Governo aprova aeroporto em Alcochete e garante que contribuintes não pagam infraestrutura

Executivo promete "estudar um modelo de financiamento sem aporte do Orçamento do Estado". Não se compromete com estimativas de custos, mas situa valor entre os 6.000 e os 8.000 milhões.

Está confirmada a escolha do Campo de Tiro de Alcochete para a localização do novo aeroporto da região de Lisboa. A decisão foi aprovada em Conselho de Ministros esta terça-feira, em São Bento. Com este anúncio, o primeiro-ministro cumpre assim uma das suas promessas eleitorais: anunciar uma decisão célere sobre a localização do novo aeroporto, tema que está na gaveta há quase 50 anos. O novo aeroporto chamar-se-á Luís de Camões, anunciou Luís Montenegro.

O Governo assume o aeroporto único como a solução mais adequada aos interesses do país. Alcochete garante margem de expansão física, acomodação de procura até praticamente o triplo da atual, salvaguarda da manutenção e crescimento possível do hub da TAP em Portugal”, afirmou o primeiro-ministro durante a sua declaração ao país, esta noite.

O Governo não se compromete com uma estimativa para o custo da obra, aguardando a proposta que venha a ser apresentada pela ANA – Aeroportos de Portugal, a concessionária. Mas ao que o ECO apurou, o montante avançado no estudo da Comissão Técnica e Independente (CTI) é considerado demasiado baixo. A CTI apontou que a construção de duas pistas no Campo de Tiro de Alcochete terá um custo total de cerca de 6,1 mil milhões de euros. Já a concessionária chegou a apontar para 8 mil milhões.

“O preço [avançado no relatório da CTI] achamos que está baixo. Contempla 26% a mais do que se praticava em 2019. Nós acreditamos que não será tanto como a estimativa da Ana, que no passado apontou para 8 ou 9 mil milhões. Acreditamos que será qualquer coisa entre estes dois valores”, afirmou o Ministro das Infraestruturas e Habitação, Miguel Pinto Luz, na conferência de imprensa após o Conselho de Ministros. “Mas isto não é de achismos. Vamos trabalhar para apresentar valores credíveis aos Portugueses”, afirmou.

O Executivo liderado por Luís Montenegro aponta, no entanto, o compromisso de “estudar um modelo de financiamento sem aporte do Orçamento do Estado“. Isto é, sem dinheiro dos contribuintes. Ou seja, seria pago com a receita das taxas aeroportuárias cobradas pela ANA, cenário também avançado pela CTI. O mesmo não acontece com as acessibilidades, que necessitarão de investimento público.

Também não é assumido um prazo para ter a obra terminada, embora a expectativa do Governo é que as companhias aéreas possam estar a voar do Campo de Tiro de Alcochete dentro de 10 a 15 anos, bem mais do que os seis a sete apontados pela CTI. Daí que Conselho de Ministros tenha aprovado também novos investimentos a realizar pela ANA no Humberto Delgado, para aumentar a capacidade dos 38 movimentos por hora para 45.

Governo vai negociar prazos mais curtos

Para apressar o novo aeroporto, o Governo vai negociar com a concessionária para reduzir prazos, que só para o desenvolvimento do projeto podem ultrapassar os três anos e meio. A ANA tem seis meses para elaborar um relatório inicial (“High Level Assumption Report“) e mais 30 dias para a preparação da candidatura. Segue-se a entrega de vários documentos e estudos: Relatório das Consultas, Relatório sobre o Local Selecionado e Estudo de Impacto Ambiental, Relatório Técnico, Relatório Financeiro e Candidatura Completa, num total de 36 meses.

O Campo de Tiro de Alcochete – que, numa primeira fase, funcionará em conjugação com o Humberto Delgado até a localização na margem sul ter em funcionamento as duas pistas previstas, evoluindo, por fim, para aeroporto único – foi sempre a escolha de eleição da CTI para a localização do futuro aeroporto por reunir as melhores condições entre as restantes avaliadas.

