Estado vai passar a confiscar bens em caso de morte, doença ou prescrição de processo crime
Estado vai passar a confiscar bens mesmo em caso de morte, doença ou prescrição de processo criminal. Governo aprovou esta quarta-feira anteprojeto com novas regras para confisco de bens.
O Conselho de Ministros aprovou esta quarta-feira o chamado regime de “perda alargada” – ou seja, o confisco de bens provenientes de atividade criminosa. Assim, os bens do arguido passam a ser confiscados, mesmo que não haja uma condenação, em casos em que os crimes tenham prescrito, o arguido morrido ou estar em fuga.
No âmbito da agenda anticorrupção, o Governo pretende assim que os bens do arguido acusado pelo crime de corrupção (e outros crimes económicos) possam ser confiscados por ordem de um juiz — que pode escolher quais os bens em causa — mesmo que não haja ainda uma condenação no processo. “Um instrumento com enorme potencial para capacitar as autoridades na luta contra a corrupção”, disse o ministro da Presidência, António Leitão Amaro, no briefing do Conselho de ministros.
Estas regras – que resultam das conclusões de um grupo de trabalho – vão ainda ser objeto de consulta pública. “O Conselho de Ministros validou, numa apreciação geral, as propostas desse Grupo de Trabalho e tomou como bom o anteprojeto de diploma. O texto do anteprojeto e o relatório vão ser disponibilizados na consulta pública”, disse a ministra.
“Esta aprovação tem ainda um objetivo último – eliminar as vantagens económicas obtidas através de crimes. Responder da melhor forma possível àquele princípio que todas as pessoas entendem de que o crime não compensa”.
Que novidades traz este novo mecanismo da perda alargada?
- O novo mecanismo de perda alargada de bens passa a ser “em espécie” e não pelo valor de bem. Ao contrário do que sucede no confisco clássico, não se tem de demonstrar a ligação de um crime específico e as vantagens obtidas, mas “apenas” quais os bens em causa. Ou seja: a perda é avaliada pela espécie do bem e não pelo valor em si, mesmo que os crimes não estejam ainda totalmente apurados. Rita Júdice concretizou com um exemplo: “Imaginem que as autoridades descobrem um armazém de droga, onde encontram armas, produtos estupefacientes e um quadro muito valioso. O crime foi julgado, o arguido foi condenado por tráfico de droga, mas não ficou provado no processo de que tipo de crime, em concreto, resultou a obtenção deste quadro para o arguido – em que dia, em que situação foi obtido o quadro. Segundo o novo mecanismo da perda em espécie, um bem específico, obtido por um arguido condenado, que tenha tido origem em atividade criminosa, mesmo que não se prove a ligação entre o quadro e o crime específico em causa pode ser confiscado a favor do Estado”, disse.
- Mudanças no “Confisco clássico”: voltando a pegar no mesmo exemplo, “o quadro foi obtido através da prática de um crime comprovado, houve um processo penal, mas que prescreveu. Ou o arguido morreu e o processo penal foi extinto. A legislação atual tem muitas lacunas e gera incertezas sobre o que fazer neste caso. O Código penal não é muito claro no caso em que o processo prescreve ou se dá a morte do agente do crime: não pode haver processos-crime contra pessoas mortas. Agora preenchem-se essas lacunas, com regras claras: mesmo com a extinção do processo penal, passa a ser possível abrir um processo autónomo, de natureza não penal, que permita determinar o destino desse bem, declarando-o perdido a favor do Estado”, concluiu.
- Para explicar a segunda novidade do diploma – perda de bens apreendidos associados a organização criminosa“- a ministra usou mais um exemplo: “Imaginem que o arguido – o traficante de droga do caso prático – não foi condenado. Foi feita uma investigação, foi aberto um processo penal, durante a investigação esse quadro foi apreendido por ordem do Ministério Público ou tribunal. Não tendo, por qualquer razão, sido o arguido condenado pelo crime sob investigação [e não sendo, por isso, possível a aplicação do novo mecanismo de perda alargada em espécie], pode suceder, ainda assim, que em tribunal o juiz tenha ficado convencido de que o quadro apreendido tenha sido obtido mediante atividade criminosa praticada no âmbito de uma organização criminosa. Quando não houver condenação, apesar de ter havido um processo penal, e seja claro para o tribunal, com base em toda a prova disponível, que o bem em questão resultava, não só de atividade criminosa, mas especificamente de atividade criminosa praticada no âmbito de uma organização criminosa, o que vem dizer esta proposta é: o bem pode ser confiscado”.
- Será ainda criada um novo sujeito processual, a “pessoa afetada” por decisões de apreensão, arresto ou perda de bens (incluindo a venda antecipada), com o direito a de estar presente e ser ouvida pelo tribunal, o direito à informação e o direito ao recurso. “É um novo sujeito processual, com direitos e deveres, com legitimidade para intervir no processo. Quem seria a pessoa afetada no nosso caso prático? O herdeiro do arguido, a pessoa a quem o arguido vendeu (entretanto) o quadro, por exemplo”, explicou ainda a ministra, no briefing do Conselho de Ministros.
O Gabinete de Recuperação de Ativos – criado em 2007 e na dependência da Polícia Judiciária -passa a ter a possibilidade de decretar “ações imediatas que são apreensões, inclusivamente em caso de arresto. Estas ações imediatas têm, no entanto, de ser confirmadas por uma autoridade judiciária nas 72 horas subsequentes”.
O GRA tem como missão proceder à identificação, localização e apreensão de bens ou produtos relacionados com crimes, a nível interno e internacional e cooperar com os gabinetes de recuperação de ativos criados por outros Estados.

“O eficaz combate à corrupção faz-se também com maior clareza legislativa. Com soluções equilibradas que sejam exequíveis e não com soluções radicais que ficam pelo caminho”, concluiu a ministra. A medida não surge apenas por iniciativa do Executivo, mas também por imposição europeia da diretiva aprovada em abril de 2024, e que Portugal tem que transpor até ao fim de 2027.
Diz a mesma que “os Estados-membros devem tomar as medidas necessárias para permitir a perda dos instrumentos, vantagens ou bens ou de vantagens ou bens que tenham sido transferidos para terceiros nos casos em que tenha sido iniciado um processo penal mas o mesmo não tenha podido prosseguir devido a uma ou mais das seguintes circunstâncias: doença, fuga ou morte do suspeito ou arguido ou em que o prazo de prescrição previsto no direito nacional para a infração penal em causa é inferior a 15 anos e expirou após o início do processo penal”.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
Estado vai passar a confiscar bens em caso de morte, doença ou prescrição de processo crime
{{ noCommentsLabel }}