BRANDS' CAPITAL VERDE “O Estado deve definir a transição para a mobilidade elétrica como uma prioridade”

  • BRAND'S CAPITAL VERDE
  • 18 Junho 2024

António Pires de Lima, Presidente BCSD Portugal, explicou, em entrevista ao ECO, qual o atual panorama das empresas portuguesas relativamente à sustentabilidade.

A Cordoaria Nacional, em Lisboa, vai receber, no próximo dia 3 de julho, a Conferência BCSD Portugal 2024, um evento organizado pelo BCSD Portugal que tem como tema “Empresas com futuro: Como navegar para uma economia sustentável e justa?”.

O evento, que vai juntar vários líderes empresariais e especialistas de diversos setores, pretende discutir a relação entre os drivers de sustentabilidade internos e externos e a economia regenerativa, perceber como podem as empresas que apostam na diversidade contribuir para uma economia competitiva, quais os desafios iminentes para as empresas e para o planeta e como desbloquear o financiamento e o poder das alianças para alcançar os objetivos.

Em entrevista ao ECO, António Pires de Lima, Presidente BCSD Portugal, partilha a sua visão sobre o panorama da sustentabilidade nas empresas portuguesas, expõe alguns dos desafios desta transição, e ainda indicou possíveis soluções que a mudança seja mais rápida e justa.

As empresas em Portugal estão a ficar conscientes para o tema da sustentabilidade?

Sem dúvida. E a melhor prova disso é o crescimento do BCSD, que há cinco anos tinha menos de 100 associados e agora tem quase 200, nomeadamente através do crescimento da sua plataforma de PME. O BCSD surgiu há 25 anos como uma instituição que juntava, fundamentalmente, grandes empresas, e que apoiava as empresas a fazerem a viagem para a neutralidade carbónica, bem como para um comportamento mais responsável. Nos últimos anos, principalmente depois da pandemia, a sensibilidade a este tema cresceu muitíssimo. É um tema central da agenda política e da agenda de transformação das empresas.

Sobretudo em PME?

O crescimento tem sido uma combinação de grandes e de pequenas e médias empresas, mas é um facto de que em 2018/2019 nós já tínhamos uma plataforma de muitas grandes empresas. Portanto, é natural que o crescimento agora seja mais de PME, até porque essas têm um desafio extraordinário durante a próxima década, que passa por fazerem uma viagem transformacional e adequarem a sua forma de funcionamento, o seu método de contabilidade, para poderem fazer os reportings ambientais e darem conta da evolução que estão a fazer para cumprirem as metas de sustentabilidade, descarbonização e de biodiversidade.

Nesse sentido, o BCSD tem tido um papel central. Temos uma excelente equipa, hoje liderada pela Filipa Pantaleão, mas que conta com profissionais que fazem do BCSD o seu propósito fundamental, de grande qualidade, e que, ao nível do conhecimento, da formação, do treino, da educação, das empresas, são uma ajuda preciosa nesta transformação que está a ser requerida em muito pouco tempo às empresas portuguesas.

O que leva as empresas a se associarem ao BCSD?

Há um propósito claro das empresas que se associam, que é estarem na vanguarda desta transformação para uma economia limpa e neutra do ponto de vista de carbonização. Trata-se de uma economia que respeita a biodiversidade e que é composta por empresas que fazem da diversidade, da inclusão e da paridade das funções de maior responsabilidade uma razão de ser, e acreditam que essa diversidade e inclusão são fatores fundamentais da sua competitividade.

Primeiro, há um sentido de ideal ao pertencerem ao BCSD e, depois, há um sentido pragmático porque, de facto, o BCSD, com a sua equipa, é uma ajuda muito prática à transformação que as empresas têm de fazer, isto porque, tanto do ponto de vista de taxonomia, como do ponto de vista de formação e de educação, o tema é de uma exigência enorme, e as empresas, especialmente as PME, precisam muito deste instrumento, que é a equipa do BCSD, para ajudar nessa transformação.

Considera que as lideranças e gestão de topo estão consciencializadas para o tema da sustentabilidade?

É um caminho que se está a fazer. Eu diria que a consciência da sustentabilidade ambiental, social e da boa governação das empresas é muito maior hoje do que era há 20 anos. E há até, na sustentabilidade ambiental, um sentido de urgência que não existia no passado. E isso sente-se nas empresas.

Motivado por movimentos de fora, que pressionam as lideranças?

Motivado pela consciência política de que ou damos um contributo empresarial fundamental, ou funcionamos num registo de ameaça para as futuras gerações. E motivado também por mudanças financeiras que estão a existir.