É também a solução preferida pelo atual secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos, com quem o Governo já manteve contactos. Luís Montenegro acordou, ainda com o ex-primeiro-ministro António Costa, uma metodologia para uma decisão consensual, que passou pela criação da CTI.

A nova infraestrutura servirá para aliviar as pressões sentidas no atual aeroporto de Lisboa, fruto do crescimento do tráfego. Só entre 2019 e 2023 – altura marcada também pela pandemia – o tráfego aéreo no Aeroporto Humberto Delgado subiu 7,7% para 33,6 milhões de passageiros. E vai continuar a subir.

Num cenário em que não existe alternativa ao Aeroporto Humberto Delgado, as estimativas apresentadas pela CTI preveem que até 2030, os passageiros anuais rondem os 35 e os 38 milhões de passageiros, e superem a capacidade do aeroporto de Gatwick, em Londres, (40,9 milhões por ano) na década de 2040. Nessa altura, estima a CTI, o aeroporto de Lisboa receberá até 49 milhões de pessoas e chegará a meados do século com um máximo de 110 milhões de passageiros a desembarcar naquele aeroporto. O ECO sabe, no entanto, que o Governo considera estas projeções da CTI demasiado otimistas.

A incapacidade da infraestrutura dar conta do aumento da procura reflete-se nos números: no ano passado, Lisboa ocupou o 19º lugar no ranking de conectividade direta em 20 aeroportos e regista apenas 52,5% de pontualidade à partida.

Airport Industry Connectivity Report, 2023 – Ranking de conectividade diretaAirport Industry Connectivity Report, 2023

 

Mas as pressões são também sentidas fora da infraestrutura devido à sua proximidade com o centro da cidade, o que suscita por seu turno preocupações ambientais. Segundo a Agência Europeia do Ambiente, Lisboa ocupava, em 2019, o segundo lugar de capital com mais habitantes expostos ao ruído aeronáutico.

Então, porquê Alcochete?

Face à evolução do tráfego de passageiros, o CTI indicou ao Governo anterior liderado por António Costa que o Campo de Alcochete seria a melhor solução para o novo aeroporto, e Luís Montenegro – embora tivesse admitido recorrer a um grupo de trabalho formado pelo PSD para analisar as opções em cima da mesa – concordou.

Segundo a equipa liderada por Rosário Partidário, o aeroporto em Alcochete permite não só acomodar a procura até e depois de 2050, como também mitigar os impactos ambientais e sociais sentidos na região de Lisboa, uma vez que o Campo de Alcochete situa-se numa zona de baixa densidade populacional e em terrenos maioritariamente públicos. A localização precisará, no entanto, de uma nova Declaração de Impacte Ambiental (DIA), já que atual encontra-se caducada.

A localização na margem sul permite ainda descentralizar o tráfego do centro de Lisboa, impulsionando a aposta na ferrovia, e acomodar os planos de expansão da TAP. Os dados preliminares da companhia aérea indicam que, até 2050, a TAP deverá somar entre 190 e 250 aeronaves. Neste momento, a companhia aérea dispõe de 71 aeronaves.

E não só. A nova infraestrutura permitiria atuar como catalisador da atividade económica da zona do Arco Ribeirinho do Sul e ainda desenvolver o conceito de cidade aeroportuária, ou Airport City, isto é, uma cidade que reúna todos os serviços e instalações concebidos para facilitar os viajantes.

Mas tudo isto levará tempo, realidade que não agrada ao Governo e que motivará negociações com a ANA para abreviar os prazos. Entre o relatório inicial emitido pela ANA e o pedido de preparação de candidatura ao novo aeroporto de Lisboa, serão precisos sete meses. Depois, a concessionária necessita de até três anos para apresentar a candidatura, documento que precisará, entre vários, de um relatório sobre o local selecionado, um estudo de impacte ambiental e ainda um relatório financeiro sobre o projeto.

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