Investir na educação pode reduzir até 75% pobreza entre gerações

Um em cada quatro portugueses que cresceu com dificuldades financeiras mantém essa condição na idade adulta, alerta o Banco de Portugal, destacando a educação como chave para quebrar o ciclo vicioso.

Um em cada quatro portugueses que cresceu em famílias com dificuldades financeiras mantém essa condição na idade adulta, revela um estudo do Banco de Portugal publicado esta quinta-feira, que será incluído no Boletim Económico de junho.

As conclusões do estudo desenvolvido por Nuno Alves e Cristina Manteu confirmam aquilo que muitos sociólogos há muito suspeitavam: a pobreza e a privação material transmitem-se de pais para filhos como uma herança indesejada. Os números revelam que quem cresceu numa família com dificuldades financeiras tem uma probabilidade 13,7 pontos percentuais superior de viver em privação material na idade adulta.

O estudo teve por base os dados do Inquérito às Condições de Vida e Rendimento (ICOR) de 2023, analisou mais de 4.700 portugueses entre os 39 os 49 anos e conclui que “as pessoas que vivem em situação de pobreza ou de privação material e social durante a infância ou adolescência têm maior probabilidade de reviver essa situação na idade adulta”

A forte correlação entre educação e mobilidade social sugere que “a importância de políticas multidimensionais que intervenham desde o início do ciclo de vida dos indivíduos” deve estar no centro das preocupações dos decisores políticos.

A matemática da desigualdade é implacável. Segundo o estudo, mais de um quarto (25,8%) dos portugueses na faixa etária analisada (entre os 39 e 49 anos) reportaram ter vivido numa “má situação financeira” aos 14 anos. Mas o que torna estes dados verdadeiramente alarmantes é a forma como essas dificuldades se perpetuam.

Um português que teve uma boa situação financeira aos 14 anos apresenta apenas 5,8% de probabilidade de viver atualmente em privação material e social. Contudo, se a situação financeira na adolescência foi má, essa probabilidade dispara para 19,5%. A diferença – esses 13,7 pontos percentuais – representa aquilo que os investigadores designam como “persistência intergeracional da privação”.

No que toca ao risco de pobreza, o padrão mantém-se, ainda que com menor intensidade. Quem teve uma boa situação financeira na adolescência tem 12,5% de probabilidade de estar em risco de pobreza na idade adulta, percentagem que sobe para 19,2% no caso contrário. “A persistência intergeracional da pobreza ascende a 6,7 pontos percentuais”, conclui o estudo.

A chave para quebrar o ciclo está na educação

O estudo revela ainda o papel fundamental da educação como mecanismo de mobilidade social – ou, inversamente, como fator de perpetuação das desigualdades. “A educação desempenha o papel mais importante na redução da transmissão das circunstâncias passadas ao risco de privação ou pobreza (entre 70 a 75% da diminuição)”, destacam os investigadores.

A transmissão intergeracional da educação é, ela própria, um fenómeno preocupante. Quando a escolaridade máxima dos pais é o 9.º ano – situação que abrange 68% da amostra –, apenas 21,7% dos filhos completa o ensino superior. “Essa percentagem ascende a 57,9% quando os pais têm o ensino secundário e 79,7% quando têm o ensino superior”, revela o estudo.

Mas é quando se cruza a educação dos pais com a situação financeira da família que os dados se tornam ainda mais reveladores. Apenas 10,9% dos indivíduos cujos pais tinham no máximo o 9.º ano e que viviam com dificuldades financeiras conseguiu concluir o ensino superior, percentagem que sobe para 31,1% quando a situação financeira era boa.

Outras das conclusões mais significativas do estudo prende-se com a forma como as dificuldades financeiras da adolescência condicionam a vida adulta, mesmo depois de controlados outros fatores como educação e emprego. “Controlando para outros desenvolvimentos pessoais como a educação e o emprego, as dificuldades financeiras na adolescência continuam a condicionar a privação material e social na vida adulta”, mas curiosamente “deixam de ter um contributo direto no caso do risco de pobreza”.

Esta distinção não é meramente técnica. “Existe uma proporção significativa de indivíduos que se encontram em risco de pobreza sem viverem uma situação de privação material e social e vice-versa”, explicam os investigadores. Na amostra analisada, apenas 4,4% dos portugueses entre os 39 e os 49 anos vivia simultaneamente em risco de pobreza e em privação material e social1.

Quando comparado com outros países da União Europeia, Portugal ocupa “uma situação intermédia” na persistência intergeracional tanto da privação como do risco de pobreza, referem os dados do estudo do Banco de Portugal. Este posicionamento sugere que, embora o problema seja real e significativo, não estamos perante a pior situação europeia.

No entanto, o estudo mostra que “uma medida mais severa de dificuldades económicas aos 14 anos implica maior probabilidade de privação/pobreza em adulto”, sublinhando que as situações de maior fragilidade inicial tendem a produzir efeitos mais duradouros.

Mas os investigadores Nuno Alves e Cristina Manteu não se limitam a diagnosticar o problema. Deixam também pistas sobre possíveis soluções. “Compreender o grau e os mecanismos de transmissão da pobreza e privação entre gerações é importante para a definição de políticas que quebrem este ciclo de desvantagem intergeracional”, afirmam os autores.

A forte correlação entre educação e mobilidade social sugere que “a importância de políticas multidimensionais que intervenham desde o início do ciclo de vida dos indivíduos” deve estar no centro das preocupações dos decisores políticos.

O estudo vem assim confirmar aquilo que muitos especialistas em políticas sociais têm vindo a defender: quebrar o ciclo intergeracional da pobreza exige intervenção precoce, investimento em educação e políticas que não se limitem a tratar os sintomas, mas que ataquem as causas estruturais da perpetuação das desigualdades sociais.

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