporativo que manifestamente predomina no Ministério Público”.

Desta cultura corporativa, bem como “da assumida desresponsabilização da Procuradora-Geral da República pelas investigações”, decorre que a política criminal, em vez de ser definida pelo poder político como está previsto na Constituição, é, na prática, executada por magistrados do Ministério Público “sem qualquer mandato constitucional”, os quais exercem “um poder sem controlo” externo ou interno.

Apesar desta “perigosa realidade”, o manifesto dos 50 constata que “nem qualquer órgão de soberania, nem qualquer partido político relevante têm mostrado a necessária vontade e coragem políticas para encetar uma verdadeira reforma da Justiça”. Por isso, apelam a “um sobressalto cívico” da sociedade no ano em que a democracia portuguesa acaba de celebrar os seus 50 anos, impelindo “os responsáveis políticos a assumirem as suas responsabilidades” e a levarem a cabo uma reforma que, “respeitando integralmente a independência dos tribunais, a autonomia do Ministério Público e as garantias de defesa judicial”, resolva os “estrangulamentos e as disfunções” que minam a sua eficácia e a sua legitimação pública.

Efetiva separação entre o poder político e a justiça

O Manifesto dos 50 apela também a que reforma pedida “não seja desenhada à medida dos interesses corporativos dos diversos operadores do sistema”, mas que, pelo contrário, tenha o cidadão e a defesa do Estado de Direito Democrático como eixos centrais das suas preocupações. Nesse sentido, a primeira prioridade deve ser “garantir uma efetiva separação entre o poder político e a justiça”, seguindo-se a “transparência” no funcionamento das instituições judiciais e a capacidade dos órgãos democraticamente eleitos “definirem a política criminal” e “controlarem a sua execução”.

Nas outras prioridades avançadas pelo manifesto, duas dirigem-se diretamente às magistraturas: “Reconduzir o Ministério Público ao modelo constitucional do seu funcionamento hierárquico, tendo como vértice o PGR, responsabilizando cada nível da hierarquia pela legalidade e qualidade do trabalho profissional das equipas”; e “reforçar os meios de avaliação efetiva e independente no seio do sistema judiciário e implementar mecanismos de escrutínio democrático externo”, designadamente pela Assembleia da República.

Os 50 subscritores exigem também “ponderação, rigor, proporcionalidade e concreta fundamentação, quer na abertura da investigação penal, quer no uso dos meios de investigação especialmente intrusivos como as escutas e as buscas domiciliárias”, fazendo “prevalecer desde o início o princípio constitucional da presunção de inocência”. Fazer “cumprir efetivamente o segredo de justiça”, assim como “reduzir drasticamente a morosidade dos processos judiciais”, são outras prioridades.

O manifesto termina afirmando que “a melhor e mais nobre comemoração que podemos assumir nos 50 anos da democracia portuguesa é reconhecer de forma digna e leal o que a está a fragilizar e, honrando o nome dos que por ela lutaram, ter a coragem e a vontade de mudar”.

A lista completa dos 50 nomes

  • Agostinho Abade
  • Alberto Costa
  • Álvaro Beleza
  • André Coelho Lima
  • António Barbas Homem
  • António Barreto
  • António Correia de Campos
  • António Monteiro
  • António Vitorino
  • Augusto Santos Silva
  • Carla Castro
  • Daniel Oliveira
  • Daniel Proença de Carvalho
  • David Justino
  • Diogo Feio
  • Eduardo Ferro Rodrigues
  • Fernando Melo Gomes
  • Fernando Negrão
  • Francisco Porto Fernandes
  • Francisco Rodrigues dos Santos
  • Germano Marques da Silva
  • Isabel Soares
  • João Bosco Mota Amaral
  • João Caupers
  • Jorge Marrão
  • José António Pinto Ribeiro
  • José Francisco de Faria Costa
  • José Luís Pinto Ramalho
  • José Mário Ferreira de Almeida
  • José Pacheco Pereira
  • José Vieira da Silva
  • Karin Wall
  • Leonor Beleza
  • Lucinda Dâmaso
  • Luísa Meireles
  • Manuel Sobrinho Simões
  • Maria de Lurdes Rodrigues
  • Maria Elisa Domingues
  • Maria João Antunes
  • Maria Manuel Leitão Marques
  • Miguel Sousa Tavares
  • Mónica Quintela
  • Paulo Mota Pinto
  • Renato Daniel
  • Rui Rio
  • Sónia Fertuzinhos
  • Teresa Pizarro Beleza
  • Teresa de Sousa
  • Vital Moreira
  • Vítor Constâncio

Governo sem maioria é oportunidade para “entendimento pluripartidário”, defende Santos Silva

Augusto Santos Silva, um dos 50 subscritores do manifesto, vê na falta de um Governo de maioria absoluta uma “oportunidade” para chegar a um “entendimento pluripartidário” numa reforma do setor judicial. Em declarações à RTP3, na manhã desta sexta-feira, o ex-presidente da Assembleia da República considera que os partidos “devem dar o primeiro passo” nesse sentido.

No entanto, assume que o Governo também tem um papel essencial na execução dessa reforma. Lembrando que a nova ministra da Justiça iniciou um processo de auscultação aos partidos com assento parlamentar sobre o combate à corrupção, Santos Silva defende que se acrescentem “mais pontos” nessas conversas.

“O Presidente da República também tem um papel importante, (…) porque quando duas maiorias parlamentares [o Governo da República e o Governo regional da Madeira] caem por consequência direta de iniciativas judiciais que na primeira vez que vão a tribunal são fragilizadas de tal forma por esse mesmo tribunal, então é preciso ponderar se o regular funcionamento das instituições não necessita de uma intervenção sua“, argumenta.

Questionado se a reforma a que apela não podia ter sido feita antes, quando o Partido Socialista tinha maioria absoluta no Parlamento, Augusto Santos Silva reconhece que “houve momentos em que podia ter sido feita e não foi feita“. O manifesto nasce, por isso, “de pessoas com experiência profissional e pública muito diversa”, mas “que não estão hoje investidas de funções políticas”.

“Assim, podemos ajudar os legisladores com a nossa opinião, as nossas ideias e o nosso apoio”, sustenta o antigo presidente do Parlamento, reiterando que o objetivo “não é atacar a Justiça ou o Ministério Público, é defender a Justiça e o Ministério Público”.

(Notícia atualizada às 11h14 de sexta-feira com declarações de Augusto Santos Silva)

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