Trump ensombra ‘mega-pacote’ de apoio às energias limpas
Eventual vitória de Trump não deverá dar azo a um completo revés na política energética dos Estados Unidos, que tem apostado milhares de milhões nas energias limpas. Porém, pode enfraquecer a ação.
Depois de o setor da energia ter ganho protagonismo nos Estados Unidos ao beneficiar de um ‘mega-pacote’ de apoios concedido pela administração de Joe Biden, há nuvens que se aproximam com a candidatura de Donald Trump, assumido opositor destas políticas. Contudo, os analistas esperam que, mesmo com uma vitória republicana, que possa enfraquecer as políticas pró-clima, não exista uma completa reversão na política energética.
A EDP Renováveis é apontada como uma das empresas mais expostas aos riscos destas eleições pelo Goldman Sachs, mas a casa de investimento mantém-se otimista quanto ao potencial da elétrica e das pares do setor.
Nestas eleições, no que diz respeito ao setor da energia, o que está em causa é sobretudo o futuro do Inflation Reduction Act (IRA), um pacote de incentivos lançado em 2022 pela administração democrata chefiada por Joe Biden, e que destina 400 mil milhões de dólares à aposta em energias limpas.
Ainda em maio, o candidato republicano à presidência, Donald Trump, anunciou que, caso chegasse ao poder, iria terminar a aplicação do IRA: “vou cancelar todos os fundos que ainda não tenham sido despendidos no âmbito do mal-designado Inflation Reduction Act”.
Em oposição, a candidata pelos Democratas, Kamala Harris, lançou este mesmo pacote “verde” ainda como vice-presidente de Joe Biden. Caso Harris seja eleita, a expectativa dos analistas, de acordo com a S&P Global, é que não só este pacote seja defendido de ataques legais como, ainda, sejam finalizadas medidas em relação a emissões poluentes, como a imposição de limites às emissões de centrais elétricas a gás.
“Uma viragem republicana pode enfraquecer o apoio ao IRA, sobretudo no que diz respeito aos custos”, alertam os analistas do Goldman Sachs, numa nota de análise de 29 de outubro. No entanto, a mesma entidade acredita que seria “desafiante” avançar com uma “rejeição total” do IRA, dado que cerca de 80% dos investimentos em indústria associados ao diploma verde se situam em Estados tipicamente republicanos. A mesma opinião é partilhada pela instituição financeira neerlandesa ING: “Independentemente de quem se torna presidente, o IRA dificilmente será rejeitado”, lê-se num artigo publicado a 10 de setembro.
Republicanos “tiram” às energias limpas e “dão” aos produtores fósseis
Caso o partido Republicano ganhe a presidência nas eleições de 5 de novembro, os analistas do Goldman Sachs consideram “altamente expectável” uma redução, ou pelo menos a implementação de um teto, nos incentivos atribuídos a tecnologias como carros elétricos, hidrogénio verde e captura de carbono. “Também há o potencial de menos apoio para a energia eólica offshore, tendo em conta os custos premium” desta tecnologia, complementam os mesmos analistas.
O ING também aponta o risco de incentivos às energias limpas retrocederem, mas sublinha que aqueles dirigidos ao hidrogénio e captura de carbono devem ser menos impactados. Também a modernização da rede elétrica pode ser enfraquecida se Trump for eleito.
Sob a alçada dos republicanos, os expectáveis beneficiados são outros: uma administração menos favorável às energias renováveis pode intensificar o apoio ao setor de combustíveis fósseis, com a concessão de novos contratos para exploração de petróleo e gás, alívio nas regulamentações ambientais e eventuais incentivos diretos ao setor de petróleo e gás, indica o economista sénior do Banco Carregosa, Paulo Rosa.
Num relatório recente sobre os cenários pós-eleições norte-americanas, a Fitch vê benefícios para o setor do petróleo e gás “pelo menos no curto prazo”, dada uma provável menor pressão para a redução de emissões poluentes, o que estimula a procura por estas fontes energéticas. Também as pressões vindas de investidores, no sentido de diversificar o negócio, podem amenizar.
Em paralelo, há outro risco que é reiteradamente referido: o das taxas de juro elevadas. A inflação nos Estados Unidos poderia ultrapassar o esperado na sequência de uma política fiscal mais agressiva, em conjunto com tarifas sobre as importações, escreve o Goldman Sachs. Neste cenário, podem verificar-se taxas de juro mais altas ou cortes mais lentos nas mesmas por parte da Reserva Federal. “Uma vez que a indústria das utilities é intensiva em capital, isto poderá ser negativo”, sublinha a casa de investimento.
