IRS, pensionistas e demissões marcam primeiro mês de Governo

O Executivo já avançou com algumas medidas, mas está "mais fragilizado" diante da polémica com as contas públicas e a coligação negativa entre PS e Chega, segundo politólogos consultados pelo ECO.

Desde a proposta para a descida das taxas de IRS aos decretos que aumentam e alargam o Complemento Solidário para Idosos (CSI), e que não têm de passar pelo Parlamento, às negociações para descongelar a carreira do professores e para atribuir um suplemento de risco às polícias, o Governo de Luís Montenegro já avançou com medidas importantes nos primeiros 35 dias, desde que tomou posse, e passados dois meses desde as eleições de 10 de março. Mas estes trunfos acabaram por se esfumar diante de polémicas demissões, da coligação negativa entre PS e Chega para aprovar o fim das portantes nas ex-SCUT e da confusão instaurada com as contas públicas.

Apresentação e debate do programa do XXIV Governo Constitucional na Assembleia da República - 12ABR24
Joaquim Miranda Sarmento, ministro das Finanças, Pedro Duarte, ministro dos Assuntos Parlamentares, Luís Montenegro, primeiro-ministro, na apresentação e debate do programa do XXIV Governo Constitucional na Assembleia da RepúblicaHugo Amaral/ECO

“É um arranque atribulado e num contexto em que o Governo tem muito pouca margem para deslizes. Não é um arranque desastroso mas atribulado”, salienta ao ECO André Azevedo Alves, professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica. O politólogo refere-se, nomeadamente, a “nomeações que não se concretizaram”, como a de Patrícia Dantas, que ia assumir funções como adjunta do ministro de Estado e das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, e que acabou por não ser designada para o cargo depois de o Correio da Manhã ter noticiado que enfrenta uma acusação de um crime de fraude na obtenção de fundos europeus. “Isto é um sinal de amadorismo”, sublinha o Azevedo Alves.

O politólogo também considera “negativas as exonerações da provedora da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa”, Ana Jorge, “e do diretor nacional da PSP”, José Barros Correia. A este respeito, Paula Espírito Santo nota que “o Governo não está a conseguir passar uma mensagem de estabilidade e de harmonização com os vários setores da sociedade”.

A investigadora do Instituto de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa (ISCSP) considera ainda que “o Executivo está a ter alguma dificuldade de comunicação, o que depois agrava a imagem do Governo junto dos portugueses e os vários setores da sociedade”. “E essa fragilidade notou-se desde o início, desde a dificuldade em conseguir convidar secretários de Estado para o Governo desde dificuldade em eleger o Presidente da Assembleia da República, José Pedro Aguiar-Branco”, recorda.

Por outro lado, a “confusão no custo da proposta do Governo para a descida do IRS era evitável”, destaca ainda o professor da Universidade Católica. De recordar que o Executivo anunciou, inicialmente, que a redução das taxas entre 0,25 pontos percentuais (p.p.) e 3 p.p. até ao 8.º escalão do IRS iria custar 1.500 milhões de euros. Mais tarde, Miranda Sarmento acabou por esclarecer que esta fatura já contabilizava a redução do imposto, de cerca de 1.152 milhões de euros, aprovada pelo anterior Executivo.

Ou seja, afinal a despesa com esta medida é de apenas 463 milhões, dos quais 348 milhões de euros, que se irão sentir já este ano, por via da diminuição da retenção na fonte, e 115 milhões de euros, com efeitos em 2025, através dos reembolsos.

“Esta atitude fragiliza a posição do Governo face à oposição, dificulta a governabilidade e abre a porta a mais coligações negativas como aquela que se formou para aprovar o fim das portagens das ex-SCUT”, analisa André Azevedo Alves. De lembrar que o PS conseguiu fazer passar o seu projeto de eliminação da cobrança de sete antigas vias sem custos para o utilizador (SCUT) com ajuda do partido de André Ventura e à revelia do PSD e do CDS.

Paula Espírito Santo alerta que “este tipo de uniões, entre PS e Chega pode acontecer mais vezes”, porque “o Governo tem pouca força política e poucos alicerces para se fazer ouvir”. A instabilidade política que paira sobre o Executivo também pode “minar a confiança dos investidores externos”, aponta. Para além disso, “e sem uma maioria confortável no Parlamento, a oposição poderá juntar-se e aprovar mais medidas despesistas, mesmo contra a vontade do Governo, prejudicando a trajetória da dívida pública”, alerta a politóloga.

A polémica em torno das contas certas, com Joaquim Miranda Sarmento a revelar que o anterior Executivo, de António Costa, aprovou mais de mil milhões de despesa sem cabimento orçamental, valor que depois disse que, afinal, era de 2,5 mil milhões de euros também “não favorece a confiança dos portugueses junto deste Executivo”, sinaliza Paula Espírito Santo. “Parece que o Governo quer agora justificar eventuais recuos nas promessas eleitorais, parece que é uma tentativa de refrear os ânimos e as expectativas dos vários setores”, esclarece.

A investigadora ressalva que “é natural que, depois das eleições, o Governo passe a ter uma visão mais realista, menos otimista, mas não pode fazer um volte-face de forma tão repentina”. “Esta posição pode desacreditar as forças políticas que suportam o Governo em futuras eleições, seja nas Europeias, seja numas legislativas antecipadas. E isso vai reforçar a demagogia e o populismo, dando mais espaço para partidos como o Chega crescerem”, sinaliza.

Para Marco Lisi, professor no departamento de Estudos Políticos da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (NOVA FCSH), a avaliação ao primeiro mês de Governo “tende a ser negativa por duas razões principais: a primeira é porque não se sabe quais são as prioridades do Governo e nalgumas decisões chaves em que o podia avançar – como no novo aeroporto, na execução do PRR (Plano de Recuperação e Resiliência), ou na lei sobre o lóbi – ainda não se sabe bem o que quer fazer”.

Por outro lado, “parece não existir ainda uma estratégia clara para negociar com os outros partidos do Parlamento ou pelo menos para construir alianças pontuais e isto é um problema em termos de governação, porque sem ter garantias de viabilizar as medidas do governo, é impossível projetar e implementar verdadeiras reformas de médio e longo prazo”, sinaliza o politólogo.

Apesar das pedras na engrenagem do Governo, André Azevedo Alves salienta como “positivo” o facto de “já se ter avançado em matérias importantes com negociações setoriais para o descongelamento da carreira dos professores e para o pagamento do suplemento de risco para os polícias”.

E, entre todas as propostas e anúncios, há pelo menos três medidas para os pensionistas mais pobres que avançam já, por decreto do Governo, isto é, sem necessidade de passar pelo crivo do Parlamento, onde a AD não tem uma maioria confortável: aumento do CSI em 50 euros para 600 euros já em junho; exclusão dos rendimentos dos filhos no apuramento da elegibilidade do candidato para o apoio; e medicamentos com receita 100% gratuitos para os beneficiários do Complemento Solidário para Idosos.

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