Mais de 70% dos executivos considera a chefia tóxica e 42% quer sair da empresa
Na hora de sair das empresas chefias tóxicas pesa mais do que os salários, aponta estudo da AESE junto a executivos entre os 40-55 anos. Há que "promover lideranças competentes e humanistas".
Cerca de metade dos executivos já “pensou seriamente” em sair da empresa no último ano, por causa de uma chefia e de uma cultura empresarial tóxica, aponta o estudo “Atrito e Retenção de talento”, da AESE Business School, a que o ECO teve acesso. Mulheres, profissionais com mestrado e que exercem cargos técnicos são quem mais considera sair da empresa por esse motivo. É recomendado, por isso, que sejam “promovidas lideranças competentes e humanistas”.
O estudo realizado pela AESE junto de antigos alunos da escola de negócios traça um retrato da relação que estes — na sua maioria (94%) executivos, com idades compreendidas entre os 40-55 anos — mantêm com a sua empresa. E o resultado não é animador: 42,3% considerou seriamente sair da empresa. Mais de metade motivada por chefias tóxicas (73,3%) e cultura empresarial tóxica (58%).
José Fonseca Pires, diretor e professor de Comportamento Humano na Organização, da AESE Business School, e um dos autores do estudo, elenca o que leva estes profissionais a classificar como tóxica a sua organização.
“Os aspetos que mais contribuem para que os jovens executivos considerem a sua realidade empresarial como tóxica, e sem ter a preocupação de estabelecer um ranking, são: a comunicação ineficaz ou inexistente; os ambientes de competição desleal; uma liderança apoiada em comportamentos abusivos, favoritismos, microgestão; falta de reconhecimento; níveis de stress excessivos; ambientes onde existem práticas discriminatórias ou desigualdades nas oportunidades de crescimento e desenvolvimento pessoal e profissional; falta de segurança psicológica e ambientes culpabilizantes“, enumera o docente.
Mulheres e quadros técnicos são quem mais quer sair
O estudo — que tem ainda como autores António Capela e Pedro Afonso (AESE) e Miguel Fonseca, da Universidade Nova de Lisboa, realizou-se junto de antigos alunos da AESE, tendo obtido 751 respostas (645 completas), de dois terços de homens, de diversos setores de atividade e de tipologia de empresas –, revela ainda que é junto das mulheres que essa vontade de sair da companhia é mais acentuada, com um total de 47,4% das mulheres vs 35,6% dos homens a manifestar essa intenção.
Uma diferença de género que pode resultar de uma combinação de “fatores sociais, culturais e organizacionais”. José Fonseca Pires enumera alguns deles: “as mulheres podem sentir uma pressão maior para equilibrar as exigências profissionais com as responsabilidades familiares. Em ambientes de trabalho tóxicos, as mulheres podem experimentar mais intensamente atitudes discriminatórias e comportamentos sexistas”.
“A falta de representação da liderança feminina pode resultar em menos suporte e valorização das mulheres; embora os ambientes tóxicos afetem a saúde mental de todos os colaboradores, as mulheres podem estar mais sintonizadas com suas necessidades de bem-estar e, priorizar mais a sua saúde emocional”, acrescenta.
É também entre os profissionais com mestrado (48,1%) e que exercem cargos técnicos (64,1%) que essa vontade de sair das empresas é mais acentuada, quando comparado com profissionais com o ensino secundário (26,1%) e com cargos de alta direção (35,4%).
A falta de representação da liderança feminina pode resultar em menos suporte e valorização das mulheres; embora os ambientes tóxicos afetem a saúde mental de todos os colaboradores, as mulheres podem estar mais sintonizadas com suas necessidades de bem-estar e, priorizar mais a sua saúde emocional.
Falta de autonomia e a possibilidade de assumir responsabilidades são outros fatores determinantes para esse sentimento. “Fala-se muitas vezes que, em Portugal, estamos perante ‘a geração mais bem preparada de sempre’; por isso, estas pessoas necessitam de ter oportunidade de ter um âmbito de decisão, de desenvolver projetos e equipas, de dar campo à sua criatividade e inovação. Muitos necessitarão de passar de uma função meramente técnica para uma área de gestão e de direção“, argumenta José Fonseca Pires.
