Mais do que alcançar a paridade, é necessário conquistar a igualdade de oportunidades

  • Cláudia Pinto
  • 6 Maio 2024

Muito já foi conquistado nos 50 anos do 25 de abril no que respeita aos direitos das mulheres. Mas ainda faltam muitas décadas para que sejam naturalmente líderes.

Faltam 132 anos para alcançar a paridade total entre mulheres e homens. É o que conclui um estudo apresentado em março do ano passado pelo Movimento Life – Liderança no Feminino e que indica ainda que, “apesar de a área da saúde ser predominantemente feminina, com as mulheres a representarem 75% do total da força de trabalho, apenas um terço ocupa cargos de liderança”. Este foi o ponto de partida para mais um episódio do ciclo de conversas “Mulheres com Eco”, que contou com a participação de Ema Paulino, presidente da Associação Nacional das Farmácias (ANF), Marta Rebelo, ativista e consultora para a saúde mental e Maria do Céu Machado, médica pediatra e presidente da Sociedade das Ciências Médicas de Lisboa.

Este é um debate que não se esgota e que deve envolver todos. E, apesar de tudo o que se conquistou em 50 anos do 25 de abril, há ainda um longo caminho a percorrer. “É uma discussão que temos mesmo de fazer para tentarmos alguma aceleração neste intervalo temporal assustador”, disse Marta Rebelo. E, acrescenta: “Na comemoração dos 50 anos do 25 de abril, faz todo o sentido falar daquilo que [esta data] abriu portas e daquilo que ainda não se concretizou.” Há 50 anos, as mulheres não votavam, precisavam de autorização para viajar e para trabalhar. Claro que muito aconteceu, mas ainda há muito que fazer. Sensibilizar as gerações mais jovens e promover o diálogo intergeracional entre mulheres e homens é algo que Marta Rebelo defende. “O tema da igualdade de género é um tema da sociedade, não é um tema das mulheres.”

Maria do Céu Machado deu o exemplo do nascimento das filhas, a mais velha – que nasceu um ano antes do 25 de abril – e a mais nova, que nasceu um ano depois. “Quando nasceu a mais velha, eu já era médica, e as médicas não tinham licença de maternidade, o que é uma coisa extraordinária. A lei indicava que a mulher tinha o bebé num dia e, no dia seguinte, tinha de ir trabalhar para o hospital”, referiu, acrescentando que “apesar de tudo, muito caminho foi percorrido”.

“Para se alcançar a igualdade de oportunidades é preciso uma geração de homens que perceba que, seja no trabalho, seja em casa, o seu papel não é só ajudar”, sublinha Maria do Céu Machado, médica pediatra e presidente da Sociedade das Ciências Médicas de Lisboa

A história mostra que na área da saúde houve uma grande vontade de as mulheres chegarem ao topo, no sentido de se mostrar que são capazes. “Agora estamos numa fase um pouco diferente. Já temos a noção de que conseguimos, mas há quem prefira atualmente ter uma melhor conciliação entre a vida profissional e familiar. Obviamente que para se alcançar esta igualdade de oportunidades é preciso uma geração de homens que percebe que, seja no trabalho, seja em casa, o seu papel não é só ajudar.”

Numa conversa dinâmica e informal, discutiram-se características específicas da mulher e do homem, mas também de personalidade, o que é transversal a ambos os géneros. Por um lado, a mulher alimenta a tradição dos papéis que lhe foram sendo atribuídos ao longo dos anos. “Socialmente, ainda está reservado para a mulher a questão de cuidar dos filhos e da casa. E as primeiras culpadas somos nós porque perpetuamos essa dinâmica e educamos os nossos filhos dentro dessa dinâmica”, defendeu Marta Rebelo.