EDP Renováveis entre as mais expostas às eleições
“Vemos as perspetivas quanto à procura de energia na região como um fator muito mais importante para as utilities no médio prazo”, referem os analistas do Goldman Sachs, por oposição às eleições norte-americanas e subsequentes políticas. Apesar disso, esta casa de investimento reconhece que as ações podem de facto reagir a uma eventual perceção de mudança de rumo nas políticas, caso o partido Republicano retorne à Casa Branca.
Numa análise mais fina, a portuguesa EDP Renováveis está entre as empresas que o Goldman Sachs considera como mais expostas no contexto das eleições norte-americanas.
A subsidiária de energias limpas do grupo EDP, nos cálculos do Goldman Sachs, tem cerca de 55% do seu EBITDA (real e previsto) para 2024 e 2025 exposto ao mercado norte-americano, a maior percentagem entre as energéticas analisadas. Nos mercados, a empresa regista uma quebra de cerca de 20% desde meados de setembro, e que chega aos 30% desde janeiro.
“Parece que as ações estão a incorporar no preço um declínio potencial no crescimento orgânico, a eventualidade de o IRA ser rejeitado e taxas de juro mais altas”, escrevem os analistas do banco de investimento. No entanto, a descida em bolsa é considerada pelo Goldman como “excessiva”, tendo em conta as perspetivas de retorno melhoradas da empresa, que são suportadas por uma procura mais forte e menor concorrência, assim como pela resiliência nos preços da eletricidade na Europa.
Com a ação a negociar abaixo do valor que o Goldman considera adequado, a casa de investimento vê a EDPR como uma “oportunidade de compra cada vez mais atrativa” para os investidores. O preço alvo apontado para esta cotada é de 19 euros, estando de momento a negociar nos 12,53 euros.
Os riscos chave que a empresa de energias limpas portuguesa enfrenta, na visão do Goldman Sachs, são os potenciais atrasos no processo de eletrificação da Europa e dos Estados Unidos, assim como um crescimento abaixo do esperado na capacidade instalada, preços da energia abaixo da expectativa, taxas de juro mais elevadas e uma depreciação significativa no dólar norte-americano e no real brasileiro.
Já na ótica do analista da Fitch Manuel Meneses, que acompanha a EDP, os riscos das eleições para esta empresa “são limitados”. A elétrica portuguesa tem um “foco significativo” de investimento nos Estados Unidos, mas a estratégia de compra de componentes está muito assente neste mesmo território, pelo que “o potencial risco das tarifas estaria largamente coberto”.
Em julho, em entrevista ao Jornal de Negócios, o CEO da EDP, Miguel Stilwell de Andrade, afirmou-se “não muito preocupado” com as eleições nos Estados Unidos e garantiu que “os riscos políticos no país estão mitigados” em termos de projetos eólicos e solares. Já em meados de setembro, na conferência organizada pelo ECO “Energy 2024”, o administrador executivo Pedro Vasconcelos criticou: “[Donald] Trump é contra a transição. Tudo o que afirma vai contra a estabilidade que os investidores precisam“. O mesmo acrescentou que se revê na agenda da candidata pelo partido Democrata, Kamala Harris. Pedro Vasconcelos criticou ainda o “protecionismo muito violento” da parte dos Estados Unidos em relação aos painéis solares chineses.
Além da EDP Renováveis, os analistas do Goldman nomeiam a dinamaquesa Orsted entre as mais expostas, já que “um governo menos adjuvante na energia eólica offshore deverá ter um impacto negativo no sentimento”, caso o mercado assuma que não existirá crescimento da empresa nos Estados Unidos, no que diz respeito a esta tecnologia. Tanto no caso desta empresa como da Vestas, a atividade noutros mercados pode contrabalançar eventuais dissabores no mercado norte-americano, afirma o Goldman Sachs.
No caso da EDPR, quebras no valor da ação relacionadas com os projetos offshore seriam de “curta duração”, uma vez que a empresa já caiu “abruptamente” e tem pouco risco de acordo com os fundamentais.
Em paralelo, há outro perfil de empresa, cujo foco está nas infraestruturas de energia em vez da produção, que é particularmente sensível a oscilações nas taxas de juro e a estas eleições: é o caso da Iberdrola e National Grid, acrescenta o Goldman Sachs.
No extremo oposto, empresas com pouca exposição aos Estados Unidos, como a EON, SSE e Enel, poderiam beneficiar de uma maior turbulência na política energética da maior economia do mundo, no rescaldo das eleições presidenciais. Apesar dos receios assinalados, a recomendação de compra por parte do Goldman Sachs é comum a todas as energéticas mencionadas e ainda à Centrica, Engie e RWE.
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