Hoje, uma parte importante dos investidores, nomeadamente na Europa, põem uma exigência enorme nas empresas em que investem e os projetos que não têm uma visão de sustentabilidade têm mais dificuldades em atrair recursos de capital e de dívida. Por isso, isto é todo um ecossistema que se tem vindo a desenvolver e que tem ajudado muito a Europa, que está na vanguarda do caminho para a descarbonização e no respeito da biodiversidade. Acho que Portugal, de forma geral, tem-se integrado bem neste mandato em nome de uma economia verde, mas em determinadas áreas, nomeadamente a dos transportes, há um percurso muito longo a se fazer.

Ainda é muito longo?

Cerca de 30% das emissões de dióxido de carbono geradas em Portugal estão no setor dos transportes. É uma média mais alta do que a média europeia. E, por isso, estas apostas que estão agora a ser enunciadas, como a execução na Ferrovia e a transição do uso do automóvel para a mobilidade elétrica, são fundamentais. Nós temos de fazer esse caminho e usar o transporte aéreo para as viagens em que ele é fundamental, ou seja, viagens acima dos 600/800 quilómetros.

Nesse sentido, também vejo como um sinal de esperança as medidas que recentemente foram anunciadas, que permitem tirar o aeroporto de Lisboa. É preciso termos maior capacidade aeroportuária, que sirva a zona de Lisboa e o sul do país, e penso que, a partir do momento em que o processo político requereu uma metodologia de apoio técnico que resultou na proposta de Alcochete, esta é a decisão natural e que tem algumas vantagens. Isto porque é uma decisão que permite retirar o impacto ambiental do aeroporto na zona de Lisboa e isso é importante para uma instituição como o BCSD. Ainda neste ponto, as apostas que foram anunciadas na alta velocidade, que permitem fazer a ligação a Madrid, também me trazem esperança porque podem evitar uma boa parte do transporte aéreo.

Para além disso, gostaria de deixar aqui um desafio muito forte a este governo, que é agarrar o tema da transição para a mobilidade elétrica no automóvel com outra prioridade. Nós temos poucos carregadores elétricos fora dos centros urbanos para que as pessoas se sintam confortáveis em fazerem um investimento num carro 100% elétrico. Sem uma boa dotação de carregadores elétricos nas nossas vias rodoviárias, nomeadamente aproveitando o parque das áreas de serviço que já existe em todas as estradas portuguesas, é difícil fazer a transição.

E passa pelas empresas e pelo Estado?

Passa pelas empresas e pelo Estado. O Estado deve definir a transição para a mobilidade elétrica como uma prioridade e criar um mix de políticas e de incentivos do ponto de vista fiscal, do ponto de vista das novas concessões de autoestradas (que podem privilegiar a utilização de carros elétricos), e do ponto de vista da instalação de carregadores elétricos fora das zonas urbanas. São três elementos fundamentais para que a transição elétrica em Portugal possa ganhar outra aceleração, se não vamos demorar 15 a 20 anos a ter um parque fundamentalmente elétrico de automóveis.

Uma associação como o BCSD tem uma voz muito importante para estes temas. É ouvida pelas entidades governamentais?

Somos. Gostaríamos de ser mais ouvidos, com certeza. Mas nós também precisamos de fazer um esforço, com a ajuda da comunicação social, para saber dar eco aos nossos recursos do ponto de vista público.

Acho que temos feito um percurso bom e o facto de termos quase 200 associados dá-nos um peso diferente de quando éramos uma instituição que tinha 80 associados. Portanto, esta adesão maciça de empresas pequenas, médias e grandes ao BCSD e esta capacidade de resposta que a equipa tem dado no sentindo de ajudar estas empresas a fazerem esta transformação, é um fator de credibilidade muito grande para o BCSD.

Eu acredito que o universo político está interessado neste caminho para a sustentabilidade, e, nesse sentido, faz disto uma prioridade e precisa de ajuda. Então é óbvio que o BCSD tem aqui uma oportunidade de se constituir como um parceiro fundamental dos poderes públicos.

Que mensagem deixa às pessoas que se podem inscrever na conferência?

Acho que é um dia irrepetível do ponto de vista de construção de networking, de aquisição de conhecimento e de envolvimento. É um momento alto da nossa vida empresarial e daí o meu apelo para que encham as salas onde vai decorrer este evento e para que haja uma participação maciça. Há um leque de excelentes oradores, líderes empresariais e não só – tanto portugueses, como internacionais – que vão estar em Portugal, no próximo dia 3 de julho.

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