Exclusivo Pagamentos suspeitos na Benfica SAD na época de Filipe Vieira
A auditoria forense da EY às contas da Benfica SAD revelou comissões inflacionadas, contratos irregulares e potenciais conflitos de interesse nas transações de jogadores.
A auditoria forense da EY realizada às contas da Benfica SAD, que foi promovida pelo clube da Luz no âmbito da “Operação Cartão Vermelho”, identificou algumas inconformidades contratuais, contabilísticas e fiscais nas transações de 51 jogadores, selecionados de um total de 176 negócios realizadas pela Benfica SAD entre 2008 e 2022. O relatório, conhecido esta sexta-feira e a que o ECO teve acesso em primeira mão, evidencia, desde logo, que grande parte das 51 transações analisadas apresentam comissões pagas aos agentes acima dos limites definidos pela FIFA, que sugerem um máximo de 3% da remuneração bruta e de 10% do valor da transferência.
Um desses casos passou-se com a renovação do contrato do jogador Pedro Filipe Figueiredo Rodrigues (“Pêpê”) a 2 de fevereiro de 2017, que contou com a participação do agente Ulisses Santos.
Segundo a EY, com base em documentação recolhida junto da SAD dos encarnados, a Benfica SAD assinou nessa data um novo contrato de representação com a US11 Lda. (detida em 80% pela empresa Bibella Investments, S.A., sediada no Panamá) no valor de 500 mil euros para desenvolver as diligências necessárias para a celebração de contrato de trabalho desportivo com o jogador, que nunca chegou a atuar pela primeira equipa. “O valor da comissão corresponde a 278% do valor da remuneração bruta definida no contrato de trabalho desportivo do jogador celebrado com a Benfica SAD”, refere a auditoria forense.
A auditoria forense da EY revela a inclusão de cláusulas incomuns em alguns contratos de jogadores e pagamentos feitos para contas pessoais em vez de contas institucionais.
A renovação contratual do atleta Pêpê não foi um caso único entre os vários negócios analisados pelos técnicos da EY que foram para lá dos limites dos guidelines da FIFA.
A auditora refere que em 71% dos casos analisados, entre negociações e renegociações de contratos de trabalho desportivo, os agentes envolvidos receberam comissões superiores a 3% da remuneração bruta. Foi isso que sucedeu com Seferovic (34% no primeiro contrato e 9% no segundo), Ronaldo Camará (980%), Jonathan Ongenda (114%), Dálcio Gomes (111%), Pelé (50%) e tantos outros.
A EY destaca também que em 44% dos casos envolvendo transferências de passes de jogadores, os agentes receberam comissões superiores a 10% do montante da transferência. Foi isso que sucedeu com a aquisição dos passes dos jogadores Derlis Gonzalez (34%), Odysseas Vlachodimos (33%) ou Konstantinos Mitroglou (13%).
Porém, o relatório também refere que isso não implica necessariamente práticas inadequadas, destacando que ir para lá desses limites é uma prática comum em muito clubes europeus, nomeadamente de França, Inglaterra, Itália e Alemanha, citando o relatório de dezembro de 2023 “Football Agents in International Transfers”.
Conflitos de interesses e transferências suspeitas
Além das disparidades dos valores associados às comissões, a análise da EY refere que muitas das compras e vendas de passes de jogadores, apesar de terem sido ratificadas nas reuniões do Conselho de Administração da Benfica SAD (conforme documentado nas atas das reuniões), os documentos não estavam assinados conforme os estatutos da Benfica SAD, que exigem duas assinaturas.
Foi o caso do contrato de aquisição dos direitos económicos do jogador César Martins à empresa Trade IN em julho de 2014, que foi assinado apenas pelo ex-presidente Luís Filipe Vieira, contrariando os estatutos da empresa.
O mesmo sucedeu com o contrato de cedência temporária do jogador Talisca ao Besiktas AS, que apenas se encontra assinado por Luís Filipe Vieira em representação da Benfica SAD.
Apesar de a auditoria forense da EY ter apurado uma série de irregularidades em 51 transações analisadas (29% dos negócios feitos entre 2008 e 2022), estas não foram consideradas materialmente relevantes ou já tinham prescrito.
A auditoria forense revela também a inclusão de cláusulas incomuns em alguns contratos e pagamentos feitos para contas pessoais em vez de contas institucionais. Por exemplo, uma parcela do pagamento pela aquisição dos direitos de Derlis Gonzalez foi realizada para a conta de Carlos Alberto Gamarra Pavón (que jogou pelo Benfica entre 1995 e 1997), “contrariamente ao definido no contrato cuja conta bancária indicada teria como beneficiário a FCR Sports S.A.”, refere a EY.
O mesmo sucedeu com o pagamento do Mecanismo Financeiro de Solidariedade (“MFS”) do jogador Pedro Henrique ao Ceres FC, que foi realizado para a conta do presidente do clube, Jose Alfredo Curado Fleury Junior. “Acerca desta particularidade, obtivemos uma comunicação remetida à Benfica SAD com a informação de que a transferência deveria ser realizada para uma conta bancária não pertencente ao clube”, destacam os auditores.
Segundo a análise dos auditores, foram detetados mais dois casos em que o pagamento foi efetuado para uma conta distinta da entidade que se relacionou com a Benfica SAD e uma situação em que o pagamento relativo à aquisição de direitos económicos foi feito através de entidades terceiras.
Do ponto de vista financeiro, a EY destaca ainda 15 operações em que não foi possível identificar acionistas ou beneficiários efetivos das empresas com as quais a Benfica SAD se relacionou. Esta situação sucede, em grande medida, quando em causa estão empresas sediadas em paraísos offshores, como sucede com 10 companhias identificadas pela EY, como a Bibella Investments, S.A., que realizou várias operações com a SAD benfiquista através do agente Ulisses Santos e da empresa US11, Lda.
A auditoria forense à Benfica SAD identifica ainda uma dezena de potenciais conflitos de interesses nas negociações sobre os direitos económicos e/ou desportivos dos jogadores. Um desses casos envolve Bruno Macedo, arguido no processo “Operação Cartão Vermelho” e detido em julho de 2021, que intermediou a contratação pela Benfica SAD do jogador Nuno Santos e a venda de Taslisca ao Besiktas AS, era ainda gerente da promotora imobiliária Promotav — de fevereiro de 2018 a dezembro de 2020 — em que Luís Filipe Vieira vigora como acionista indireto de 50% das quotas através das empresas Inland e Votion.
A auditoria forense da EY realizada às contas da Benfica SAD, no âmbito da “Operação Cartão Vermelho”, foi iniciada em setembro de 2021 e concluída em outubro de 2023, e apesar de ter apurado uma série de irregularidades em 51 transações analisadas (29% dos negócios feitos entre 2008 e 2022), estas não foram consideradas materialmente relevantes ou já tinham prescrito, conforme a análise da auditora.
Além disso, os auditores da EY concluem que não identificaram qualquer situação ou particularidade em que a Benfica SAD tenha sido diretamente lesada por qualquer um dos seus representantes.
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