“Se a pergunta for idiota posso dizer isso e não responder?”, questiona Sócrates

José Sócrates, que está acusado de 22 crimes – três de corrupção, 13 de branqueamento de capitais e seis de fraude fiscal, vai voltar falar na sessão de julgamento desta quarta-feira.

No terceiro dia de julgamento da Operação Marquês, o principal arguido José Sócrates manteve a mesma postura e voltou a recorrer à ironia e a perguntas retóricas, levando a que a magistrada Susana Seca considerasse que o ex-primeiro ministro está a “desrespeitar” o coletivo de juízes. Logo no início da sessão, a magistrada fez questão de dizer que os trabalhos devem correr “com a maior serenidade possível” e as regras do tribunal devem “ser respeitadas”.

“Tendo em consideração o que se passou nas últimas sessões, espero que possamos fazer o possível para que isto corra com a maior normalidade”, diz Susana Seca. Não contente com a advertência, Sócrates pergunta: “eu não tenho o direito de contestar, nem classificar as perguntas?”. A juíza diz que Sócrates tem apenas a hipótese de recusar-se a responder. “Não posso dizer a ‘pergunta é idiota não respondo?’ Digo apenas ‘não respondo’?”. Perante a questão, a juíza deixa claro: “Não. Se disser isso, está a desrespeitar o tribunal.” Ainda assim, durante o intervalo da sessão, Sócrates afirmou que pretendia moderar a postura, não deixando de dizer, porém, que a hostilidade vem apenas e só do lado da juíza.

Passado este momento mais tenso, Sócrates decidiu referir o atual primeiro-ministro Luís Montenegro, e sublinhar que se oferece para trazer a lista de empresas que o contactou após sair do Governo, referindo-se ao caso da empresa familiar de Montenegro, a Spinumviva. “Eu não quero invocar o princípio do atual primeiro-ministro, que se recusou a dar o nome das empresas com as quais trabalhava. Se o Ministério Público, à falta de melhor, se quiser dedicar a isto, eu trago na próxima sessão a lista das empresas”, disse. “Se a senhora juíza achar pertinente”, acrescentando que teria de pedir autorização às empresas.

“Entre 2011 e 2014 houve várias empresas que me pediram coisas, para falar com empresas estrangeiras. Coisa que sempre fiz, porque achava que era importante. E uma dessas empresas que me pediu foi o grupo Lena (por causa de negócios na Argélia e Angola). Carlos Santos Silva estava com Joaquim Barroca e pediu-me expressamente – que estavam a fazer uma estrada em Angola e que havia dificuldades de pagamento – e se eu podia dar uma palavra ao Governo de Angola. Coisa que disse que fazia com muito gosto e então falei com o senhor vice-presidente de Angola [Manuel Vicente], que conhecia”, afirmou.

A vida sexual de Salazar

À saída do tribunal, sem deixar de fazer as habituais críticas ao trabalho dos jornalistas, José Sócrates lamentou a reprodução da escuta que continha uma conversa com o arguido e com Granadeiro, em que falavam da vida sexual de Salazar. “Foi um ato absolutamente indigno por parte do Ministério Público. Estamos aqui há duas horas para que o MP apresente uma prova, que se concentre em provar o que afirma, há dez anos que me insulta, e o que faz o MP? Produz uma conversa telefónica entre mim e o Henrique Granadeiro para fazer o espetáculo mais indigno de voyeurismo político e pessoal, e para que eu fosse exposto a falar do Mário Soares e do Almeida Santos, uma coisa horrível”.

A magistrada perguntou igualmente se os administradores da Sonae transmitiram a intenção de avançar com uma Oferta Pública de Aquisição (OPA) à operadora PT.

“Recordo-me de uma reunião porque fiquei muito surpreendido por Belmiro Azevedo me dizer que tinha a solução para o problema da PT. Sempre que abria a boca, o engenheiro Belmiro de Azevedo achava que tinha uma solução para o país”, referiu Sócrates. “A posição do Governo era no sentido de não considerar a OPA hostil. A existência da OPA era uma oportunidade para o Governo: o de cumprirmos um ponto no programa do Governo — a separação das redes de cobre e cabo”, referiu.

Na sessão, Sócrates disse que era “estratégico” a separação da PT Multimédia, uma vez que era necessário haver mais concorrência. “Quem, no fundo, estabeleceu essa separação foi a ANACOM, que definiu a separação entre o cobre e cabo, mas isso aconteceu por pressão pública do Governo”, disse.

Após ter referido o documento na sessão de terça-feira, o antigo primeiro-ministro voltou a levar a tribunal a “smoking gun”. Isto após a juíza questionar sobre a possibilidade ter manipulado o voto para conseguir travar a OPA da Sonae. “A acusação é falsa e está demonstrada que é falsa”, disse, garantindo que o documento “contraria tudo o que foi dito”. “Eu provei a minha inocência com prova documental e com prova testemunhal”, acrescenta.

O ex-primeiro-ministro José Sócrates, à chegada ao Tribunal Central Criminal de Lisboa, no Campus de Justiça, na segunda sessão do julgamento do processo Operação Marques, mais de uma década depois de ter vindo a público o caso que acusa o ex-primeiro-ministro de corrupção.Hugo Amaral/ECO

 

Neste processo, José Sócrates, inicialmente acusado de 31 crimes, vai responder por 22, entre os quais três de corrupção passiva de titular de cargo político, 13 de branqueamento de capitais e seis de fraude fiscal qualificada.

O amigo do antigo primeiro-ministro e empresário Carlos Santos Silva é o arguido com mais crimes imputados pela acusação do Ministério Público, respondendo por 23 crimes, contra os 33 iniciais, entre eles um crime de corrupção passiva de titular de cargo político, um de corrupção ativa, 14 de branqueamento de capitais e sete de fraude fiscal qualificada.

Em julgamento vão também estar Carlos Santos Silva, empresário e amigo do ex-primeiro-ministro, acusado de 23 crimes; Joaquim Barroca, ex-administrador da construtora do Grupo LENA, acusado de 15 crimes; José Pinto de Sousa, empresário e primo de José Sócrates, acusado de dois crimes; Hélder Bataglia, empresário, acusado de cinco crimes; Sofia Fava, ex-mulher de Sócrates, acusada de um crime.

Neste processo, o Ministério Público reclama aos arguidos um total de 58 milhões de euros, tendo arrestado vários bens. Segundo as contas da acusação, José Sócrates teria dado cerca de 21 milhões de euros de prejuízo ao Estado, Zeinal Bava cerca de 16 milhões, Henrique Granadeiro cerca de 14 milhões, Carlos Santos Silva três milhões e 300 mil euros, Ricardo Salgado três milhões de euros e Armando Vara 1,4 milhões de euros.

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