“No mundo ideal, eu não quero que seja líder uma mulher porque é mulher, mas que, no ponto de partida, o acesso seja condicionado às mulheres e seja favorecido aos homens, e ainda estamos aí, infelizmente”, afirma Marta Rebelo, ativista e consultora para a saúde mental

A ex-deputada do PS partilhou ainda que foi educada no sentido de “não há limites, fazes o que quiseres, o que conseguires e o que tiveres vontade, se te esforçares”. Esta ideia de meritocracia foi esbatida de frente quando se preparou para chegar à Assembleia da República, aos 30 anos. “Foi aí que percebi que o mundo não era como me tinha sido vendido [durante o crescimento].”

O setor farmacêutico é composto maioritariamente por mulheres. Ema Paulino confirmou que assim é e que esta realidade irá perpetuar-se “até pela demografia que continuamos a assistir nas próprias faculdades”. No entanto, também no setor farmacêutico, só até há bem pouco tempo é que houve uma liderança verdadeiramente feminina. “A primeira bastonária da Ordem dos Farmacêuticos foi há pouco mais de dez anos e, entretanto, tivemos uma segunda bastonária. Eu própria sou a primeira presidente mulher da ANF, nos últimos 50 anos”, afirmou. Ema Paulino é também a primeira mulher jovem a integrar o Comité Executivo da Federação Internacional Farmacêutica depois de um percurso feito nesta instituição.

“Cada vez que uma mulher chega a um lugar de liderança é a inspiração para muitas outras e para se perceber que há vários estilos de liderança que dão certo e que funcionam”, refletiu Ema Paulino, presidente da Associação Nacional das Farmácias (ANF)

Tem-se notado também uma “maior ambição por parte das farmácias para integrar as lideranças”. Ema Paulino não é propriamente adepta de quotas sobretudo quando se olha para uma lista e se percebe que a mesma está construída de acordo com as imposições legais. “Ao longo de toda a minha carreira, sempre pensei que não iria chegar a cargos de topo de liderança porque não tinha as características de um líder. Todos os líderes com quem tinha convivido e que tinha como referência eram homens.” Entretanto, nos últimos anos, foi interagindo com mais mulheres em posições de liderança e percebeu que consegue “liderar as suas equipas de uma forma eficaz” e com a concretização de objetivos.

“Cada vez que uma mulher chega a um lugar de liderança é a inspiração para muitas outras e para perceberem que há vários estilos de liderança que dão certo e que funcionam”, refletiu a presidente da ANF.
Neste episódio, falou-se também de saúde mental e da síndrome do impostor que se caracteriza pela tendência em desvalorizar os sucessos e as próprias capacidades, numa espécie de autossabotagem e de dúvida permanente. “No mundo ideal, eu não quero que seja líder uma mulher porque é mulher, mas que, no ponto de partida, o acesso seja condicionado às mulheres e seja favorecido aos homens, e ainda estamos aí, infelizmente”, disse Marta Rebelo.

No final desta conversa, a consultora para saúde mental explicou que “a saúde mental é a terra do preconceito com um estigma por parte de todos em relação a todos” e que a pandemia trouxe este tema para a discussão social. “As doenças mentais são muito democráticas, não olham a género, a condição social e, infelizmente, são um domínio de enorme igualdade.”

E o que esperam as convidadas para os próximos 50 anos? Ema Paulino confessa que espera que se “alcance, não a paridade por si só, mas a igualdade de oportunidades. E, tanto os homens como as mulheres, se sentirem que querem fazer um caminho de liderança de equipas ou de organizações, não se sintam discriminados para lá chegar”. Marta Rebelo concorda e defende que “do ponto de partida devemos estar todos nas mesmas condições independentemente do nosso género e espero que as minhas sobrinhas possam crescer durante mais tempo do que os meus 28 anos a acreditar que não têm obstáculos de género para conseguirem aquilo que entenderem “.

Maria do Céu Machado gostava de assistir a uma mudança de discurso quando são feitos convites para alguns cargos, como lhe aconteceu durante a sua carreira, e que o mesmo não seja no sentido de que o convite é endereçado “porque são precisas mais mulheres”, independentemente das competências e meritocracia.

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