Exclusivo Empregados da antiga Moviflor recuperam 70%. Estado e banca perdem 58 milhões

Ao fim de uma década, os quase 1.300 ex-trabalhadores começam a receber parte dos créditos. Finanças e cinco bancos ficam a arder com 58 milhões na insolvência "fortuita" da cadeia de mobiliário.

Dez anos depois de ser declarada a insolvência da antiga Moviflor e de a assembleia de credores ter então votado por unanimidade a liquidação da histórica cadeia de lojas de mobiliário portuguesa, fundada em 1971 por Catarina Remígio, os 1.278 antigos trabalhadores só agora começam a reaver perto de 70% dos 14,5 milhões de euros de créditos reconhecidos no âmbito deste processo.

A sentença de verificação e graduação dos créditos, sobre como devem ser pagos aos credores, foi proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, mas dois antigos funcionários recorreram. Nos últimos dias foi pago o rateio parcial no valor de 7,78 milhões de euros (descontado do que tinha sido adiantado pelo Fundo de Garantia Salarial), ficando pendente a distribuição de mais cerca de dois milhões de euros.

Carlos Inácio, administrador de insolvência da Albará SA, antes designada de Moviflor – Comércio de Mobiliário, contabiliza ao ECO que o total da receita angariada pela massa insolvente ascendeu a 10,374 milhões de euros, em termos líquidos. Um quarto do montante está ainda retido, a aguardar o despacho do Tribunal da Relação, sendo que a estes 2,6 milhões terão de ser deduzidas as custas e despesas do processo “num valor ainda não apurado”.

Certo é que apenas os trabalhadores vão recuperar parte do dinheiro. Foram reconhecidos créditos totais de 134,9 milhões de euros numa lista com centenas de outras entidades.

Individualmente, as Finanças surgem como a maior credora (24,6 milhões); em conjunto, as perdas da banca ascendem a 33,3 milhões: Banif (11,6 milhões), BCP (10,2 milhões), Novobanco (8,3 milhões), Banco BIC (1,7 milhões) e Banco Popular (1,5 milhões).

Com a liquidação já encerrada, Carlos Inácio, que assumiu o processo em maio de 2022 depois da morte do anterior administrador judicial, Pedro Ortins de Bettencourt, refere que a conhecida loja no Porto, virada à rotunda AEP, era o principal ativo. Foi vendida em leilão por 8 milhões de euros à Kinda Home – entretanto, a empresa do grupo Nuvi, controlado por Luís Vicente, já fechou o espaço renovado em que investiu 20 milhões para abrir em 2018 – e os restantes bens, sobretudo peças de mobiliário e outras mercadorias, renderam 2,36 milhões adicionais.

a marca e o logótipo acabaram por ser comprados logo em 2015 pelo empresário aveirense José Manuel Reis, dono dos Armazéns Reis, que relançou o negócio. O líder do grupo de materiais de construção e bricolage, iniciado há 35 anos com o pai José, disse na altura ter pagado 10 mil euros num leilão. Atualmente, a nova Moviflor conta com lojas em Aveiro, Coimbra, Viseu e Évora, e vende através do canal online no resto do território nacional.

Uma das lojas principais, na baixa de Luanda, já tinha fechado e o armazém estava vazio. Fiz uma exposição à comissão de credores e ao tribunal, a dizer que [face ao] custo-benefício não seria de se avançar com nada.

Carlos Inácio

Administrador judicial da Albará S.A. (antiga Moviflor - Comércio de Mobiliário)

Questionado sobre o período de dez anos até ao encerramento deste processo, o administrador de insolvência elogia o “trabalho hercúleo” da juíza num dossiê “muito complexo” também pela profusão de credores envolvidos. Salienta que “cada caso é um caso” e “às vezes as coisas não são tão simples quanto parecem”. Por exemplo, quando pegou no processo da antiga Moviflor, estava ainda em aberto o “tema de Angola”, que “foi o que fez atrasar mais”.

“Havia lá uns possíveis interesses da Moviflor. Quando fui ver in loco já estava mesmo desativado, não havia nada. Uma das lojas principais, na baixa de Luanda, já tinha fechado e o armazém estava vazio e não tinha lá ninguém. Fiz uma exposição à comissão de credores e ao tribunal, a dizer que [face ao] custo-benefício não seria de se avançar com nada, pela não atividade da mesma”, relata Carlos Inácio.

Tribunal recusa “gestão danosa”

Em 2013, pouco antes de falir com estrondo, a antiga Moviflor, que chegou a empregar 1.400 pessoas, reportou um prejuízo de 18,7 milhões de euros e uma faturação a rondar 31 milhões. Na reta final desse ano, numa altura em que as dívidas já atingiam os 150 milhões de euros, a administração ainda conseguiu que 80% dos credores aprovassem um Processo Especial de Revitalização (PER) que previa 320 despedimentos, o fecho de várias lojas, a renegociação dos prazos de pagamento e uma injeção de capital. Esse plano, porém, nunca foi cumprido.

Ao avançar com o pedido de insolvência da empresa lisboeta, uma ex-trabalhadora denunciou ao tribunal suspeitas de “dissipação de património”, o que levou à nomeação provisória de um administrador judicial. Pedro Ortins de Bettencourt chegou a descrever na proposta de liquidação e encerramento da atividade a forma como Catarina Remígio transferiu stocks para a IFC International Furniture Company – “uma empresa detida pelo companheiro de há vários anos da administradora da insolvente, com a qual partilha[va] residência”.

Ex-trabalhadores da Moviflor protestaram em frente à antiga loja na BobadelaPedro Nunes/LUSA 15 novembro, 2014

Essas peças acabaram vendidas a preço de custo e ainda com as etiquetas originais na loja da Bobadela, que reabriu como Outlet de Móveis. Após ser nomeado pelo tribunal, o então administrador de insolvência mandou colocar cadeados e segurança nas lojas. Sem, no entanto, conseguir reaver o material que tinha sido removido. Calculou que este stock foi vendido a 20% do valor de inventário, calculando no processo um desvio no valor global a rondar 1,9 milhões de euros.

Ao que o ECO apurou junto de fonte judicial, apesar destes indícios de gestão danosa e das alegações sobre o desvio milionário de móveis e de outros materiais no derradeiro episódio de uma história marcada por dificuldades financeiras, despedimentos e salários em atraso, no processo movido contra os gestores da antiga Moviflor, o Juízo Central e Criminal de Lisboa declarou a insolvência como “fortuita”, num acórdão com data de 18 de abril de 2024.

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