Num momento em que no país se discute os baixos salários que levam à ‘fuga de cérebros’ para o mercado externo, as remunerações não são o fator mais destacado pelos inquiridos como motivo para a saída das empresas. “O estudo de campo que fizemos aponta, claramente, para a importância primordial de outros fatores, como causas de saída de talento das organizações; e por ordem de importância, chefia tóxica (73,3%), cultura empresarial tóxica (58,0%), falta de perspetivas de carreira (41,8%) e falta de reconhecimento (39,5 %)”, relata o docente.
“A baixa remuneração vem a seguir, com 38,3%; é um fator não despiciendo, mas as pessoas inquiridas não colocaram este fator como o principal motivo que os leva a pensar seriamente numa saída da empresa”, descreve o mesmo.
O que mudar nas empresas?
Face a este sentimento, de que modo as empresas podem atuar para reduzir os seus níveis de ‘toxicidade’ e, com isso, reduzir a saída de talento? A mudança começa na liderança de topo, sugerem os dados do estudo.
“Haverá dois tipos de estratégias: em primeiro lugar, reduzir o atrito, isto é, as saídas voluntárias; para tal, tudo começa por promover lideranças competentes e humanistas. É necessário reconhecer nos líderes ambos os aspetos: competência, para que se desenvolva confiança nas suas capacidades; E de humanismo para gerar confiança nos valores e nas intenções do líder da organização”, começa por referir o professor de Comportamento Humano na Organização, da AESE Business School.
Em segundo lugar, indica, as empresas devem implementar “estratégias que promovam a fidelização dos colaboradores; Aqui parecem ser relevantes os seguintes fatores: dar espaço para que tenham mais responsabilidades, e autonomia; políticas de reconhecimento do mérito e de valorização profissional, bem como fazer “um acompanhamento discreto, atento e personalizado que permita reagir prontamente diante de sinais de burnout”, assim como “dar oportunidades de formação em Direção e Gestão, de modo a dar ferramentas para a progressão profissional.”
Haverá dois tipos de estratégias: em primeiro lugar, reduzir o atrito, isto é, as saídas voluntárias; para tal, tudo começa por promover lideranças competentes e humanistas. É necessário reconhecer nos líderes ambos os aspetos: competência, para que se desenvolva confiança nas suas capacidades; e de humanismo para gerar confiança nos valores e nas intenções do líder da organização.
Os dados do estudo parecem sustentar esta visão, com 65% a apontar uma chefia que valoriza o trabalho e bom ambiente como um dos fatores que fidelização à empresa. Perspetivas de carreira (53,3%), o favorecimento de uma cultura empresarial positiva (50,8%) e incentivos financeiros (43,8%) são também fatores referidos no inquérito. Mas não só. Cerca de metade (46,5%) refere o fato da empresa fomentar um equilíbrio entre trabalho e família.
Nesse sentido, a adoção de modelos de trabalho, como a semana de quatro dias ou o híbrido, poderia contribuir para uma melhoria das relações, mitigando essa perceção de toxicidade? “Ainda está muito em aberto”, admite José Fonseca Pires. Para o docente, há “uma variabilidade grande consoante setores de atividade, nível de responsabilidade na empresa, função a desempenhar na organização, fatores pessoais e familiares…”.
“O isolamento e a quebra de relações pessoais e profissionais, favorecidas pelo trabalho remoto e pela menor presença no local de trabalho, são fatores de infelicidade e de desgaste pessoal… Mas também é certo que devemos ter em conta o tempo que se poupa quando se fica em casa a trabalhar, a conveniência que a presença em casa pode proporcionar, etc. É um tema para o qual não há respostas unívocas; a solução a adotar pelo líder deve basear-se naquilo que ouvir das pessoas, consultando a sua equipa de direção e afinando conforme o que for observando nas pessoas e no negócio“, sugere.
Em Portugal, o piloto da semana de quatro dias aliviou níveis de stress nos trabalhadores das empresas que adotaram a jornada de trabalho mais curta, sem aparente impacto na produtividade, mas os empresários dizem que há que testar mais.
“Parece-me prudente a atitude e as sugestões dos empresários. O tema é relevante, a preocupação pelo bem-estar dos colaboradores deve ser uma prioridade, mas a produtividade e a criação de riqueza é um imperativo das empresas, que lhes garante continuidade e que não deve ser descurado. Façam-se mais e melhores estudos, também longitudinais, para se perceber se estes efeitos se alteram com o passar do tempo, pois assuntos sérios devem ser encarados e resolvidos com ponderação e segurança”, diz o docente, quando instado a comentar a posição dos empresários.
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